Benedita da Silva discute a política de inclusão, os desafios do momento e a importância de nunca abandonar a luta

‘Não é só sobre política, é sobre dar voz a quem foi silenciado’, reflete Benedita da Silva sobre o movimento negro
Legado e futuro: a deputada Benedita da Silva (PT-RJ) – Foto: Reprodução

Definir Benedita da Silva, uma das figuras mais emblemáticas da política brasileira, como apenas deputada federal pelo PT do Rio de Janeiro é reduzir sua história e sua trajetória, não faria jus ao tamanho de seus passos até aqui. A Bené do Rio, do morro Chapeu Mangueira, defensora do Estado Laico e da Liberdade religiosa de cada cidadão, evangélica, filha de Umbandista que chegou a ser presa, hoje deputada – eleita já por cinco mandatos como representante do PT e do povo do Rio de Janeiro no Congresso.

Até aqui, foi a “primeira mulher negra” muitas vezes. Foi a primeira mulher negra a ser vereadora no Rio de Janeiro, a primeira mulher negra a ocupar uma cadeira no Congresso, a primeira Governadora mulher e negra do Rio de Janeiro e a primeira Senadora negra do Brasil. Tanto caminho se deu desde o início de sua militância por direitos e dignidade no movimento de favelas organizado. Foi quando conheceu Lula, que buscava fundar o PT, e a convidou, abraçando a causa.

Homenagem

Benedita da Silva é a homenageada desta edição da Focus Brasil, do dia 20 de novembro, Dia da Consciência Negra. Pelo primeiro ano, a data é, agora, um feriado nacional. Enquanto se dividia entre compromissos com a Câmara dos Deputados, e uma agenda intensa de entrevistas, Benedita falou sobre o Brasil de hoje, sua rica trajetória na construção de um Brasil diferente e antirracista, e o papel fundamental das novas gerações na construção de um futuro mais justo e igualitário.

“Olho para o Brasil e vejo um país que, apesar dos retrocessos, continua a lutar”, afirmou Benedita, com a esperança de luta que sempre a caracterizou. “A juventude tem um papel crucial nessa transformação. A política precisa ser feita de forma a incluir, a proteger quem mais precisa.” Em suas palavras, ressoam a história de uma mulher que, desde a infância em uma favela no Rio de Janeiro, se construiu como líder em uma sociedade onde a desigualdade parecia intransponível.

Aos 82 anos, Benedita mantém-se ativa e comprometida com a causa social. Sua visão para o futuro é de um país mais igualitário, com mais oportunidades para todos, mas sem esquecer das dores do passado. “Nossa luta nunca foi só sobre política. Foi sobre dar voz a quem sempre esteve silenciado”, disse ela, ressaltando a importância do protagonismo negro e feminino na política nacional.

Benedita da Silva segue como uma referência para todos que acreditam na transformação do país por meio da inclusão e da justiça social, e credita seu legado, construído, em construção com as sementes que planta, ao coletivo do movimento de favelados que sempre a acompanhou. Na luta partidária, destaca o PT como ambiente que acolheu as lutas de quem mais precisava do Estado – e lá estava ela. E aqui ela está.  

A senhora hoje é considerada por muitos como um dos principais símbolos vivos do movimento negro brasileiro, de toda essa luta, que vem lá de trás de Zumbi, de Luiz Gama, de Ruth de Souza, de Abdias Nascimento… O que significa para a senhora a conquista do presidente Lula ter decretado o dia 20 de novembro como um feriado nacional?

