Seminário debateu luta por democracia e liberdade nos países africanos colonizados por Portugal
Passados 50 anos da independência, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe ainda enfrentam graves problemas decorrentes da colonização e de ciclos de exploração subsequentes

O seminário Cinco Décadas de Independência e Percurso dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (Palop), realizado pela Fundação Perseu Abramo (FPA) e a Universidade Federal do ABC (UFABC), em São Bernardo do Campo, analisou os impactos sociais da exploração colonial e os desafios em Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe após 50 anos do reconhecimento de sua independência por Portugal. O evento foi registrado em vídeos que estão acessíveis no canal da Fundação Perseu Abramo no Youtube.
Participaram da abertura o presidente da Fundação Perseu Abramo, Paulo Okamotto, o coordenador do Núcleo de Estudos Africanos e Afro-Brasileiros (Neab) da Universidade Federal do ABC, Acácio Sidinei Almeida Santos, e o diretor de Cooperação Internacional da Fundação Perseu Abramo e professor da UFABC, Valter Pomar, que coordenou a mesa.
Para falar sobre a trajetória da Guiné-Bissau, foram convidados dois guineenses: o coordenador da Célula de Pesquisa em História, Antropologia e Sociologia do Centro de Estudos Sociais Amílcar Cabral (Cesac) e membro do Conselho para o Desenvolvimento da Pesquisa em Ciências Sociais em África, Miguel de Barros, e o doutor pela Universidade Federal do ABC Rubilson Velho Delcano, além dos professores do Programa de Pós-Graduação em Economia Política Mundial da UFABC, Paris Yeros e Maria Carlotto.
Barros destacou que a nação da Guiné-Bissau não nasceu no reconhecimento da independência por parte de Portugal. “Antes houve uma luta armada pela libertação, durante onze anos, que derrotou o exército colonial e acabou com o império português, obrigando-o a reconhecer a independência de todas as demais nações africanas que estavam subjugadas. Portanto, foi a derrota de Portugal nas colônias que levou ao 25 de abril (Revolução dos Cravos) e não o contrário”, afirmou.
Segundo ele, no Estado colonial herdado como modelo pelos guineenses havia total ausência de talentos e recursos humanos. “A Guiné-Bissau teve um percurso de soberania de apenas dez anos, no qual os sistemas de ensino, saúde, produção e a estrutura administrativa foram alargados pelo território nacional. Em 1984, devido a questões como aumento da inflação e desvalorização da moeda, o país foi obrigado a aceitar pacotes liderados pelo Banco Mundial e o FMI que mudaram sua história. Foram implantadas reformas que privatizaram o Estado, trocaram a diversificação agrícola pela lógica da monocultura e tiveram impacto brutal na economia, provocando êxodo rural e a falência dos sistemas de ensino, administrativo e produtivo”, pontuou.
O guineense residente no Brasil Rubilson Delcano ressaltou que a designação “língua oficial portuguesa” não significa que sejamos luso-falantes e ainda menos luso pensantes, também no sentido epistêmico. “Para Amílcar Cabral, essa língua serviria como uma ferramenta de conexão entre os países africanos que outrora foram subjugados pela lógica imperialista do fascismo de Portugal e poderia ser uma possibilidade de construção da unidade africana”, afirmou.
Angola
O percurso de Angola foi o tema do pesquisador associado do Núcleo de Estudos Estratégicos Avançado (NEA-UFF) Jonuel Gonçalves, do dirigente do Partido dos Trabalhadores da Bahia que esteve exilado em Angola Jonas Paulo e da professora da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab) e ex-ministra da Igualdade Racial Matilde Ribeiro, com a diretora da Fundação Perseu Abramo Mônica Valente na coordenação da mesa.
Gonçalves lembrou que Angola foi o maior exportador de escravizados para o Brasil, destino de 38% das pessoas capturadas que atravessaram o Atlântico, e disse que nunca existiu guerra mais violenta. Destacou ainda que a Língua Oficial Portuguesa nasceu na Galícia, portanto, chamá-la de lusofonia e conferir-lhe o símbolo lusitano é adequado somente para Portugal. “Para nós, o conjunto de ex-colônias, incluindo o Brasil, é complicado, porque luso é sinônimo de cidadão português. Deveríamos encontrar outra nomenclatura”, observou.
Ele mencionou que o Brasil se interessou muito por Angola, particularmente nos dois primeiros governos de Lula, e isso estimulou empresas brasileiras. “Essas empresas repetiram em Angola exatamente tudo que os outros fizeram. Por isso considero, sim, que devemos colocar no mesmo saco os colonizadores, a Rússia, a China e as economias emergentes que surgiram dentro do extrativismo: só queriam matéria-prima e contratos de prestação de serviços, com lucro imediato. O que se esperava é que uma empresa brasileira de materiais de construção criasse uma indústria local, e não que importasse produtos do Brasil”, afirmou.
Moçambique
O antropólogo e professor emérito da Universidade Técnica de Moçambique José Luís Cabaço fez uma exposição seguida de comentários do economista e ex-diretor do Centro de Estudos Afro-Asiáticos da Universidade Candido Mendes Beluce Bellucci, que esteve exilado naquele país, e da professora associada de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP) Rita Chaves. A mesa foi dirigida pela coordenadora do Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais da UFABC, Ana Tereza Marra.
Cabaço lembrou que desde o início do processo, com as independências de Gana e Guiné, África começou a manifestar dois caminhos: um ligado às antigas metrópoles, tentando dar sequência aos projetos coloniais, e o outro transgressor, procurando romper com esses laços de dependência. “As colônias portuguesas apareceram tardiamente, já que Portugal era um país pária e sofríamos desse isolamento, até que os angolanos contestaram pela primeira vez o domínio português das colônias”, afirmou.
Disse ainda que os países africanos que nasceram com a independência foram marcados por um processo de transição muito violento: cultural, econômico e geográfico, em alguns casos. Sobre a atual crise vivida em Moçambique, com a guerrilha Islâmica, acredita que ela é vista pelo poder como uma categoria fechada. “São considerados todos terroristas, não se buscam as causas sociais dessa revolta dos jovens, e a única forma de solução, a partir dessa concepção, é a eliminação física do grupo inimigo. Na minha opinião, é surpreendente que a juventude não tenha se revoltado antes, dada a situação extremamente polarizada”.
Cabo Verde

