Ministro Camilo Santana revela que programa Pé-de-Meia já reduziu evasão escolar e defende PEC para universalizar ensino integral em até 15 anos: “É a maior política contra a violência

Camilo Santana: “Educação não é gasto, é investimento. Sem recursos, não há salto de qualidade"
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Entre maio de 2016 e janeiro de 2023, o prédio do Ministério da Educação, localizado na Esplanada dos Ministérios em Brasília, foi ocupado por nove ministros apontados pelos ex-presidentes Temer e Jair Messias Bolsonaro. O gabinete chegou a ficar vago durante 26 dias, pois uma das nomeações foi tornada sem efeito. “Tinha até uma sala da ABIN no oitavo andar onde também fica o gabinete do ministro, era uma coisa absurda”, explica o atual titular da pasta, Camilo Santana. Durante esse período sombrio que sucedeu o golpe da presidenta Dilma Rousseff, acompanhamos a educação brasileira passar por uma sequência de destruição, escândalos de corrupção e evasão escolar.

Denúncias de corrupção culminaram com a prisão de um ministro. A pasta também foi palco da influência de pastores evangélicos, que atuavam na liberação de verbas públicas para prefeituras de aliados políticos, utilização de recursos públicos para produzir bíblias com a imagem do ministro e pastores acusados de lobby no ministério, sem falar da guerra ideológica das escolas cívico-militares e escola sem partido, além dos cortes de recursos para a educação básica.

Com a eleição do Presidente Lula, a tarefa de reconstruir o ministério e reparar danos transformou-se em um dos maiores desafios da vitória do campo progressista. Lula convocou Camilo Santana, professor, engenheiro agrônomo e ex-governador do estado do Ceará para a missão. Sob sua gestão, o Ceará apresentou progresso significativo nos indicadores de aprendizagem em nível nacional. Escolas públicas com baixo nível socioeconômico superaram a média estabelecida pelo Inep para o ensino médio estadual. No Ideb, o estado evoluiu nos primeiros cinco anos do ensino fundamental e ascendeu da 12ª para a 4ª posição no ranking nacional do ensino médio.

O ministro destaca a importância de ter colocado em postos chave do ministério, profissionais com perfil de luta no movimento da educação, experientes e a maioria, mulheres. Ao completar 2 anos e 5 meses no cargo, ele aponta 3 ações como as mais importantes entre as dezenas que implementou: Escola em Tempo Integral, os programas Compromisso Nacional Criança Alfabetizada e o Pé-de-Meia. Para o futuro, o ministro explica que “há muitas iniciativas em curso, estamos trabalhando arduamente para continuar o trabalho e deixar um legado, uma contribuição para o país e para a educação, pois este é o caminho para construir um Brasil mais soberano, justo e com mais oportunidades, não há outro caminho”, afirma.

Ministro, você participou de uma audiência pública na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, e o senhor apresentou um relatório bastante positivo e bastante denso sobre o seu trabalho nos últimos dois anos. Gostaria de perguntar o que o senhor destacaria desse período que ficará com uma marca desse seu trabalho de reconstrução? Será que é possível o senhor dizer três projetos que deixarão uma marca definitiva da sua passagem no Ministério da Educação?

Acredito que o projeto de escola em tempo integral, que em pouco mais de dois anos e quatro meses, alcançou quase 2 milhões de novas matrículas integrais na educação básica brasileira. Isso supera o feito em toda a história do Ministério e hoje é lei, sendo um ponto crucial. Meu desejo é cumprir a meta do PNE até o próximo ano, mas meu sonho é que o país aprove uma PEC no Congresso Nacional, definindo um horizonte de 10 a 15 anos para universalizar a escola em tempo integral no Brasil. Considero um dos maiores avanços para a qualidade da formação e para a proteção de jovens e crianças, sendo uma das políticas mais relevantes no combate à violência, um grande desafio nacional. Assim, o primeiro ponto é a escola em tempo integral, e o segundo, o Programa Compromisso Nacional Criança Alfabetizada. Para mim, esse foi o primeiro programa que lançamos ao chegar ao MEC, que me fez ser convidado para vir ao Ministério: construir um programa nacional que envolvesse todos os municípios e estados, pois todos aderiram a essa política. Hoje, temos uma rede com 7.300 coordenadores de alfabetização em cada município, em cada estado, nas regionais de educação dos estados, enfim, para garantir que nossas crianças aprendam a ler e escrever na idade certa, ao final do segundo ano do ensino fundamental. Temos uma meta pactuada com os estados, clara, com ações objetivas e recursos repassados para estados e municípios para formação, infraestrutura e material pedagógico. A grande evasão e o abandono escolar são preocupantes: um terço da população brasileira não concluiu a educação básica, o que considero o maior desafio da educação brasileira e um dos motivos da evasão e do abandono escolar. Quando a criança não aprende a ler e escrever na idade certa, piora o rendimento dessa criança, aumenta a evasão, aumenta a reprovação. Então, para mim, esse é o segundo ponto que eu quero deixar como legado.