Olha, essa é uma luta de muitos anos. Foi de grande importância para nós do Movimento Negro Brasileiro, que é Abdias do Nascimento, de Ruth de Souza, de Lélia Gonzales, Sueli Carneiro, Beatriz Nascimento, de tantas outras mulheres e homens que batalharam e continuam batalhando pelo Dia Nacional da Consciência Negra, Dia de Zumbi dos Palmares, como feriado nacional. Nós até temos alguns municípios e estados, poucos, que aderiram ao feriado. Mas o nacional não foi possível, dada a correlação de força da gente no Congresso, com uma pressão muito grande, evidente, que impediu que pudéssemos ter essa data. Então, o que isso representa hoje é, primeiro, uma gratidão pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva por compreender essa nossa luta e entender a importância de ter esse dia nacional, esse feriado nacional de Zumbi dos Palmares da Consciência Negra. Por quê? Porque não é só um feriado, como alguns diziam. Estamos no resgate histórico. É o momento em que estamos discutindo a relação do nosso país com seu o processo escravocrata. É o momento em que estaremos fazendo um debate, discussões de políticas públicas que deixaram de acontecer para esse segmento que é a maioria de brasileiros e brasileiras negras, que viu em Zumbi dos Palmares uma sociedade igualitária, onde negros, indígenas e brancos que lá estavam, que formaram, na verdade, um socialismo e que batalharam pela liberdade. Então, essa data é muito significativa. Por um outro lado, estamos fazendo várias discussões que precisamos fazer, não apenas na escola pública, que é importante também contarmos a história verdadeira, a história do Brasil, incluindo as pessoas, incluindo os escravizados, porque não eram escravos em suas terras, chegaram aqui escravizados. É bom resgatar, e o presidente Lula está fazendo isso, através do BNDES, da Caixa Econômica, do Banco do Brasil. Estamos resgatando todos os simbolismos existentes para propor que haja, realmente, um conhecimento geral dessa verdadeira história. Esse dia é um dia que marca, sem dúvida, uma manifestação nacional. Vários estados estão fazendo manifestações, não é um dia, é uma festa política.
Debates e mais debates estão acontecendo, da questão da violência que atinge o povo negro. Estamos ali fazendo um debate para fazer a discussão que achamos também interessante, da saúde do negro, da qualificação da população negra. Hoje, no mundo digital, estamos falando também dos estereótipos, dos preconceitos, das fake news, dessa violência que acompanha a população negra, principalmente as mulheres negras.
Então, é um conteúdo muito forte, muito grande, e só um presidente como o Lula poderia realmente assinar e dizer que vai ser feriado nacional.

Recentemente a senhora ressaltou que,  pela primeira vez na história brasileira, foi instituída uma bancada negra. Então, a senhora acha também que essa iniciativa da criação da bancada negra se soma a essa questão como se fosse uma espécie de um ressurgir das exigências da luta dos negros brasileiros?

Sem dúvida. Entendemos que se acumulam os estímulos e se discutem verdadeiramente os direitos de negros e negras desse país. A bancada negra tem o objetivo do processo legislativo de ter as ações, leis que vão dar dignidade ao povo negro brasileiro, que vai resgatar esses direitos e que precisa de um Executivo que verdadeiramente entenda que é preciso existir políticas públicas que possam chegar um dia à paridade de igualdade, que possa chegar um dia naquilo que nós discutimos. O negro no seu devido lugar.
Onde é o lugar do negro e negra nesse país? É onde ele quiser. E ele tem o direito de ir e vir, de construir sua família, de ser rico, pobre ou classe média. Não importa. O que importa é que cada um de nós devemos ter direitos iguais nesse país, onde as mãos negras produzem riquezas. As mãos negras estão cada dia mais sendo exploradas. Por exemplo, quando colocamos a redução da jornada de trabalho, isso é importantíssimo, porque negros e negras precisam descansar, a gente precisa ter lazer, a gente precisa estar com a família, a gente precisa estar dialogando com os nossos. Nós não podemos trabalhar 24 horas e cada dia mais o cansaço traga falta de saúde, a falta de saúde faz com que haja desânimo, não tenha uma animação para estar com a sua família, reunir com a sua família. Nós não viemos ao mundo para isso. Viemos para trabalhar, porque é digno, mas não é para trabalhar num processo estafante, com as pessoas adoecidas no trabalho, as pessoas não têm segurança no trabalho, o que faz? Tem uma exploração salarial também, a exploração das condições ambientais em que esse negro e essa negra trabalham. Então, essa data é uma data que acendeu no Brasil como um todo. Aí você pergunta, ué, por que vai ser feriado nacional? Por Zumbi, dia da consciência negra, dia de saber os direitos que os negros têm. Então, isso é demais, isso é muito importante para nós.

A extrema direita, econômica e ideologicamente, defende os interesses da casa grande, da classe dominante. Como é que a senhora vê esse descolamento de parte do povo pobre indo para o lado dos poderosos e desse discurso de ódio, discurso preconceituoso, inclusive contra os negros e as mulheres?

