É a primeira vez, desde Dom Pedro II, que um brasileiro é homenageado pela Academia Francesa; Lula também é o segundo brasileiro a receber o título de Doutor Honoris Causa da Universidade Paris 8 e volta ao Brasil com mais de R$ 100 bilhões em novos investimentos

Lula faz história em Paris e recebe homenagens da Academia Francesa e da Universidade Paris 8
Presidente Lula ao receber o título de honoris causa da Universidade de Paris 8 (Ricardo Stuckert / PR)

Durante seu primeiro mandato, Lula fez sua primeira visita oficial à França em julho de 2005, sob a presidência de Jacques Chirac. Voltou ao país em 2009 para promover o Ano do Brasil na França, receber o Prêmio da Paz Félix Houphouët-Boigny na sede da Unesco e firmar acordos que somavam R$ 22,5 bilhões à época. Em 2012, já sob o governo Dilma Rousseff, houve nova visita oficial com assinatura de acordos de cooperação com François Hollande, então presidente francês. Desde então, o Estado brasileiro não era convidado oficialmente ao país.

Quase 20 anos após sua primeira visita como chefe de Estado, Luiz Inácio Lula da Silva retorna à Cidade Luz como presidente pela terceira vez, desta vez com uma agenda intensa. Ele se torna o presidente brasileiro deste quarto de século que mais vezes visitou Paris e o que mais homenagens recebeu em território francês. Volta ao Brasil com duas dezenas de acordos bilaterais e um volume de investimentos que supera os R$ 100 bilhões.

A lista de compromissos é extensa. Foram firmados mais de 20 atos de cooperação, aprofundando a relação bilateral em áreas como ciência, tecnologia, inovação, meio ambiente, segurança alimentar, educação e saúde. Entre os projetos destacados estão o satélite geoestacionário de comunicações, o supercomputador Santos Dumont e a reativação do Centro Franco-Brasileiro de Biodiversidade Amazônica. No setor de saúde, novas parcerias entre a Fiocruz e o Instituto Pasteur miram o desenvolvimento conjunto de vacinas e insumos laboratoriais. Também se abriu a possibilidade de produção de helicópteros pela Helibras, em Itajubá, com fins civis e militares e potencial para exportação.

O Brasil ainda recebeu da OMSA (Organização Mundial da Saúde Animal) o certificado de país livre da febre aftosa sem vacinação. Empresários franceses manifestaram interesse em ampliar os investimentos no Brasil, com expectativa de aplicar R$ 100 bilhões até 2030. Um encontro empresarial contou com mais de 500 inscritos de cada país. No campo da cultura, foi assinado um novo acordo de cooperação, e o presidente Macron anunciou a suspensão temporária de vistos para brasileiros que entram pela Guiana Francesa. França e Brasil também discutiram a COP30 e participaram juntos da III Conferência da ONU sobre os Oceanos, no principado de Mônaco.

O prestígio pessoal do presidente Lula foi o ponto alto da visita — motivo de orgulho para qualquer brasileiro.

Academia Francesa inclui “multilateralismo” em dicionário em homenagem a Lula

No dia 5 de junho, Lula fez história ao se tornar o segundo brasileiro homenageado pela Academia Francesa, fundada em 1635. Em quase 400 anos de existência, apenas 19 chefes de Estado haviam recebido essa honraria. O único brasileiro antes de Lula havia sido Dom Pedro II, em 1872.

Em cerimônia solene, os Imortais da Academia incluíram a palavra “multilateralismo” — que pressupõe igualdade soberana entre as nações — no dicionário oficial, em homenagem a Lula. O presidente recebeu uma edição do dicionário já com o verbete “multilatéralisme” incorporado. “O multilateralismo foi decisivo no processo de descolonização, na proibição de armas químicas e biológicas, na afirmação de direitos humanos, na proteção do meio ambiente e na solução de diversos conflitos”, afirmou Lula, ao descrever a homenagem como “uma deferência, um reconhecimento ao Brasil e ao povo brasileiro”.

Após a cerimônia, Lula participou de um encontro com a comunidade brasileira em Paris, recepcionado pela prefeita da cidade, Anne Hidalgo. Ao lembrar a prisão do presidente em 2018, ela afirmou: “Lula é a encarnação da esperança — a que brilha quando tudo parece perdido, que resiste em pleno caos e que segue viva mesmo quando todas as saídas parecem fechadas”. Ela recordou que, ao ser libertado, Lula recebeu a cidadania de honra de Paris.

Entre os presentes no encontro estavam Lélia Salgado, viúva do fotógrafo Sebastião Salgado, e Ana Lúcia Paiva, filha de Eunice Paiva e do ex-deputado Rubens Paiva, assassinado pela ditadura. Anne Hidalgo concluiu: “Paris te ama”, dirigindo-se ao “querido cidadão de honra da cidade de Paris”. Lula foi o segundo brasileiro a receber esse título em 2021, ao lado do líder indígena Kayapó Raoni Metuktire.

Após um jantar de gala oferecido por Emmanuel Macron, Lula e Janja assistiram à Torre Eiffel ser iluminada com as cores verde e amarela.

Lula faz história em Paris e recebe homenagens da Academia Francesa e da Universidade Paris 8
Lula foi homenageado pela universidade Paris 8 – Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República

Doutor Honoris Causa da Universidade Paris 8

Na manhã de sexta-feira, 6, Lula recebeu o título de Doutor Honoris Causa da Universidade Paris 8, criada em meio às transformações sociais de maio de 1968. A instituição nasceu com a missão de democratizar o ensino superior, abrindo espaço para filhos de trabalhadores, imigrantes e demais excluídos do sistema tradicional. Como destacou Lula: “A Paris 8 mostrou que o saber não é privilégio, é um direito”.

A ex-reitora Annick Allaigre afirmou que, em tempos de ameaça à liberdade acadêmica, homenagear Lula era “um ato potente”. Segundo ela, o fato de um presidente operário, de origem humilde, receber o título de uma universidade da periferia de Paris “é um ato de resistência”.

Ela lembrou ainda a célebre entrevista de Félix Guattari com Lula, na qual o então sindicalista afirma: “um ponto muito importante para o PT é a desmistificação da distância entre o intelectual, o estudante, o camponês e o trabalhador”.

O reitor Arnaud Laimé destacou as políticas de inclusão do ex-presidente: “As cotas, mesmo enfrentando preconceitos, hoje mostram seu impacto ao transformar vidas”. Ele também evocou Paulo Freire e Josué de Castro como símbolos do Brasil que pensa e transforma.

Lula agradeceu: “É uma honra ser o segundo brasileiro laureado aqui, ao lado da grande amiga e pensadora Marilena Chauí”. E completou: “A universidade brasileira começa a ganhar a cara do Brasil verdadeiro — mestiço, negro, indígena, trabalhador”.

Ao final, recebeu um presente simbólico: um quadro com folhas de jequitibá. “Essa árvore representa longevidade, resistência e resiliência”, explicou o reitor.

Em 2011, Lula já havia sido laureado com o título de Doutor Honoris Causa pela prestigiada Sciences Po, sendo o primeiro latino-americano a recebê-lo.

A relação entre o ex-torneiro mecânico, que passou fome na infância no interior de Pernambuco, e Paris é, de fato, especial.

(Fernanda Otero viajou a Paris para acompanhar a visita do presidente Lula)