O terceiro é o programa Pé-de-Meia, que só com o presidente Lula e a sua sensibilidade, foi capaz de apoiar e criar um programa tão simbólico, porque é preciso indignação com os números que enfrentamos atualmente. Imaginem que aproximadamente 480 mil jovens abandonam o ensino médio brasileiro na escola pública por ano, quase meio milhão de jovens abandonando a escola anualmente no Brasil. O Pé-de-Meia não é um programa de transferência de renda, mas sim educativo, com uma contrapartida forte dos alunos: eles têm que garantir pelo menos 80% de frequência escolar para receber mensalmente, e a poupança só pode ser sacada após a conclusão do ensino médio, há uma contrapartida por parte dos alunos. Identificamos que o maior motivo do abandono escolar, principalmente quando se chega à idade laboral, 15, 16, 17 anos, é a questão financeira, é o jovem ter de trabalhar para ajudar a renda familiar, às vezes é a mãe solteira, às vezes o pai desempregado, enfim. Claro que há muitos outros, como a expansão dos institutos federais, a consolidação das nossas universidades, mas considero que estes três, dentro da educação básica, são muito importantes. Poderia falar sobre o Mais Professores também, pois para mim é uma política fundamental: precisamos resgatar a valorização dos nossos professores no Brasil, criar uma cultura e atrair novos talentos para a profissão. Contudo, ficaria nestes três pontos, que considero muito fortes na educação básica brasileira.

Camilo Santana: “Educação não é gasto, é investimento. Sem recursos, não há salto de qualidade"
Foto: Luis Fortes/MEC

Gostaria que o senhor explicasse como é que o governo pretende sustentar financeiramente o programa a longo prazo, e se o senhor acredita que o pé-de-meia pode se tornar uma política de Estado, independente de mudanças de governo, porque parece que a gente vai conseguir verificar, em algum período, que isso afetou essa geração nem-nem, porque isso era um problema muito grande da sociedade.

O programa completou agora, em março, um ano, e já temos indicadores de que a quantidade de alunos que voltou para a escola aumentou, a frequência escolar aumentou, a aprovação aumentou, mas só teremos esse dado real agora com a finalização da confirmação do censo, no final de maio. Então, saberemos quantos alunos se matricularam este ano, para podermos comparar com o ano anterior – e sempre comparando um ano com o outro. Então, criamos uma coisa fantástica no Pé-de-Meia, que é um sistema integrado de informações; o ministério nunca teve informações em tempo real de nenhuma rede da educação básica, ou seja, precisávamos esperar o censo escolar do ano anterior para ser anunciado no ano seguinte, para podermos ter as informações da educação básica brasileira. Agora, o Pé-de-Meia nos permitiu ter o número de alunos de todo o ensino médio brasileiro, a frequência e a aprovação em tempo real, em um sistema. E agora nós criamos um sistema MEC Presente e vamos ampliar esse sistema do Pé-de-Meia para toda a rede básica de educação do Brasil, ou seja, poderemos ter, desde a creche até o ensino médio, a realidade da sala de aula, de uma escola, de um município; então, para mim, isso é uma riqueza importante para o planejamento das ações da educação básica brasileira. E o Pé-de-Meia já é um projeto importante, e não tenho dúvida de que, independentemente dos governos que venham a assumir futuramente, ele permanecerá como uma política de estado consolidada, sobretudo após a apresentação dos resultados. Indo ainda mais além, o presidente Lula quer, e nós vamos trabalhar para isso, que o programa esteja contemplado no orçamento do próximo ano, para evitar os problemas que enfrentamos com os fundos em relação ao Tribunal de Contas. Esse compromisso já existe, e todo o recurso para 2026 já está previsto no orçamento do Ministério da Educação. Contudo, o objetivo do Presidente Lula é universalizar o Pé-de-Meia, aliás, essa é uma de suas metas principais, e trabalharemos para assegurar que não apenas os atuais mais de 4 milhões de beneficiados, mas sim todos os estudantes matriculados no ensino médio na rede pública brasileira possam ter acesso ao programa. Este é um dos principais objetivos, embora dependa consideravelmente da questão orçamentária em 2026, no entanto, há um desejo por parte do presidente, até porque, por vezes um aluno se encontra na sala de aula e seu colega vizinho, com uma diferença de renda pequena, recebe o benefício enquanto ele não, e aí está a importância de universalizarmos esse programa, e não tenho dúvida de que ele se tornará um programa, uma política pública de Estado, e que dificilmente outro governo interromperá essa política.