É importante tocar nesse assunto porque está em jogo uma coisa que se chama processo democrático, um processo democrático de direitos. Você não pode, às vezes, entender, custa a entender, como temos hoje um mundo que está dividido? Não é só uma questão do Brasil estar dividido. Veja o sofrimento da África, uma África explorada por quem? Pelos antepassados colonizadores que continuam ainda investindo na miséria, investindo na pobreza e não investindo naquilo que pode dar cidadania e dignidade para os negros e negras. E onde mora a maioria da população negra? Moram nos quilombos, quilombos que são urbanos, quilombos que são rurais, e as nossas favelas se identificam com esses quilombos. E é evidente que poucos foram os anos em que esses locais, essas regiões, tiveram presidentes como Lula, como Dilma, que se interessam, e que se interessam porque conhecem e respeitam o povo, conhecem a pobreza e sabem que isso existe e que a gente tem que acabar com isso, é serem sensíveis a essa luta, pegar essa bandeira também e caminhar realmente conosco. Nós ainda temos pouco tempo que votamos. É novo. O Brasil é um país novo ainda, por todo o processo que foi passado na vida nossa de mulheres e homens negros brasileiros. E as nossas lutas, foram a luta de Palmares, a luta dos Malês, a luta dos alfaiates. Foram tantas lutas. Lutas das mulheres na fábrica, lutas dos costureiros. Tivemos muitas e muitas lutas antes de acontecer o Dia Nacional da Consciência Negra. Aconteceram muitas dessas lutas. Mas houve um tempo em que tivemos no Brasil um grande retrocesso. Minha mãe dizia que mentira dita várias vezes vira verdade. Então, você está num mundo que é um sistema que estamos vivendo, mundialmente falando, e que temos visto como essas pessoas têm se envolvido nessas mentiras, acreditando que elas fossem verdades, de tal modo que tivemos agora, há pouco tempo, essa tragédia dessas bombas. E agora, sabendo que iam matar Lula, matar o vice-presidente, o presidente Supremo, isso é uma loucura que invadiu realmente a população no mundo e no Brasil. E que as medidas tomadas, que são medidas de tolerância, medidas de confiança do governante, aquela do diálogo com essas pessoas, o que temos que fazer? Não podemos afastá-las. Temos que entendê-las, vê-las como uma maioria que foi vítima. Elas não são inimigas. Elas foram vítimas baseadas em mentiras que poderiam propiciar a elas uma vida melhor. E que não proporcionou e ainda espalhou-se pelo mundo uma coisa incrível, indesejável para todos nós, que é o fato de termos essas fake news e coisas como essa, e ver uma população pobre, uma população negra, sendo iludida por isso. E, ao mesmo tempo, você também vê o sofrimento dessa população. O que temos que fazer nesse momento? Nos aproximar, compreender e começar a dialogar, porque mentira tem perna curta. Parece que é uma noite, mas, no amanhecer, teremos a alegria. Não podemos, de forma nenhuma, achar que um país como o nosso, que tem maioria de negros e negras, que é um país alegre, um Brasil que é um país produtor – se assim não fosse, não teríamos nenhuma política econômica de exportação como temos, e como temos para dentro do mercado interno brasileiro também. Então, é preciso que, nesse momento, possamos, dentro desse mercado brasileiro, empoderar esse povo de informação, de qualificação política, de qualificação profissional, porque eles precisam ter acesso para que, tendo acesso, eles possam nos ajudar nessa luta de acabar com o ódio, com o racismo, com o preconceito, com a violência com a população negra e negra do país.

Deputada, mesmo antes de termos conquistado esses governos, a gente conta com a luta da senhora, e isso se deu de forma pioneira. Todos os altos cargos públicos que a senhora ocupou, foi como a primeira mulher negra, incluindo o fato de ter sido a primeira senadora negra do Brasil.Você construiu, colhemos hoje, segue construindo e de olho no futuro. Qual é o legado da Benedita como mulher pioneira? Qual futuro a senhora espera?

