Crise dos alimentos: Brasil passa por um problema estrutural desde os anos 1990
Para Gilmar Mauro, do MST, financeirização da produção agravou alta de produtos
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Henrique Nunes
A estrutura de produção de alimentos no Brasil tem, em sua base, três produtos indispensáveis: milho, soja e trigo. Todos eles correspondem a mais de dois terços de toda a produção de alimentos no país – ou quase 150 milhões de hectares.
Grande parte deste montante está associada à exportação, ou a uma lógica que visa apenas o lucro dos grandes produtores agropecuários. Dito isso, quando há uma sazonalidade ou crise climática, é comum que o preço dos alimentos tenha uma alta além do previsto.
É o que explica o membro da Coordenação Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), Gilmar Mauro. “Esta estrutura de produção vem ocorrendo desde os anos 1990 e sobram poucos hectares para a produção de outros alimentos como café, por exemplo. Quem bota comida no prato do brasileiro ainda é o pequeno produtor rural”.
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Para Mauro, outro problema que agravou a alta dos alimentos no momento é o desmonte da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) é uma empresa pública que regula e fiscaliza a produção e o abastecimento agrícola do Brasil. A Conab é vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Hoje, apenas 750 mil de 4 milhões de famílias recebem algum tipo de suporte financeiro para ampliar a produção.
Embora o desmonte tenha sido promovido pela gestão Bolsonaro, com o fechamento de 27 unidades armazenadoras, ainda é preciso investir mais para que a Conab volte a ser o que era: o grande celeiro de alimentos do país. “O governo Lula ainda precisa recuperar as unidades armazenadoras e promover maior inclusão das famílias pertencentes à Companhia. Só isso irá fazer com que, diante de uma sazonalidade, o preço dos alimentos não suba tanto”, prossegue.
Ideia equivocada
Esse problema estrutural traz à tona um equívoco utilizado para justificar o foco quase que completo na produção financeirizada do agronegócio. “É o Brasil que carrega o agronegócio nas costas; não o contrário”, afirma.
Investir, portanto, no pequeno produtor parece ser o melhor caminho no futuro para evitar novas crises. “60% da alimentação do mundo vem da soja, milho e trigo e apenas os pequenos produtores conseguem ampliar tal montante a partir do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) que produz mais de 400 tipos de alimentos.
O PAA sofreu cortes orçamentários e desmonte, o que afetou a agricultura familiar e a luta contra a fome. Em 2019, o número de agricultores que doaram alimentos ao PAA caiu de 184 mil para 39 mil. O PAA foi revogado em 2021 e substituído pelo Programa Alimenta Brasil, que teve menos financiamento e apoio institucional. O desmonte do PAA dificultou o acesso à alimentação e a participação social
A Retomada do PAA aconteceu em 2023, em parceria com o Plano Brasil Sem Fome
O PAA foi considerado uma política estratégica para promover o direito à alimentação adequada e saudável. “Sem a Conab e o PAA o Brasil continuará a sofrer com a financeirização dos alimentos e também com a sazonalidade. Ambos são fundamentais para que a comida chegue no prato de todos os brasileiros e brasileiras. Espero que o governo Lula olhe com mais carinho para a situação”.