Eu tenho duas perguntas para fazer, uma para trás e outra para frente. A para trás é o seguinte, o senhor era governador na época do desgoverno anterior, o Ministério da Educação, ou melhor, a educação brasileira, ela teve três baques nesse período: o governo Temer, com o teto de gastos, a pandemia e depois o desgoverno Bolsonaro, quando, só no Ministério da Educação passaram, cinco ou seis ministros, todos eles completamente desqualificados, quer dizer, não tinham experiência de gestão e nem experiência na educação. Como é que o senhor encontrou o Ministério da Educação Brasileira, que é um dos ministérios mais importantes da federação?

É triste dizer, mas era um ministério que foi totalmente desmontado; para você ter uma ideia, tinha até uma sala da ABIN aqui dentro, no oitavo andar onde também fica o gabinete do ministro, era uma coisa absurda. Eu posso dar testemunho em relação a isso, porque eu fui governador, nunca fui recebido no ministério; ao contrário, eu precisei ir ao STF na época para poder receber os recursos que o ministério devia ao estado do Ceará, ainda de obras da época do Lula, da época da Dilma, e que não pagavam ao estado do Ceará. E olha que o Ceará era uma referência na área da educação, então não havia diálogo com o poder federal, as informações foram totalmente desarticuladas, os programas foram desarticulados, seis anos sem reajustar a merenda escolar, que é um programa importantíssimo para garantir [alimentação] para as nossas crianças e jovens nas escolas. Havia falta de pessoal; nós já fizemos concurso público de pessoal, reestruturamos o sistema, não tinha base de informação, então foi um caos o que fizeram aqui nesse ministério. 2021 e 2022 foram os piores orçamentos discricionários para os custeios da história das universidades federais e dos institutos federais; tentaram desmontar as nossas universidades.

Então, o que o presidente Lula assumiu a partir de 2023, por isso ele chamou de reconstrução, porque realmente o foi, e sempre reconstruir é mais difícil: reconstruir do ponto de vista de gente, reconstruir o diálogo, reconstruir parcerias federativas, pois vivemos num país federativo, e a autonomia de estados e municípios exige um regime de colaboração para as políticas públicas. Todas essas políticas que mencionei, procurei discuti-las, dialogar com os municípios, representantes dos municípios e dos estados, porque não acredito em nenhuma política pública, sobretudo na educação básica, sem sua construção, pois são eles que a executam na ponta; nada adianta vir de cima para baixo. Posso dizer que foi um período, principalmente o primeiro ano, de luta para melhorar o orçamento. Ampliamos o orçamento do ministério nesses dois anos, podemos dizer que estamos no terceiro ano, comparado a 2022, temos mais de R$ 60 bilhões no orçamento do ministério da Educação, o que nos tem permitido fazer todos os investimentos importantes que o presidente Lula tem anunciado. Foi um processo orçamentário, de pessoal, de diálogo, reconstruindo o diálogo com a sociedade civil organizada, com os fóruns de discussão, realizando a Conferência Nacional da Educação, construindo o novo Plano Nacional da Educação, reformulando o novo Ensino Médio, cuja forma de aprovação anterior considero um grande erro, reconstruindo a nova Política Nacional de Educação a Distância, que o presidente assinou recentemente, porque, apesar de reconhecermos a importância do ensino a distância, é um absurdo o que está acontecendo: muitos polos sem funcionar no interior do país, cursos sendo feitos 100% a distância, como o curso de enfermagem, o que é um absurdo, pois qual brasileiro ou brasileira gostaria de ser atendido por um enfermeiro ou enfermeira formado a distância neste país, sem experiência, sem estágio? Enfim, foi toda uma política, todo um processo, nesse período, e a construção das políticas dos compromissos do presidente Lula, que temos construído ao longo desses dois anos e quatro meses, mas considero que foi um período muito difícil. Contudo, o protagonismo do presidente Lula, não só elevando o Brasil do ponto de vista internacional, mas também o respeito do país e a credibilidade hoje do Ministério da Educação, não se compara ao período passado, que, como você disse, teve cinco ministérios, cinco ministros, inclusive escândalos, dos quais lembramos das barras de ouro do FNDE. Enfim, foram anos difíceis, mas que o presidente Lula está reconstruindo neste momento. Nós estamos procurando ajudá-lo naquilo que considero o mais importante, um dos mais importantes ministérios de uma nação, que é o da educação.

