Inquérito no STF mira Eduardo por ataques à soberania brasileira
Eduardo Bolsonaro é investigado por instigar sanções dos Estados Unidos contra o ministro Alexandre de Moraes. A Procuradoria-Geral da República vê indícios de crime e o STF autorizou a abertura de inquérito. Caso pode se tornar crise diplomática

Foto: Divulgação Casa Branca
A decisão do Supremo Tribunal Federal de abrir um inquérito contra o deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) inaugura um novo estágio da crise institucional brasileira, com potencial de se tornar um impasse diplomático entre Brasil e Estados Unidos. O pedido partiu da Procuradoria-Geral da República e foi aceito pelo ministro Alexandre de Moraes, que autorizou a Polícia Federal a investigar a conduta do parlamentar. Os fatos apontam para a possível prática de três crimes graves: coação no curso do processo, obstrução de investigação de organização criminosa e tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
Enquanto vive nos EUA, o filho do ex-presidente Jair Bolsonaro tem atuado politicamente para pressionar o governo republicano de Donald Trump a impor sanções contra autoridades brasileiras, especialmente contra Moraes. As ações têm sido documentadas por parlamentares e podem ser interpretadas como ofensiva direta ao sistema de Justiça do Brasil, com o agravante de envolver potência estrangeira.
Procuradoria vê tentativa de pressão internacional contra o STF
A atuação de Eduardo, segundo o procurador-geral Paulo Gonet, intensifica-se à medida que avançam as investigações sobre a tentativa de golpe de 2022, da qual seu pai é um dos principais alvos. Em manifestação ao STF, Gonet aponta a “real possibilidade de imposição de sanções” contra o ministro Moraes, com base em articulações feitas pelo parlamentar nos EUA. O próprio Eduardo teria se referido às possíveis sanções como “pena de morte financeira” contra o magistrado. Os encontros mantidos com integrantes do governo Trump nos últimos meses fazem parte do foco da apuração.
A Polícia Federal foi autorizada a colher o depoimento de Eduardo, do ex-presidente Jair Bolsonaro, apontado como financiador da estadia do filho nos Estados Unidos, e do deputado Lindbergh Farias (PT-RJ), que afirma ter reunido provas desses contatos. Moraes determinou ainda a preservação das redes sociais de Eduardo, que podem conter elementos relacionados à tentativa de incitação contra o Judiciário e ao estímulo à interferência externa em decisões internas brasileiras.
Secretário de Estado norte-americano ameaça Moraes
Na última semana, o secretário de Estado norte-americano, Marco Rubio, declarou que “há uma grande possibilidade” de o governo Trump aplicar sanções contra Moraes. Ele citou a Global Magnitsky Act, legislação dos EUA que permite punir estrangeiros por supostas violações de direitos humanos. Se aplicada, a sanção impediria a entrada do ministro em solo americano, congelaria seus bens e o proibiria de realizar transações com cidadãos ou empresas dos EUA.
A fala provocou forte reação no Brasil. Em nota pública, a Ordem dos Advogados do Brasil repudiou a ameaça de sanção, classificando-a como “violação à soberania nacional”. O texto, assinado por Marcus Vinícius Furtado Coêlho, presidente da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais da OAB, afirma que apenas o Brasil tem legitimidade para responsabilizar seus próprios agentes públicos. A entidade também alertou que sanções como essa interferem diretamente no funcionamento independente do Judiciário e colocam em risco o equilíbrio entre os Poderes.
PT apresenta dossiê de articulações feitas por Eduardo nos EUA
O líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias, informou que está finalizando um dossiê que será entregue à Polícia Federal. O documento, segundo ele, reúne registros de encontros entre Eduardo Bolsonaro e autoridades do governo Trump em que foram discutidas sanções contra o ministro Alexandre de Moraes. A iniciativa faz parte de um esforço para identificar o grau de envolvimento de figuras públicas brasileiras em estratégias internacionais contra instituições do país.
O deputado afirmou que a tentativa de Eduardo de instigar retaliações por parte dos EUA contra o Supremo Tribunal Federal é “o tipo mais perigoso de traição à pátria”, pois combina ação deliberada para enfraquecer as instituições com o uso da máquina política de uma potência estrangeira para atacar o Estado de Direito brasileiro. A apresentação do dossiê à PF deverá ocorrer nos próximos dias, e o material será anexado ao inquérito aberto no STF.
PGR vê possível prática de três crimes contra a democracia
As condutas descritas na petição da PGR podem se enquadrar em três crimes distintos. O primeiro é coação no curso do processo, que se refere ao uso de violência ou grave ameaça contra autoridade, parte ou testemunha, com pena de reclusão de um a quatro anos e multa. O segundo, obstrução de investigação que envolva organização criminosa, prevê pena de três a oito anos de prisão, além de multa. O terceiro, considerado o mais grave, é a tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, prevista no artigo 359-L do Código Penal, cuja pena varia de quatro a oito anos de prisão, acrescida da pena correspondente à violência utilizada.
A abertura do inquérito não implica imputação automática desses crimes ao deputado, mas sinaliza que, na visão do Ministério Público, há elementos iniciais suficientes para justificar a investigação. Ao fim da apuração, o procurador Paulo Gonet poderá oferecer denúncia ou pedir o arquivamento do caso, caso não se confirmem os indícios.
Tentativa de internacionalizar o golpismo acende alerta institucional
O inquérito também poderá esclarecer se a atuação de Eduardo faz parte de um movimento coordenado, que teria como objetivo reverter, por vias ilegítimas, o cerco judicial imposto a integrantes da cúpula bolsonarista. O envolvimento direto do ex-presidente como mantenedor da estadia do filho fora do país e o uso de plataformas e contatos internacionais para atacar instituições brasileiras indicam que a radicalização política segue em curso.
Se comprovadas as articulações de Eduardo para sancionar Moraes com base em uma lei estrangeira, o Brasil enfrentará um caso sem precedentes na história recente, em que um agente político nacional busca apoio internacional para constranger ou punir membros do Poder Judiciário. Trata-se de uma afronta à soberania e aos princípios constitucionais que regem a separação entre os Poderes.
Defesa da República exige resposta firme, legal e democrática
Mais do que uma disputa política ou um episódio isolado, o caso Eduardo Bolsonaro pode se consolidar como uma tentativa concreta de subverter o pacto democrático brasileiro por meios externos. A colaboração entre setores da extrema direita nacional e forças políticas internacionais levanta o alerta sobre a necessidade de defesa das instituições por vias legais, firmes e transparentes.
O país precisa reagir não apenas com indignação, mas com firmeza institucional e coesão entre seus Poderes. Permitir que disputas judiciais sejam transformadas em instrumentos de chantagem internacional não apenas enfraquece o Judiciário, mas compromete a integridade da República. Ao autorizar a investigação, o Supremo Tribunal Federal cumpre seu papel de zelar pela ordem constitucional. Caberá às instituições seguir com serenidade, rigor técnico e coragem democrática.