Destaque nas redes e no Congresso, redução da jornada de trabalho é pauta do 1º de maio
Na reivindicação dos trabalhadores neste ano, a redução das horas e o fim da escala 6×1 são temas centrais em uma marcha em Brasília com a entrega de documento a Lula

Uma pesquisa divulgada na semana passada pelo Sindicato dos Comerciários do Rio de Janeiro, em parceria com o Observatório do Estado Social Brasileiro, apontou que 92% dos trabalhadores que vivem sob a escala 6×1 são favoráveis ao fim deste tipo de jornada.
O regime, que prevê seis dias de trabalho ininterruptos e apenas uma folga na semana, muitas vezes fora do final de semana, é acompanhado de baixos salários, predominante em áreas do comércio e serviços, e é tido com um fator que impossibilita qualquer tipo de conciliação entre vida profissional e vida pessoal.
Dos 3.700 participantes ouvidos em 400 municípios de todos os estados brasileiros, 21% recebe um salário mínimo e 46% ganha até R$ 2.120. Dentre os entrevistados, a taxa de profissionais solteiros é de 61%.
Rafael*, 32 anos, trabalha na escala 6×1 e tem folgas às segundas-feiras, e em apenas um domingo por mês. Ele trabalha das 11h às 19h30 em um restaurante na Avenida Paulista, em São Paulo. Sua jornada como garçom, além de ser cansativa por ficar em pé no atendimento aos clientes no salão, se torna desgastante ao acrescentar as horas que gasta no transporte público.
Morador de Guarulhos, na grande São Paulo, são pelo menos três horas gastas em deslocamento por dia, o que resulta em, no mínimo, 12 horas fora de casa e longe da possibilidade de descanso ou de momentos de qualidade com a família e amigos. Saindo de casa perto das 9h e retornando por volta de 22h.
O tempo que sobra, às segundas-feiras, é utilizado para resolver questões práticas como ir ao mercado e acompanhar sua mãe ao médico. “Quando não há nenhuma pendência a ser resolvida, tudo o que eu faço é dormir o máximo que eu posso, de tão exausto”, desabafa. Ele conta que não tem mais encontros com amigos e com parte da família, com quem costuma conversar somente por rede social quando sobra tempo e energia.
Além disso, o profissional comenta os danos que já sente fisicamente e psicologicamente. “Na semana passada, travei a coluna. Acordei de manhã sem conseguir me mover e tive que procurar atendimento médico. Do ponto de vista da saúde mental, o que posso dizer é que a gestão é feita com muita cobrança diária, cada dia mais, a pressão é constante”, diz.
No ano passado, a pauta teve grande alcance nas redes sociais e culminou, em fevereiro deste ano, na apresentação de um projeto de lei pela deputada Erika Hilton (PSOL-SP). As dificuldades desse modelo de trabalho começaram a ser debatidas a partir da reivindicação do VAT – Vida Além do Trabalho, movimento encabeçado por Rick Azevedo, eleito vereador pelo PSOL no Rio de Janeiro.
Apesar do recente boom nas plataformas, a diminuição da jornada de trabalho é uma bandeira histórica do movimento sindical. Em 1985, a Central Única dos Trabalhadores, a CUT, foi protagonista na consolidação da jornada de 44 horas semanais, frente às 48 horas permitidas à época. Dos anos 80 até agora, o assunto segue em pauta e terá destaque na edição deste ano dos atos de 1º de maio.
PEC das 36 horas semanais
No Congresso, já foram apresentados diferentes projetos, nas duas casas, com o teor no sentido de atender às reivindicações da sociedade pela diminuição das horas de trabalho. Um deles, via Proposta de Emenda à Constituição, de 2019, é de autoria do deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG).
A PEC 221/19, que chegou à Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania, pretende estabelecer uma jornada de trabalho de 36 horas, com um período de transição de 10 anos.
Segundo Lopes, essa é uma vantagem do projeto. “É um dos pontos de maior convergência com o setor empresarial. A proposta prevê justamente uma transição responsável, com planejamento, segurança jurídica e adaptação. Não se trata de impor uma mudança abrupta, mas de construir um novo modelo de trabalho mais moderno e sustentável”, explica o deputado mineiro.