Agora, a pergunta para adiante, no Brasil, temos 57 universidades públicas, fora os institutos federais. O sistema de educação brasileiro, público, é o maior do mundo. Nem na China, que é socialista, socialista de mercado, tem uma rede de ensino público tão grande quanto a brasileira, do ponto de vista estrutural, porque, e como é que, isso é um avanço civilizatório para nós, quer dizer, é uma chance que o Brasil tem de dar um salto adiante, mas é muito difícil, eu entendo, cuidar desse setor todo num país de recursos escassos como o nosso, por isso que é dito, o país precisa crescer, gerar renda para que o setor público também tenha renda para investir mais, e o presidente Lula sempre fala que educação não é gasto, educação é investimento, e de fato é, porque se você investe nas pessoas, você faz com que elas deem um salto de qualidade. Recentemente, você se reuniu com os reitores federais e disse que vai disponibilizar, ao final desse mês, um recurso para compor o orçamento das universidades. Como é que é tocar todo esse sistema nessa dificuldade de recursos que o nosso país tem, Ministro?

Bom, eu fui governador e sei que, sem recursos, sem trabalhar a questão meio, de fazer com que o país e o estado cresçam, gere riqueza, e com isso o país possa arrecadar mais, exatamente para poder investir mais, eu compreendo a importância da área econômica, da área da fazenda, tomar medidas importantes para garantir que a gente tenha uma inflação controlada, o país possa crescer o seu PIB, possa gerar mais emprego. Nós estamos vivendo hoje um momento de pleno emprego no Brasil, fruto também desse esforço liderado pelo presidente Lula, então a gente sabe da importância disso. E a gente sempre se planeja dentro daquilo que é colocado para a gente naquele orçamento. Claro que eu gostaria que a educação pudesse ter um orçamento maior, até defendi que a educação pudesse estar fora do arcabouço, até porque eu acho que o Brasil precisa acelerar seu processo educacional, para que a gente possa evoluir a países mais desenvolvidos. É só o exemplo da China, que a China em poucas décadas conseguiu transformar o país, e o caminho foi através do investimento em educação, em ciência, em tecnologia, em pesquisa, em inovação, esse é o grande caminho. Mas, é claro, o mais difícil é quando, às vezes, a gente faz o planejamento para o ano seguinte, que foi o caso que aconteceu nas nossas universidades, encaminha o orçamento para o Congresso Nacional, e na hora do Congresso Nacional aprovar, ele faz um corte linear, muitas vezes no orçamento, sem estar preocupado em que área ele está cortando. E aí, mais uma vez, houve um corte de quase R$ 3 bilhões na aprovação do orçamento do Ministério da Educação. E o que a gente procurou fazer, além do atraso da aprovação do orçamento, que só foi aprovado em abril, então, precisamos agora fazer toda uma reconstrução, uma nova reorganização orçamentária para cumprir o que tinha sido planejado esse ano de 2025. E aí, uma delas é exatamente recompor o orçamento das universidades, que foi anunciado essa semana, e nós estivemos lá junto com o ministro Haddad e anunciamos a recomposição para garantir o mínimo funcionamento das nossas instituições federais, dos institutos federais e universitários. Então, claro que a nossa defesa será sempre para ampliar os recursos da educação brasileira, mas sempre compreendendo a importância também das metas fiscais, do compromisso para que o país possa crescer, controlar a inflação e gerar emprego.

