Redução da jornada de trabalho tem projetos em tramitação, abaixo-assinado e menções positivas nas redes sociais 

Com projetos na Câmara e potencial nas ruas, fim da escala 6x1 é citada como prioridade do PT no próximo período
Medida é proposta pelo Movimento Vida Além do Trabalho Letycia Bond/Agência Brasil

Em entrevista à Focus Brasil nesta edição, o senador Humberto Costa (PE), atual presidente do Partido dos Trabalhadores, reforçou que o fim da escala 6×1 é uma bandeira “com amplo poder de mobilização”, que deve receber atenção “dentro e fora do parlamento” para que seja viabilizada. Costa assumiu a presidência do partido após a recente saída de Gleisi Hoffmann, atual ministra das Relações Institucionais do governo Lula 3. 

A perspectiva de atuação na pauta já havia sido mencionada durante a coletiva de imprensa do presidente do PT ao assumir seu mandato interino, que tem duração até a realização do PED, o processo de eleição direta do partido, em julho deste ano. 

Na ocasião, Costa destacou que o tema, junto com a isenção do imposto de renda para quem ganha menos de R$ 5 mil, pode movimentar a pauta dos movimentos sociais e da sociedade como um todo no próximo período.

O que está em tramitação 

Com projetos na Câmara e potencial nas ruas, fim da escala 6x1 é citada como prioridade do PT no próximo período
Em fevereiro deste ano, PEC contra escala 6×1 foi protocolada na Câmara com 234 assinaturas. A deputada Erika Hilton (PSOL-SP) liderou a articulação na casa Foto: Agência Brasil

Na Câmara dos Deputados, foi protocolada, em 25 de fevereiro, uma Proposta de Emenda à Constituição de autoria da deputada Erika Hilton (PSOL-SP). A PEC não só visa acabar com a possibilidade de uma jornada laboral com apenas um único dia de folga, mas propõe também estabelecer uma jornada que não ultrapasse 36 horas semanais, frente às atuais 44 horas estabelecidas por lei. Isso significa a possibilidade de uma carga horária de quatro dias de trabalho e três de folga. 

“É uma das matérias mais modernas e com grande impacto na economia do Brasil. Não é uma questão partidária, mas diz respeito à vida dos brasileiros. Queremos que este tema unifique a Casa”, defendeu o líder do governo José Guimarães (PT-CE) durante a apresentação da PEC.

Com o apoio de 171 parlamentares, o texto ainda precisa passar pela CCJ, Comissão de Constituição e Justiça, em uma avaliação para averiguar se a proposta não fere a Constituição e atende os requisitos jurídicos necessários. Após essa primeira etapa, o mérito do projeto começa a ser debatido em uma Comissão Especial que geralmente organiza audiências públicas e debates com especialistas no assunto em questão. 

No Plenário da Câmara, são necessários 308 votos favoráveis, em cada um dos dois turnos de votação. No Senado, o processo é semelhante e são necessários 49 votos, também em dois turnos.

Apesar do barulho que a PEC apresentada por Hilton fez, o tema da redução da jornada não é novo no legislativo. A questão foi levantada outras duas vezes. A primeira por meio de uma PEC do deputado petista, de Minas Gerais, Reginaldo Lopes, em 2019. 

A proposta de Lopes aponta “duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e 36 semanais, sendo facultada a compensação de horários e a redução da jornada mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho”. A principal diferença entre a proposta do petista em relação à PEC mais recente é que a previsão de transição é mais gradual, com a implementação das novas regras em um período de dez anos. 

Há também um PL, Projeto de Lei, deste ano, de autoria da deputada Daiana Santos (PCdoB-RS). O projeto propõe limite de 40 horas semanais de expediente e “ao menos dois dias semanais de repouso remunerado”. Segundo a parlamentar, o texto foi construído em parceria com os comerciários, com a perspectiva de seis meses de adaptação às novas regras. 

“Fazendo a alteração na CLT, a gente poderia garantir que os trabalhadores tivessem essas duas folgas, sendo que elas podem inclusive ser consecutivas e que uma necessariamente deva ser um domingo no mês, para que a gente possa garantir um final de semana para o trabalhador”, explica Santos. 

Apesar do entendimento positivo de diferentes organizações de trabalhadores, a Fecomércio-SP, Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do estado de São Paulo, emitiu opinião contrária às movimentações. Para a entidade, reduzir a jornada dos seus funcionários sem uma redução salarial proporcional não é viável para a maior parte dos empregadores das empresas de médio e pequeno porte. 

Movimento Vida Além do Trabalho

Balconista de farmácia, eleito vereador na cidade do Rio de Janeiro pelo PSOL, Rick Azevedo é o rosto público de um movimento conhecido como VAT, “Vida Além do Trabalho”. Ele ficou conhecido no Tik Tok em 2023 ao compartilhar sua rotina extenuante. As redes sociais, inclusive, foram fundamentais para que a pauta fosse difundida nacionalmente. 

Em novembro do ano passado, quando o assunto explodiu nas redes, as publicações relacionadas ao fim da escala 6×1 ultrapassaram as 240 mil apenas na plataforma X em um único final de semana, além do termo ter sido um dos mais buscados, segundo o Google Trends. Um levantamento realizado pela Nexus Pesquisa e Inteligência de Dados mapeou cinco redes sociais (Instagram, Facebook, Tik Tok, X e LinkedIn) e apontou que 67% das menções eram favoráveis às mudanças na jornada. 

Com uma postura propositiva, o discurso de Ricardo Azevedo não é nada brando. “Quero saber quando é que nós, da classe trabalhadora, iremos fazer uma revolução nesse país relacionada à escala 6×1. É uma escravidão moderna. Se a gente não se revoltar, colocar a boca no mundo, meter o pé na porta, as coisas não vão mudar”, diz o ativista em um dos vídeos que viralizaram.

A parceria de Rick Azevedo com a deputada federal Erika Hilton resultou, anterior à PEC, em um abaixo-assinado com mais de três milhões de assinaturas. “Trabalhar seis dias seguidos para folgar um, para então começar mais uma semana de seis dias de trabalho não é vida. É uma exploração incompatível com a dignidade humana, mas permitida na nossa Lei. Não dá para viver só um sétimo da própria vida, não existimos apenas para trabalhar. Nossa Lei precisa mudar”, afirmou Hilton.

Escala 4×3

Já implantada em alguns países, a semana de quatro dias começou a ser testada no Brasil em 2024. Em um projeto-piloto, 19 empresas utilizaram a escala. O resultado do experimento foi bastante positivo, apesar da necessidade de ajustes em alguns setores, como por exemplo, na área da saúde, onde ficou demonstrada a necessidade de contratação de mais profissionais. 

Trabalhando um dia a menos, a produtividade cresceu em 71,5% dos casos, houve aumento no nível de engajamento em 60,3% e elevação do comprometimento em 65,5% das empresas.

Segundo dados da Associação Nacional de Medicina do Trabalho, cerca de 30% dos trabalhadores brasileiros convivem com a síndrome de burnout, uma condição ocupacional classificada pela Organização Mundial da Saúde, a OMS, como um distúrbio psíquico de caráter depressivo, que ocorre após o esgotamento físico e mental. O Brasil ocupa a segunda posição em diagnósticos da síndrome, em primeiro lugar está o Japão.