Olha, quero dizer que esse legado não é um legado da Benedita, é um legado de todo o movimento, de toda uma organização que se fez e que juntou-se. O que chamamos de aliados. Por exemplo, nós, do movimento de favelas, já tínhamos a nossa vida política e luta organizada para buscar aquilo que nos interessava, a urbanização das favelas, queríamos luz direta da Light, saneamento básico na comunidade, queríamos a nossa casa direitinha, um salário que pudesse dar condição de alimentar as nossas famílias e que não tivesse tanta usura, para aqueles que tivessem mais pudessem também ajudar os que tivessem menos. Digo isso porque tenho 82 anos de idade, então tenho 42 ou mais um pouquinho de vida pública, mas a nossa organização veio de uma organização de favelas. Nós, favelados e faveladas, passamos por uma ditadura também. Foi um tempo para nós que não temos registros oficiais, mas que um dia é preciso ser contada com aqueles que ainda estão vivos e que aparentam mais ou menos minha idade, para contar o que foi esse processo na nossa organização de favelas. Porque essa organização de favelas é quem nos deu o norte para que a gente escolhesse um partido que fosse a nossa vez, que fosse a nossa voz. E é por isso que a fundação do PT tem favelado, tem trabalhadores, trabalhadoras, tem domésticas, tem todo mundo, entende? Classe média, religioso, religiosa, tem ateu. Quer dizer, por que? Porque a expectativa de que teríamos que ter um instrumento para nos ajudar na luta de cada um desses segmentos.
E foi quando chegou o PT. E o PT chega com uma construção feita por alguém que conhecia o chão onde ele pisava, que é Lula. Então, a partir daí, houve para nós, esse foi o nosso primeiro grande momento dos acúmulos que já tínhamos, que nós nos vimos em condição de ter um partido político, de ajudar na formação desse partido. E esse partido também não nos negou as nossas bandeiras. Enfrentou essas bandeiras junto com trabalhadores e trabalhadoras e fomos colocando os recortes da sociedade. Religioso, religiosa, mulher, negro, indígena, branco, branca. Quer dizer, isso criou realmente uma cara brasileira. Essa cara brasileira tinha um projeto de ocupação desses espaços, mas para mudar, para transformar. Estou dizendo tudo isso porque legado é uma coisa assim, que não é fechada por uma pessoa, é um coletivo. E esse encontro com o PT, essa máquina, esse grande equipamento que construímos, com a liderança do Lula, foi nos dando, nos fortalecendo em nossas organizações e elas foram ampliando e foram exigindo. Porque a gente estava no partido que ouvia as vozes da rua, estava no partido que ouvia as vozes da favela, que ia ouvir os sindicalistas, que ia ouvir isso, que ia ouvir aquilo. Fomos robustecendo esses nossos movimentos porque tinha uma voz no parlamento, porque tinha uma voz que governava esse país. Então, esse legado é um legado que vai dando fruto. Tivemos um retrocesso, como todo o Brasil sabe, nos nossos movimentos, inclusive, de nossas lutas, além da pandemia tivemos isso, mas estamos de volta, porque agora temos de novo um cidadão na Presidência da República que luta, sobretudo, pela democracia, para que não aconteça mais impeachment arrumado de qualquer um ou de qualquer lado, como instrumento para derrubar uma ideia, um projeto que beneficia o Brasil. Voltamos, é isso que a gente quer dizer, para dizer que nada está concluído e que precisamos dar sequência e consequência ao que acumulamos e estamos resgatando nesse momento. Então, ver que hoje temos representações de governo que tem negros e negras, ter resgatado o nosso Ministério das Mulheres, ter resgatado o Ministério da Assistência Social, ter uma luta de combate à fome. Nós não podemos abrir mão desses instrumentos. Não é assistencialismo. Eu preciso ter esses instrumentos para continuar a minha luta. Se eu quero ver mais negras e negros no Parlamento, no Executivo, no Judiciário, eu preciso produzir algo que possa fortalecê-los e que eles possam ocupar esse espaço.
E, por isso, o legado é de todo mundo, é do Presidente, é do povo que vota, é do povo que escolhe, e um dia, tenho certeza, o povo vai votar junto, juntos mesmo, e vai dar um basta nessas coisas que vêm acontecendo, essa negação, essa antidemocracia, essa pauta de cidadania que, ideologicamente, não tem, não sabe o que é cidadão ou querem reduzir para o cidadão a terceira categoria.
Então, todo esse apuro, estou falando de apuro, estou falando de legado. Cada um de nós tem deixado um pouco, mas estamos muito aquém ainda. Somos uma nação de mais de 200 milhões de brasileiros e temos 51% da população de negras e negros. E também tem outra coisa que quero dizer: que esse país é feminino. A maioria de nós somos mulheres. Se você discute, olha o legado que é importantíssimo, quando a gente luta pela política de emprego, de salário e de inclusão das mulheres, estamos aquecendo cada vez mais a economia, porque somos maioria. Se formos incluídas em todos os segmentos, naquilo que nos é de direito, certamente ajudaremos as políticas a resgatar os direitos que ainda precisamos ter.