Mas, eu serei sempre um lutador para que a gente possa ampliar os recursos da educação brasileira, para que a gente possa, repito, avançar mais rápido. E a gente tem procurado alternativas, por exemplo, vou dar um exemplo do projeto de lei que foi aprovado do Propag, que é redução do pagamento de juros das dívidas dos estados à União, que foi aprovado e agora foi regulamentado, nós vamos começar a operacionalizar esse projeto de lei a partir do segundo semestre. Parte desse recurso que os estados deveriam pagar à União, que é bom lembrar que a dívida com a União está concentrada, 90% dela está concentrada em cinco estados brasileiros, mas não era justo reduzir esses cinco estados e os outros estados não receberam também as contrapartidas por conta dessa ação do governo federal. Então, foi feito, foi criado um fundo geral, parte desses recursos irão para esse fundo e a contrapartida da redução do pagamento dos juros será investimento em educação. E nós estamos focando todo esse investimento numa coisa chamada ensino técnico profissionalizante. Eu não tenho dúvida que o Brasil pode dar um grande salto do ponto de vista econômico, do ponto de vista social, se a gente ampliar a nossa formação de técnicos ainda no ensino médio, para os jovens até porque essa é a vontade deles, eles já vão sair com um diploma no ensino médio, é claro, se eles desejarem. O presidente Lula aprovou a nova Política Nacional de Educação Técnico Profissionalizante. Hoje nós temos 11% de matrículas em ensino técnico no ensino médio. A nossa meta é ousada: em cinco anos, ultrapassar 30% e é possível com esse recurso, portanto, é uma forma criativa de a ampliar os recursos da educação, sem precisar estar dentro do orçamento, o recurso vai estar lá no Estado e o Estado só vai ter o benefício da redução do pagamento à União, se ele cumprir a meta pactuada, que é ampliar no seu Estado, as matrículas do ensino técnico. Então, são formas que a gente tem procurado criar, para exatamente atender os investimentos e os avanços importantes na nossa educação brasileira.

Ministro, houve muitas críticas quanto a presença da iniciativa privada dentro do MEC, no início do governo, e parece que a relação que o Ministério estabeleceu com os movimentos sociais foi outra. Qual é a prioridade desse Ministério de incluir, o senhor falou dos municípios, o senhor falou dos estados, enfim, como é que fica essa relação com a base social da educação no relacionamento com o Ministério?

É total. Primeiro, nós restabelecemos o Fórum Nacional de Educação, recriamos várias comissões em todas as áreas que vocês possam imaginar: na área dos quilombolas, na área dos povos indígenas, enfim, em todas as áreas, recriamos os comitês, os fóruns de discussão sobre isso, recriamos a Secadi. E esses questionamentos que fizeram no início do governo, sou uma pessoa muito tranquila em relação a isso, porque tenho a minha consciência tranquila do meu papel, do que fiz na minha vida pública, sempre na defesa da educação pública, gratuita, de qualidade, é o exemplo do que fui durante oito anos como governador do PT no estado do Ceará, reeleito o mais votado do Brasil, eleito o senador mais votado do Brasil, reelegi o meu sucessor também do PT, elegemos agora o único prefeito de capital também do PT. Então, tenho a minha consciência muito tranquila do meu papel, das pessoas que trouxe para o ministério. Só para observar, a maioria são mulheres extraordinárias, são pessoas que têm uma história de luta, o Secretário Executivo, que é uma pessoa que vem também do movimento, do meu próprio partido, vem estado de São Paulo. Assim, isso vai se desmistificando ao longo do tempo, a gente vai mostrando a nossa postura, o que é que a gente acredita, o que é que a gente defende.

Agora, não sou uma pessoa sectária nem radical, sou uma pessoa que acredita que qualquer mudança precisa ser construída com diálogo, a democracia é isso, não adianta querer fazer uma mudança, por exemplo, no momento de discutir a reforma do ensino médio, o novo ensino médio, todo mundo queria que o presidente revogasse a lei; primeiro, se ele revogasse com o congresso que nós temos, iria derrubar a revogação dele; e segundo, se não construo as mudanças com os estados, quem executa a política do ensino médio não é o MEC, são os estados brasileiros; então, se não dialogo com eles, não construo as mudanças com eles, acaba não acontecendo na ponta, e foi isso que nós fizemos: passamos seis meses dialogando, ouvindo os estudantes, ouvindo secretários, ouvindo governadores, ouvindo especialistas, e conseguimos aprovar as mudanças que nós considerávamos mais importantes. Era tudo o que nós queríamos? Não, mas demos um passo importante na aprovação do Congresso Nacional. Então, acredito nisso, acredito que as mudanças, num país democrático como o que a gente vive, precisam ser feitas com diálogo e de forma construtiva; acredito muito nisso. Às vezes sou criticado um pouco dessa forma, mas acredito que para mim esse é o grande caminho, é o caminho que o presidente Lula sempre nos ensinou, de dialogar, de saber respeitar as diferenças, num país hoje tão polarizado, que precisa superar essa polarização, esse ódio que existe hoje, e respeitar as diferenças, respeitar as ideias, isso faz parte da nossa democracia. Sei que foi desmistificada um pouco essa impressão que tinham, e eu estarei sempre à disposição para dialogar, para ouvir, respeitando todas as diferenças. Tem gente também, muitas vezes, com os interesses que existem por trás disso, muitas vezes querendo ocupar os espaços, enfim, há uma série de questões, mas o meu estilo é sempre um estilo de diálogo, acredito muito nesse caminho, para que a gente possa superar – são tantos desafios que temos na educação brasileira e no Brasil – que nós precisamos construir, pavimentar esses caminhos com diálogo e respeito com as pessoas.

