Camila Jara, deputada federal pelo PT do Mato Grosso do Sul, se sai muito bem no árido terreno das redes sociais – só em seu perfil no Instagram, acumula cerca de 150 mil seguidores. A jovem de 29 anos que está fazendo a diferença na política mato-grossense descarta, no entanto, que a desenvoltura digital tenha a ver com a idade, mas ao trabalho firme ao qual se dedica em seu mandato e a uma mudança de paradigma na comunicação ativista. “A gente precisa se comunicar e enxergar as pessoas de outras maneiras. Se antes o Lula contava que ia na porta da fábrica entregar panfleto, hoje se a gente vai na porta da fábrica a gente não consegue”, disse a deputada, que é pré-candidata a prefeita de Campo Grande, em entrevista à Focus.

Fernanda Otero 

Ricardo Stuckert

A simplicidade de Camila Jara vem de casa, nas lições ensinadas pela avó e pelos pais, ensinamentos que ela sempre refere como sua base fundamental. Dentro de casa aprendeu que “em nosso país, poucos têm muito e muitos têm muito pouco”.  

Questionada sobre o que não poderia faltar em sua apresentação, disse que “para além do cargo que a gente ocupa, ou que a gente está entrando em disputa, sou uma militante sonhadora, que tenho a certeza que vai transformar o mundo”. Na trajetória, Camila foi vereadora pelo PT em Campo Grande de 2021 a 2023, a única mulher eleita para o exercício do mandato em 2020. Em 2022, com mais de 54 mil votos foi a quinta (e única!) mulher a eleger-se deputada federal.

Nesta entrevista à Focus, a parlamentar revela sua experiência ao desenvolver ações pontuais que evidenciam seu engajamento em questões fundamentais para o bem-estar e o desenvolvimento de Campo Grande, indicando uma postura proativa e voltada para o progresso da cidade em futuras atividades no executivo. 

– Eu vou começar fazendo uma pergunta com relação à sua experiência como deputada, sendo a única mulher representando o estado do Mato Grosso, tendo sido também a única mulher também vereadora durante seu mandato em Campo Grande. Como é estar nessa posição?

– Então, com o avanço da política conservadora e da extrema direita no país, as mulheres praticamente foram excluídas da política e do cotidiano político sul-mato-grossense, principalmente no que diz respeito à ocupação de cargos eletivos. Na minha legislatura, fui a única mulher eleita na Câmara de Vereadores e isso representou um grande desafio, estando em um espaço onde nossas pautas não ecoavam de maneira tão óbvia.

Existem questões que, quando nós mulheres discutimos, sabemos que, por exemplo, não conseguimos marcar uma reunião às 11 horas da manhã de um sábado, que é o horário que, em geral, nossos companheiros gostam de marcar, porque grande parte das mulheres é responsável pelo almoço e outras questões maiores também. Quando ocupamos esse espaço, no começo tive muito medo, mas depois entendi que estava lá para representar outras mulheres. E quando ocupamos esses espaços de poder, estamos lá para romper barreiras, porque não queremos conservar a sociedade da maneira que está sendo construída. Da maneira que a sociedade está sendo construída, ela nos mata, nos violenta e nos sujeita a piores condições de trabalho. Temos o compromisso de sempre fazer diferente. E assim tem sido a nossa atuação na Câmara Federal, assim como foi na bancada de vereadores.

– Você está alinhada a outras mulheres da bancada do PT? Como é o trabalho? 

– Hoje o PT tem a maior bancada de mulheres na Câmara e a mais diversa também. Então, eu tenho muito orgulho de estar rodeada por mulheres incríveis e do meu lado. Acho que todo mundo conhece a Benedita da Silva, que coordena a bancada feminina na Câmara, mas internamente, quem está coordenando a nossa bancada é uma mulher negra do centro-sul do país, a Jaque. Nós temos encontros, preparamos nossas pautas e nossas indicações. Também temos uma assessoria própria da bancada. E, dentro da bancada feminina, não só do PT, mas da bancada feminina em geral, conseguimos ter encaminhamentos mais coesos. Às vezes, percebemos que, enquanto o plenário está se debatendo em torno de algumas pautas, nós conseguimos nos reunir, reformular e tentar entrar em consenso e acordo de uma maneira muito mais fácil.

– Como foi essa construção? Pode comentar a importância da aprovação do PL 370/24 em um momento de eleições municipais e de tanta violência digital contra a mulher?

– O que acontece é que nós trabalhamos nossos mandatos populares e lidamos muito com as demandas da população. Essa problemática estava muito evidente: o uso da tecnologia e da inteligência artificial para criar imagens falsas das mulheres como uma forma de coagir seu comportamento. Isso gera danos e aumenta a violência psicológica. Inclusive, era usado em relacionamentos já abusivos, onde o agressor utilizava essas tecnologias para piorar a situação. Tanto eu quanto a Jandira entendemos que essa era uma demanda urgente da sociedade. Nos mobilizamos, e apresentamos esse projeto. Como o dela foi protocolado primeiro, eu assumi a relatoria e conseguimos aprová-lo. Portanto, essa foi uma vitória muito importante para as mulheres do Brasil.