A redução da jornada de trabalho, com a adoção da escala 4×3, é considerada uma tendência global, com alguns países europeus já operando no sistema e outros em fase de testes. Enquanto isso, no Brasil, o debate parece estar ainda distante da compreensão dos grandes empregadores.
Recentemente, a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais, a Fiemg, soltou um levantamento que aponta que o fim da escala 6×1 poderia impactar em 16% o PIB do país, além de gerar desemprego e queda na massa salarial.
O dado foi amplamente rebatido por especialistas, como a diretora-técnica do Dieese, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, Adriana Marcolino, que afirmou em uma entrevista à CUT: “se a gente mantém os salários, o consumo também se mantém, então, será preciso contratar mais trabalhadores e, consequentemente, os empregos serão ampliados por conta da redução da jornada de trabalho”.
Autor da PEC 221/19, o deputado Reginaldo Lopes também contesta a tese apresentada pela Fiemg. “A previsão de retração do PIB e fechamento de postos de trabalho parte de um cenário extremo, que desconsidera o potencial de geração de novos empregos com a reorganização das jornadas. Os países que reduziram sem cortar salários, como Alemanha e Coreia do Sul, colheram resultados positivos por combinarem a mudança com inovação, qualificação profissional e reorganização produtiva”, afirma Lopes.
Apesar das reivindicações mais diretas nas redes sociais, este tipo de assunto, que é complexo, precisa de diálogo para amadurecer, em especial em um ambiente como a Câmara dos Deputados.
“O debate tem evoluído, estamos tratando esse tema com responsabilidade e base em evidências. Quando deixamos de lado os rótulos ideológicos e apresentamos dados, como o número de trabalhadores em sobrejornada, os afastamentos por problemas de saúde mental, e os modelos internacionais bem-sucedidos, o diálogo se qualifica”, comenta o deputado.
Para o parlamentar, o assunto requer paciência e estratégia para avançar. Reginaldo Lopes aponta como caminho um trabalho em sintonia com a deputada Erika Hilton, em uma construção coletiva para ampliar a força política do tema.
“Nosso esforço tem sido o de articular as duas propostas de forma coordenada, fortalecendo a base técnica, promovendo o diálogo com o setor produtivo e ampliando o apoio suprapartidário. A redução da jornada não é uma pauta isolada, ela faz parte de um projeto de país que integra desenvolvimento econômico, justiça fiscal, avanço tecnológico e melhoria da qualidade de vida”, aponta Lopes.

Eventos em Brasília
Nesta terça-feira (29), centrais sindicais e movimentos populares participaram de uma marcha com concentração no Teatro Nacional em direção ao Congresso, onde a pauta dos trabalhadores será entregue na Câmara e no Senado. Em seguida, os presidentes da CUT, Força Sindical, UGT, CTB, CSB, NCST foram recebidos pelo presidente Lula (leia mais aqui).
Além da caminhada em Brasília e dos atos espalhados pelo país, uma audiência pública também faz parte da agenda de lutas do movimento e será realizada na terça-feira à noite, na Câmara dos Deputados. “É uma dentre várias audiências que estamos organizando para apoiar os deputados e os projetos que debatem o tema e estão parados na comissão”, comenta Loricardo de Oliveira, que é da Confederação Nacional dos Metalúrgicos, a CNM, filiada à CUT.
Intitulada “Redução da jornada de trabalho, sem redução de salários e pelo fim da escala 6×1”, a audiência apoia os dois projetos: a PEC 221/19 (com autoria de Reginaldo Lopes) e a PEC 8/25, da deputada Erika Hilton.
“Desde a época da jornada de 48 horas que a CUT luta por essa causa. A nossa pauta é dizer que ‘a vida não é só trabalho’, mas é também lazer, família, tempo para viver uma vida melhor. E isso atinge também os trabalhadores informais. O desafio é o da consciência de classe, é sobre desmistificar que isso fecha empresas, esse é o debate que queremos fazer”, diz o sindicalista.