Estamos nos aproximando agora, em fevereiro, dos 45 anos da fundação deste partido. Como estamos hoje nos preparando para que esse trabalho que foi feito lá atrás, desde a formação, não se perca?  Como está o Partido dos Trabalhadores agora, neste momento,  essa discussão hoje perto dos 45 anos, os avanços que tivemos e os que teremos, inclusive na política partidária?

Olha, o PT marcou a vida de muita gente, milhares de pessoas que jamais pensariam em estar fazendo uma discussão política no mesmo pé de igualdade. Foi o PT que colocou no parlamento brasileiro trabalhadores e trabalhadoras, de fundo da fábrica, da favela, no meio dos negros e negras. Nós temos histórico, nós estamos fazendo uma revolução social nesse país. Quem é pobre sabe que está acontecendo isso. Agora, quem é rico, que precisa só explorar, não está entendendo isso. E o PT, com a sua política, com o seu projeto, com o seu programa, trouxe todo mundo. O PT foi o guarda-chuva de tudo aquilo que não podia falar, que não podia dizer, que não podia fazer. O PT se colocou como isso. Por isso, ele é um partido, ele não é uma frente, ele é um partido. Claro que ninguém governa sozinho e é evidente que você forma frente, frente de esquerda e de centro, para que você possa governar, porque também é uma forma de você incluir todas as forças vivas políticas que tenham uma consciência de justiça social, de desenvolvimento econômico, de inclusão, e que tenha cultura, que respeite a cultura, respeite a religiosidade um do outro, respeite a forma de ser, a cor da pele de cada um. Então, isso é importante. E não foi outro, nesses 45 anos, que eu conheço dos meus anteriores dois anos, que tenha, com tanta propriedade, conseguido, inclusive, ter a maior bancada negra hoje no Congresso Nacional. Quem tem é o PT, em que, pese outros partidos até de direita terem, mas o PT é o partido que tem com uma política, com um programa, com um projeto, um projeto nacional e internacional. Vi Lula dando um show aí com a política do G20. Que coisa fantástica, extraordinária! Então, temos que atribuir, não podemos só dizer, deixar que eles digam que não estamos fazendo nada. Não! Estamos fazendo e muito. E não estamos fazendo só pelo Brasil, estamos fazendo pela África, estamos fazendo por aqueles que são mais vulneráveis, aqueles que mais precisam. Que coisa… Quer festejar um aniversário de uma maneira melhor do que essa, gente? Não, a melhor maneira de a gente festejar esses 45 anos são essas entregas que foram feitas, essas entregas feitas pelo partido, essas entregas de qualificação, de trazer os segmentos, de tudo. E o PT tem agora, à frente dos 45, um desafio maior ainda depois do que aconteceu com a população brasileira, que precisa voltar ao seu rebanho, precisa voltar à sua consciência nacional de verdade e cuidar do outro. Cuidar do outro é quando você tem também um governo que foi escolhido por você e que defende as suas causas. Então, eu não vejo uma outra forma. Agora, imagine uma coletividade. Nós nos vemos, a nossa vida, a nossa trajetória política… Para mim, não existe sem o PT. Uma trajetória política sem o PT não existe para mim. Porque foi exatamente nesse partido que discutimos, debatemos, vivemos as nossas contradições, e a gente não pode deixar de dizer que a gente vive as nossas contradições, mas a gente vai afunilando até que a gente chegue no senso comum.

Hoje no Brasil, 90% da população brasileira acredita em Deus, e 78% são cristãos, católicos e evangélicos. Estão ali em busca de um propósito. A senhora não acha que a esquerda brasileira ainda tem que aprender muito como lidar com essa questão da fé do nosso povo,  e o PT em particular, por ser um partido popular do povo? É preciso estudar e entender essa gênese da nossa população.