– Deputada, e o seu trabalho nesse projeto que é o Gabinete Compartilhado, como é a sua atuação? São outros deputados de outros partidos, inclusive. Como isso se construiu e como você acha que o universo petista recebe essa novidade?

– O Gabinete Compartilhado, eu digo, é uma experiência grandiosa de democracia. Nós otimizamos os recursos públicos para contratar alguns técnicos, mas temos um entendimento comum de que a política deve funcionar para engajar as pessoas e reduzir as desigualdades. Dividimos um corpo técnico que seria inviável para cada gabinete contratar individualmente devido aos custos elevados, e temos o compromisso de nos debruçar sobre vários temas. Cada um tem uma maneira diferente de pensar e posicionamentos distintos, mas entendemos que a sociedade precisa se desenvolver e que o Estado deve fornecer condições para que todos tenham oportunidades iguais. Acho que isso nos une, e é nossa diversidade que nos torna mais potentes.

– Ainda sobre a sua atuação parlamentar, seu mandato tem projetos para mitigação dos efeitos das mudanças climáticas e chegou a enviar um ofício para o governador do Mato Grosso do Sul sobre essa questão. Como você atua nessa área, especialmente representando uma região tão afetada e sensível, principalmente em relação ao agronegócio?

– Enviamos um ofício com um encaminhamento técnico para criar um grupo de trabalho destinado a desenvolver o plano de mitigação dos efeitos das mudanças climáticas no Mato Grosso do Sul. Esse grupo ainda não foi criado e estamos fortalecendo toda a política para que consigamos levar isso adiante. Esperamos que o governador aproveite o Dia do Meio Ambiente, para mostrar que Mato Grosso do Sul pode estar alinhado e se tornar referência e exemplo nessa área.

– Sua pré-candidatura está colocada hoje em um cenário que, indicam pesquisas, Campo Grande enfrenta 77% dos eleitores e eleitoras ainda sem candidato. Como chegar a esses votos?

– É realmente muita gente indecisa, por isso dizemos que não dá para afirmar quem está muito na frente ou muito atrás, devido ao alto nível de indecisão. Mas temos um cabo eleitoral muito forte, que é o presidente Lula, uma figura muito conhecida e que está realizando diversas entregas para Mato Grosso do Sul e Campo Grande. É através dessas entregas que queremos fortalecer nossa imagem e dialogar com a população. Além disso, vamos organizar plenárias para discutir várias áreas temáticas do município, em diferentes bairros e localidades da cidade, para estar junto à população, captar suas demandas e mostrar que estamos aqui à disposição. Aqui a gente já descobriu que o governador está conseguindo uma alta aprovação muito pelos anúncios do governo federal. Ele é o melhor avaliado e até agora ele só anunciou políticas implementadas pelo governo Lula. Por exemplo, o governo federal mandou viaturas para a polícia em vários estados, inclusive acho que Mato Grosso estava na relação. Isso tudo fica sendo capitalizado pelo governador que em grande medida é adversário nosso. 

– Para quem não é de Mato Grosso do Sul, fica a impressão de que existe um contraste grande da pobreza em relação ao agronegócio. 