Queria que você falasse um pouco sobre o Plano Nacional de Educação, porque isso também é uma mudança muito importante, estamos nesse processo, queria que o senhor comentasse um pouco sobre isso também. O senhor falou um pouco sobre o Sistema Nacional de Educação, mas gostaria que o senhor falasse um pouco mais, desenvolvesse um pouco mais esses conteúdos.


Para mim, o principal documento que é lei para que a gente possa planejar as ações educacionais do nosso país é o Plano Nacional; ele é decenal, ele estipula as metas para os próximos dez anos para a educação brasileira, desde a creche até o ensino superior. Quando eu chego aqui no Ministério, digo: não adianta ficar inventando a roda; o que precisamos é ter foco, porque fazer tudo, ninguém vai conseguir; portanto, a gente precisa ter foco, ter algumas metas e ter algumas prioridades, e nada mais importante do que cumprir as metas do PNE. Então, o que o PNE dizia? Dizia que ao final de 2024, o Brasil tinha que ter 25% da sua matrícula de tempo integral de educação básica. Quando eu cheguei aqui, nós estávamos com 15%. Gente, então, o que nós precisamos fazer? Precisamos fazer uma política para induzir a questão da escola de tempo integral. Criamos a lei; para você ter uma ideia, nós já estamos com 21%; não cumprimos a meta, mas estamos perto de cumprir a meta. Em tão pouco tempo, nós ampliamos significativamente a matrícula de tempo integral e chegaremos no ano que vem cumprindo essa meta, que era a meta de 2024, do plano anterior.

Então, assim como fizemos com a creche, quando lançamos o PAC, incluímos a educação pela primeira vez e priorizamos a escola de tempo integral e a creche. Por que isso? Porque o Brasil ainda não tinha alcançado a meta de garantir que pelo menos 50% das crianças de 0 a 3 anos estivessem em creches. Ainda não atingimos esse objetivo. Portanto, todos os nossos recursos do PAC estão direcionados para obras, focados em creches e escolas de tempo integral. Estamos

retomando mais de 5 mil obras inacabadas no Brasil. Elaboramos um projeto de lei para o Congresso Nacional, argumentando que era inviável um prefeito concluir uma obra iniciada há 10 ou 7 anos com o orçamento atual. O Congresso Nacional aprovou a lei, permitindo-nos atualizar os custos. Estamos nessa retomada. Recentemente, inaugurei uma creche no município de Bagre, na ilha de Marajó, no Pará, uma creche que estava parada há 10 anos. É a primeira creche pública construída naquele município. Em menos de um ano e meio, entregamos essa creche para as crianças daquela localidade. Fui até lá e foi uma grande festa. A alegria das mães era contagiante, uma creche de alto padrão. Estamos retomando todas essas obras paralisadas e inacabadas, retomando os investimentos. Dessa forma, tudo o que temos feito é buscar cumprir as diretrizes do PNE. O PNE ainda está no Congresso Nacional desde o ano passado, pois o Congresso aprovou uma lei que prorrogou o PNE anterior por mais um ano. Mas o PNE que elaboramos, enviamos no prazo, em junho do ano passado, após cumprirmos todas as etapas: as conferências municipais, estaduais e a Conferência Nacional, que foi o documento base que coletou as demandas da sociedade. Criamos um plano nacional muito objetivo, técnico, com metas claras para os próximos 10 anos no Brasil, abrangendo desde creches e educação profissional até escolas de tempo integral e ensino superior.

Enfim, introduzimos alguns elementos importantes, pois a redução das desigualdades educacionais é um desafio enorme, haja vista a grande diferença na qualidade da educação entre brancos e pretos, pobres e ricos, além da desigualdade regional. Portanto, precisamos criar indicadores para reduzir essa disparidade. Vamos lançar agora, inclusive, um prêmio de reconhecimento aos esforços das redes, e dentro desse prêmio, estará contemplada a questão da diminuição das desigualdades. Assim, o Plano, para mim, configura-se como um grande instrumento que o Brasil possui, inclusive, para cobrar, para que a sociedade civil possa demandar o cumprimento das metas e a apresentação dos resultados, e para que possamos ter nesse próximo plano, uma plataforma de acompanhamento das metas. Dessa forma, poderemos contar com um mecanismo que permita à sociedade, através de uma plataforma aberta, verificar se o país está ou não cumprindo os seus objetivos estabelecidos, posto que é lei, definida no plano nacional. Em vista disso, considero que atravessamos esse período nessa construção. O presidente Hugo Motta, que assumiu a Câmara dos Deputados, já designou a presidente da Comissão Especial, a deputada Tabata Amaral, e já indicou o relator, o deputado Moses Rodrigues. Esperamos que, o mais rápido possível, consigamos avançar nessa discussão. Coincidentemente, conversei hoje com o relator, e ele me informou que já foram apresentadas mais de 3 mil emendas pelos deputados ao PNE. Ele terá um processo complexo pela frente, pois me disse que esse foi o maior número de emendas já registrado na história do Congresso Nacional. Logo, será um processo que demandará muito diálogo, para não desvirtuar ou desviar do foco principal, que é o PNE, e eu espero que a gente possa ter um bom debate para que possamos cumprir essas metas nos próximos 10 anos no Brasil.