Eu penso que a esquerda brasileira, assim como muitas esquerdas do mundo, teve uma formação, é o que penso, política partidária de esquerda. Eu nunca li nenhum livro de Marx, nunca li, mas aprendi ouvindo dos meus companheiros e companheiras essa formação marxista, que um dia me fez falar para milhares de trabalhadores e de trabalhadoras da CUT, num congresso da CUT, onde o Lula me levou. Eu sempre fui evangélica dentro do PT, todos sabem que sou evangélica, sempre batalhei para que houvesse uma… Eu respeito o Estado laico, mas nós não podemos achar que as pessoas estão isentas de religiosidade.
Então, quando nós estávamos discutindo, eu falei uma coisa que é muito importante. Eu disse, olha, a nossa luta não é só entre o capital e o trabalho. As pessoas têm sexo, as pessoas têm intimidade, as pessoas têm classe social, as pessoas têm religiosidade. Se não respeitar isso na população brasileira, você pode até ter uma boa formação política, mas você vai deixar de fora aquilo que faz com que a pessoa se fortaleça, aquilo que faz com que ela lute. Ela não luta porque tem uma sigla, ela não luta porque tem o marxismo, o leninismo, ela não luta por isso. Ela luta, sobretudo, por ela mesma. Como ela mora, como ela come, como ela trabalha, como ela vive, como ela se diverte, qual é a religião dela, qual é a fé dela, respeita o sagrado dela ou não. Ela é considerada também, essa pessoa, como uma igual, porque ela pode ser considerada como uma igual, como cidadã, mas ela tem uma religião. Então, você tem que dialogar com isso. Não dá para você dialogar só com uma formação de um trabalhador ou de uma trabalhadora, onde essas demais coisas, que são o que elas priorizam na sua organização e na sua formação, porque nós já chegamos em partidos políticos com uma recepção política formada. Sou pobre, não tenho nada, preciso de trabalho, preciso de casa boa, preciso de água, preciso de luz. Isso é que move. E quando você tem um partido que vai levantar essa bandeira sua, é para lá que você vai. É para lá que você vai. Então, o que nós precisamos, quando eu digo isso, não tem que ter… Eu sempre uso essa palavra. Olha, gente, tem que ter uma narrativa. Não tem que ter uma narrativa. Por que uma narrativa com o Evangelho? Por que uma narrativa candomblecista? Por que são os elementos que movem essas pessoas, que estimulam essas pessoas a estarem fazendo uma luta da qual nós, do ponto de vista ideológico, achamos correto que é do trabalhador e do trabalhadora, independentemente se ele é date evangélico, se ele é candomblecista, se ele é ateu, se ele não é. A gente precisa disso. Por isso que eu digo que nós precisamos ter essa narrativa. Eu não vou me sentar com uma mulher evangélica para discutir uma das coisas que não é prioridade na concepção de vida, de formação dela. Ela vai entender isso lá na frente. Mas, quando eu estiver conversando com ela e falar das coisas que ela crê, das coisas que ela… Porque, se você não estuda um ser humano, você não pode dialogar com ele. Então, o que a esquerda faz? Ela usa tanto de um lado como do outro. Não é só a esquerda. A esquerda usa, às vezes, de um certo preconceito com a religiosidade. Eu estou falando de evangélico, porque estou falando de religião óptica do povo. E, por outro lado, o religioso sente essa rejeição, aí também faz o contrário. Os que não são religiosos também não são de Deus, não são demônios, são isso, são aquilo. Então, nós precisamos, na nossa narrativa, poder compreender isso. E ser rico é porque a sociedade é uma sociedade plural. Não posso, de forma nenhuma… Eu sou uma mulher evangélica, minha mãe era umbandista, tinha terreiro. Como é que eu cheguei aqui? Como é que eu cheguei no evangelismo? Quero que respeitem a minha fé. Mas me lembro de que minha mãe é presa, porque era umbandista, porque só tinha uma religião. Eu me lembro, inclusive, que queriam tornar as demais religiões, fora a católica, em associação, como se fosse um clube. E nós temos, na Constituição brasileira, a liberdade religiosa. Se nós temos isso, nós temos que ter uma narrativa para dialogar com esse povo. Nós temos uma exposição aqui que estamos colocando sobre o dia da consciência negra. Nós estamos entrando nos 21 dias contra a violência contra a mulher e os dias de ativismo. Porque é o novembro negro, são os 21 dias de ativismo, é muita coisa acontecendo nesse novembro. Então, é o feriado nacional desenvolvido sobre o barro da consciência negra.