No debate sobre Cabo Verde, a desembargadora Vera Duarte, investigadora do Centro de Humanidades da Universidade Nova de Lisboa e ex-ministra da Educação e Ensino Superior, fez uma exposição, com comentários da coordenadora e editora do Projeto Olhares Cruzados Brasil-África Dirce Carrion e do mestrando do Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais da UFABC Jacque Mario Almeida Ié. O secretário nacional de Combate ao Racismo do PT, Martvs das Chagas, coordenou a mesa.
Duarte afirmou que a partir de 1462, Santiago, Fogo e Brava, ilhas cabo-verdianas até então desabitadas, passaram a ser povoadas por pessoas vindas do reino português, além de africanos escravizados capturados nos rios da Guiné e do Senegal. O local funcionou como ponto de abastecimento dos navios que atravessavam o Atlântico à procura de novas terras e, já em 1500, as ilhas eram habitadas por um povo mestiço, que falava um proto-crioulo, resultante da fusão da língua portuguesa quinhentista com as línguas nacionais dos povos africanos.
Segundo ela, Cabo Verde nasceu como país devido à fome. Ao longo da história, a então província de Cabo Verde foi assolada diversas vezes pela seca, fome e mortandade devido ao abandono da potência colonial. Contudo, a fome de 1943 e a de 1947 tiveram um impacto diferente, pois estudava no Liceu de São Vicente o jovem Amílcar Cabral, nascido na Guiné mas filho de pai cabo-verdiano. “Ter presenciado a barbárie que essas secas e fomes representavam teve um impacto devastador para ele, que começou a escrever poemas para denunciar a situação, além de decidir estudar agronomia para combater as secas e suas consequências. A ideia de lutar pela independência das colônias pode ter começado assim sua gestação”.

São Tomé e Príncipe
A professora de Literaturas, Artes e Culturas na Universidade de Lisboa e pós-doutora em Estudos Pós-coloniais, Identidade, Etnias e Globalização pela Universidade de Berkeley Inocência Mata fez uma apresentação sobre a história de São Tomé e Príncipe, com comentários do administrador público, mestrando em economia Política Mundial, Kennedy Augusto Beer, e do doutorando em Políticas Públicas Walton Nascimento da Trindade, ambos estudantes da UFABC. Larissa Portes, do Centro Acadêmico de Relações Internacionais, coordenou a mesa.
Mata relatou que, nas comemorações do cinquentenário do 25 de abril, não havia nada sobre África no programa oficial. “Durante dois anos, nós trabalhamos na organização de uma exposição, que está no Museu Nacional da Etnologia, para discutir o colonialismo e descolonizar o imaginário. E, no ano passado, trabalhamos em uma exposição “Álbuns de família – fotografias da diáspora na Grande Lisboa”, com o objetivo de trazer a presença africana e de afrodescendentes a essa história. É preciso interrogar: por que os capitães de abril deram o golpe? Foi porque estavam cansados das guerras de libertação”.
Encerramento
O encerramento do evento teve as participações da diretora da Fundação Perseu Abramo, Elen Coutinho e da professora integrante do Núcleo de Estudos Africanos e Afro-Brasileiros/NEAB da Universidade Federal do ABC Carolina Bezerra Machado.
Coutinho disse que o diálogo com a memória das lutas dos Palop é essencial para repensar o mundo sob perspectivas não eurocêntricas, promovendo justiça histórica e epistemológica para povos que foram historicamente oprimidos. ”Uma fala que marcou este evento veio logo na primeira mesa, com Rubilson Delcano, ao afirmar: ‘Não somos lusopensantes’. Falar português não significa ser definido pela herança colonial. No Brasil, essa realidade ressoa profundamente. Nossa identidade linguística e cultural não é extensão da portuguesa; é algo nosso, diverso, forjado no diálogo entre diferentes matrizes culturais”, afirmou.