O senhor acha que tem a perspectiva de que até daqui uns 10 anos a gente consiga essa universalização total? Com o apoio dos estados do município, logicamente. E eu lembrei aqui, só para completar, o senhor falou em dívida dos estados. Eu tenho visto no ranking, os estados que menos têm alunos em tempo integral são os estados do Sudeste, aqueles estados mais devedores da União. Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e outros. O senhor acha que é possível, com diálogo e com esforço, a gente chegar lá?

Não tenho dúvidas, por isso é que acho que precisamos ter algum mecanismo de acompanhamento. Há até alguns deputados que querem colocar responsabilidades para gestores em relação ao PNE, o futuro PNE. Eu só acho que, se é uma lei, o estado, o governador, o prefeito, precisam cumprir a lei. Então, claro que o diálogo é importante, a construção é importante, e o MEC tem tido esse papel de induzir, tanto do ponto de vista técnico quanto do ponto de vista financeiro. Já investimos, já repassamos nestes dois anos, mais de R$ 4 bilhões para estados e municípios, só para o programa de escola de tempo integral, fora a construção de obras, só para induzir na matrícula. Então, pela primeira vez, mudamos os fatores de ponderação do FUNDEB, que é o valor aluno ano que o município recebe. Aumentamos o valor para a escola de tempo integral para estimular o prefeito, aumentamos o valor para alunos de escolas quilombolas, para alunos de escolas indígenas, para alunos de creche de tempo integral, para alunos com deficiência, porque há uma reclamação muito grande dos prefeitos de que o custo dessas escolas é mais alto, então o aluno custa mais, aumentamos o fator de ponderação. Tentamos procurar isso pela primeira vez desde a criação do FUNDEB, conseguimos mudar isso, com diálogo, com consenso, porque qualquer mudança no FUNDEB precisa ser de consenso com os estados e municípios, acredito muito nesse caminho. E sensibilizar e mostrar, o que acho que é o mais importante, é que, quando vamos mostrar os números, percebemos que os melhores resultados, a menor evasão e os melhores indicadores são os de escolas de tempo integral, são escolas técnicas profissionalizantes em tempo integral, esse é um modelo que tem trazido os melhores resultados na educação básica brasileira. Portanto, é tentar convencer também os entes federados da importância dessa política. E repito, eu tenho um sonho e tenho defendido isso com o presidente, que ele encaminhe uma PEC para o Congresso Nacional, estabelecendo que o Brasil precisa ter todas as suas redes municipais, públicas e estaduais em tempo integral, em um prazo X no Brasil. E não podemos estender isso por muito tempo, porque temos debatido muito esse problema da violência no Brasil, da segurança. E não tenho dúvida de que a segurança trabalha, claro, com o trabalho efetivo da polícia, com inteligência, mas também trabalha do ponto de vista preventivo. E acredito que a maior prevenção em relação à questão da violência é garantir que as nossas crianças e adolescentes passem o dia na escola, como acontece em vários países, que possam fazer as refeições na escola. Isso é o que uma mãe sonha, pois ela sabe que em uma escola a criança estará orientada, estará acompanhada, fará as três refeições na própria escola. Então, para mim, esse é o grande modelo que o Brasil precisa construir e não pode demorar muito. Nós precisamos, tenho dito, que a velocidade com que estamos avançando na educação, em sentido de avanço importante, precisa ser maior, mais veloz. Por isso que essa alternativa do Propag será importante para dar esse avanço na questão do ensino técnico.

O MEC tem algum grupo de estudo com relação à inteligência artificial? Finalmente, gostaria de pedir para o senhor encerrar, pois falamos muito do que foi realizado, dois anos muito bons, mas quais seriam os próximos programas que o senhor ainda pretende implementar antes da conclusão do seu mandato, como ministro?

