Palestina: a reação necessária, por Kieran Allen
De acordo com pesquisas de opinião, 76% da população acredita que a União Europeia deveria impor sanções a Israel. Outra pesquisa mostrou que 71% das pessoas concordam que os palestinos vivem sob um sistema de apartheid implementado contra eles por Israel
Kieran Allen
A imensa maioria da população irlandesa apoia o povo da Palestina. A principal razão é o legado de resistência anticolonial ao domínio britânico. A Irlanda foi uma das primeiras colônias a iniciar uma luta de libertação nacional contra o império e forçá-lo a recuar. A resposta britânica foi dividir a Irlanda e, até hoje, eles permanecem no controle de seis condados na Irlanda do Norte.
O apoio à luta palestina é evidente de várias formas. De acordo com pesquisas de opinião, 76% da população acredita que a União Europeia deveria impor sanções a Israel. Outra pesquisa mostrou que 71% das pessoas concordam que os palestinos vivem sob um sistema de apartheid implementado contra eles por Israel.
Essa simpatia ficou evidente no tradicional festival de música do verão, o Electric Picnic. O festival reúne 75 mil pessoas em três dias de evento. Quando a banda The Wolfe Tones, tocando para um público de 55 mil pessoas, pediu que aqueles que apoiassem a Palestina levantassem as mãos, alguns poucos se recusaram a fazê-lo. Outras renomadas bandas irlandesas apresentaram-se com uma bandeira da Palestina pendurada no fundo do palco.
Esse apoio, entretanto, representa um dilema para o atual governo do país. Os governos irlandeses – que há 100 anos são formados por dois partidos quase idênticos, Fianna Fáil e Fine Gael – têm sido tradicionalmente alguns dos mais ativos apoiadores dos Estados Unidos da América e das corporações americanas, apesar de adotarem uma pretensão de neutralidade.
O governo abriu o segundo principal aeroporto do país, o Aeroporto de Shannon, para os militares dos EUA e dezenas de milhares de tropas americanas passam por lá todos os anos. As autoridades irlandesas recusam-se a inspecionar as aeronaves, apesar dos relatos de que o aeroporto foi usado como ponto de trânsito para levar prisioneiros para Guantánamo.
Dentro dos conselhos da UE, o governo irlandês faz lobby para grandes empresas de tecnologia americanas que têm base na Irlanda, que funciona como um grande paraíso fiscal para essas corporações e, como resultado, elas instalam-se no país. Hoje, cerca de 10% da força de trabalho irlandesa é empregada por multinacionais, principalmente americanas.
Os EUA continuam sendo os principais apoiadores da campanha assassina de Israel. Tanto Joe Biden quanto Kamala Harris prometeram apoio ‘inabalável’ a Israel, sendo Trump igualmente comprometido com seu apoio. A campanha de genocídio de Israel não poderia prosseguir sem o fornecimento constante de bombas e armamentos que saem dos EUA, o que ajuda o país a manter sua política de ‘superioridade qualitativa’ sobre seus vizinhos na região.
Portanto, o governo irlandês está preso entre o apoio popular à Palestina e seu próprio compromisso com a aliança imperialista ocidental, liderada pelos EUA. Sua solução é engajar-se em condenações retóricas a Israel e ações simbólicas para depois, muito provavelmente, ter que se explicar à embaixada dos EUA que o faz por ‘razões políticas’. O governo irlandês não adotará nenhuma medida que minimamente afete Israel ou que realmente aborreça os EUA.
Esse comportamento explica por que a Irlanda, junto com Espanha e Noruega, reconheceu oficialmente o Estado da Palestina. Explica por que o Ministro das Relações Exteriores da Irlanda pediu à UE para ‘reconsiderar’ por que a Israel é permitido fazer parte de um acordo comercial conhecido como Parceria do Mediterrâneo da UE. No entanto, se avançarmos além desse tipo de simbolismo de relações públicas, encontramos uma história diferente. Vejamos alguns exemplos da lacuna entre retórica e ação.
Desde o início do mais recente capítulo da guerra de Israel contra o povo palestino, o governo irlandês se recusou a expulsar o embaixador israelense. Os principais partidos políticos de direita se opõem a qualquer proposta de conselhos e instituições locais de boicotar Israel.
O parlamento irlandês foi aberto para os EUA enquanto eles realizavam uma viagem de lazer ao país. Um avião de carga operado por Israel sobrevoou três vezes o espaço aéreo soberano irlandês a caminho dos EUA para coletar armamentos das Forças de Defesa de Israel (IDF). O exército irlandês fará a aquisição de drones – e provavelmente os contratos serão firmados com uma empresa de vigilância israelense.
Essa lacuna entre a retórica e a prática está motivando o movimento de solidariedade à Palestina a continuar engajado em protestos. A esperança é que os partidos de direita que jogam esse jogo duplo possam ser retirados do poder nas próximas eleições gerais.
Kieran Allen é Secretário Nacional do partido People Before Profit