Primeiro, a questão da inteligência artificial está sendo tratada. Não só temos um grupo de trabalho, mas também estamos desenvolvendo uma plataforma de formação, abrangendo alfabetização digital e inteligência artificial para as redes, por meio da nossa plataforma AvaMEC. Discutimos isso com as redes municipais e estaduais, assim como com o Conselho Nacional de Educação sobre a implementação de diretrizes curriculares nacionais para a inteligência artificial e sua inserção. É importante anteciparmo-nos para orientar o uso da tecnologia de forma eficaz, qualificando a formação de nossos jovens e crianças sob as perspectivas da cidadania, fraternidade e senso crítico, evitando o uso para disseminação de fakes news, mentiras e ódio. Quais plataformas podem ser utilizadas na rede educacional? Considero, e às vezes me emociono ao dizer, que uma das maiores ações realizadas nesses dois anos e cinco meses foi a aprovação do projeto de lei, que restringe o uso de celulares nas escolas brasileiras. É impressionante, após muita leitura e conversas com especialistas, o prejuízo e os riscos do uso excessivo de telas para nossas crianças e adolescentes. Para ilustrar, a média de acesso às redes sociais no Brasil é de 9 horas e 13 minutos por dia, sendo o segundo país com maior acesso per capita.

Então, imaginem uma criança passar muito tempo no celular: problemas mentais que ela pode ter, déficit de atenção. Agora mesmo foi preso um adolescente que estava estimulando o nazismo, o fascismo, violência e a automutilação nas redes sociais.

Então, isso é uma coisa de que nós precisamos tratar. Imaginem um professor dando aula e um aluno acessando a rede social na hora da aula! Isso não pode acontecer. Tenho visitado escolas no Rio de Janeiro, em Alagoas, em Sergipe e conversado com os estudantes. É impressionante como eles voltaram a pular corda, a brincar de futebol, a jogar dominó, totó e pingue-pongue, levando jogos de casa.

No início, principalmente os meninos maiores, de 15 anos, reclamaram um pouco, mas hoje até agradecem, porque voltaram a aprender a conviver com as pessoas. Isso faz parte do processo pedagógico de uma criança ou de um adolescente. Queremos muito que a inteligência artificial e a tecnologia estejam nas escolas, tanto que temos uma política de conectividade para garantir acesso à internet nas escolas com fins pedagógicos, com ferramentas para que o aluno possa ter acesso ao computador, porque isso é irreversível. Mas queremos uma formação para essa criança, para esse jovem, para esse professor, de forma cidadã, na construção de um mundo de solidariedade, para que essas ferramentas sejam utilizadas para o bem. É esse o nosso desejo, e temos trabalhado essa questão muito fortemente aqui, porque queremos nos antecipar a alguns estados que já estão discutindo e inserindo esse tema na grade curricular, queremos que esse tema, como eu disse, que não tem mais volta, seja construído com muita responsabilidade para a educação brasileira.

Em relação ao cumprimento das metas estabelecidas, como as de alfabetização e da Escola de Tempo Integral, com um milhão de matrículas por ano, os novos institutos federais, já são mais de 100 em implementação e a expansão e consolidação das universidades, temos novidades, pois, ainda este ano, lançaremos a plataforma MEC Livros, uma plataforma aberta para acesso a livros, para reverter a perda do hábito de leitura no Brasil, utilizando a tecnologia para estimular os brasileiros a lerem mais. Também estamos criando o MEC Idiomas, outra plataforma aberta que permitirá aos jovens estudantes acesso remoto e digital a cursos de inglês e outras línguas, reconhecendo a importância de uma segunda língua no mercado de trabalho atual. Lançaremos o Prêmio da Educação Nacional e estamos trabalhando em uma plataforma para estudantes que farão o Enem, essas são algumas novidades importantes. Contudo, a maior inovação que almejamos entregar até o final de 2026 é o MEC Presente, a integração de toda a rede da educação básica do Brasil em tempo real. Com ele, poderemos acompanhar o desempenho das escolas, o progresso dos alunos e os índices de evasão, o que nos permitirá planejar melhor as ações para a educação do país. Há muitas iniciativas em curso, estamos trabalhando arduamente para continuar o trabalho e deixar um legado, uma contribuição para o país e para a educação, pois reconhecemos que este é o caminho para construir um Brasil mais soberano, justo e com mais oportunidades, não há outro caminho, a história já demonstrou isso, e o Presidente Lula tem um compromisso firme com a educação da população brasileira.