– Por incrível que pareça, Campo Grande não é tão dependente do agronegócio como outras partes do país. Aqui, o setor terciário é o que mais movimenta nossa economia. Mas a gente entende que, como Mato Grosso do Sul é um estado que empresta as suas terras para o desenvolvimento do agronegócio e para o enriquecimento de algumas famílias, a gente tem que fazer com que essa riqueza que é produzida através do agronegócio, e é inegável que nosso estado é um estado onde o agronegócio é muito forte, seja redistribuída para todas as pessoas. Afinal, quando falamos sobre a produção agrícola, por exemplo, na região de Dourados, que possui alta produção, isso afeta a população de Campo Grande, pois todos os efeitos positivos e negativos do agronegócio repercutem em toda a sociedade. Portanto, precisamos incentivar um agronegócio responsável, que engloba e fortalece a agricultura familiar e respeita as metas ambientais, pois não é possível continuar produzindo sem respeitar nosso meio ambiente. Precisamos influenciar esses produtores a convencerem outras pessoas de que esse é o melhor modelo de negócio. Além disso, o agronegócio precisa entender que só se fortalece se tivermos uma sociedade menos desigual, onde todos possam ter uma moradia digna, acesso à educação e uma universidade forte, produzindo pesquisas que desenvolvam as melhores tecnologias para preservar o meio ambiente. Nada funciona de maneira isolada e é fundamental que o agronegócio se veja como um precursor do desenvolvimento social. O agro é uma influência, porque eles comandam o interior. Campo Grande é uma cidade que hoje em dia cuida muito bem dos centros urbanos, mas deixa a periferia abandonada. Quando olhamos para o nível nacional, vemos que nosso Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é um pouco maior que a média nacional, muito por conta do setor de serviço ligado ao serviço público. Quando falamos de desigualdade social, São Paulo é uma cidade muito mais desigual do que Campo Grande. A concentração do mercado econômico lá gera mais desigualdade do que a questão do agronegócio aqui. Se analisarmos os números, vemos que, até 15 anos atrás, não tínhamos mapeado a existência de favelas em Campo Grande, mas hoje temos 37 favelas. Isso prova que o abandono das políticas de habitação social do governo Bolsonaro e a falta de compromisso com a moradia digna tiveram consequências diretas no nosso planejamento urbano, deixando milhares de campo-grandenses à própria sorte, vivendo em condições degradantes. A gente sabe que é possível, com o nível de desenvolvimento que a gente tem no governo do Estado, com os programas do governo federal, talvez se tornar a primeira capital do país a erradicar a extrema pobreza. E existe um compromisso com o governo, com o governador, de a gente criar metas plausíveis para que isso se torne uma realidade devido às nossas condições econômicas.

– Qual é o grande diferencial que você identifica nesse período como deputada? O que considera mais expressivo do que já fez e como contribui para uma futura atividade como chefe do executivo?

– Olha, entendo que durante nosso tempo na vereança, conseguimos realizar diversos avanços. Por exemplo, Campo Grande não tinha um plano municipal de saúde mental.  A gente provocou esse debate e conseguiu com muito apoio da categoria, dos profissionais envolvidos, das pessoas do setor de saúde, desenvolver um plano efetivo para que a gente consiga ampliar o nível de acesso à população a tratamentos de saúde mental no município de Campo Grande. Isso não existia anteriormente. Além disso, provocamos debates acerca da revisão do plano diretor, que deveria estar em curso, mas não está. Outro desafio importante é a questão do IPTU progressivo, dada a presença de vazios urbanos em Campo Grande, o que acarreta grandes dificuldades para a população, encarecendo o transporte público e os serviços de água e esgoto. O IPTU progressivo é um importante instrumento para combater a especulação imobiliária e evitar a concentração de propriedades, porém lamentavelmente ainda não está em vigor. Então, propusemos, enquanto na Câmara, a revisão do IPTU progressivo para estabelecer esse instrumento de igualdade e redução de desigualdades em nosso município. Infelizmente, essa revisão não foi realizada pelo Executivo Municipal. Avançamos ainda mais e desenvolvemos a proposta de construção do Hospital Municipal, uma emenda nossa, do Partido dos Trabalhadores que apresentamos recentemente. Campo Grande é uma das raras capitais do país sem um hospital público, o que acarreta enormes consequências para a população: espera de exames por até 79 meses, o que é inaceitável, pois a demora no diagnóstico de doenças pode levar a quadros irreversíveis. Essa deficiência se deve em parte à falta de investimento em saúde de média complexidade, apesar de não ser uma obrigação constitucional dos municípios. Além disso, abordamos a questão do plano de mitigação dos efeitos das mudanças climáticas, que cobramos do Governo do Estado. Já tínhamos desenvolvido esse plano e apresentado um projeto de lei com o objetivo de tornar Campo Grande uma das primeiras capitais a ter esse plano. Enquanto o país enfrenta sérios desafios ambientais, destacamos a urgência dessa questão, especialmente na região do Pantanal, que sofre com problemas relacionados à água. Então, como deputada, identifico que Mato Grosso do Sul foi o estado que mais perdeu superfície aquática nos últimos 27 anos, sem um plano de ação para tratar desse problema específico. Isso acaba afetando diretamente Campo Grande, levando a situações em que alguns bairros da cidade carecem de acesso à água encanada potável. Esse desafio é agravado pelo espaço urbano em expansão e pela seleção arbitrária de quem tem ou não tem acesso a esse recurso essencial. Com o decorrer das mudanças climáticas, a tendência é que essa problemática se intensifique, afetando não só a disponibilidade de água, mas também aspectos como a falta de climatização nas escolas, prejudicando o aprendizado dos alunos. Durante meu tempo como vereadora, me deparei com essas questões e agora, como deputada federal, tenho a oportunidade de ampliar esses debates de forma mais incisiva. Além de garantir emendas parlamentares para executar projetos como a casa de parto, que atende a demandas essenciais das mulheres por escolhas no processo de parto, tenho focado na habitação. O programa “Minha Casa Minha Vida” se tornou uma fonte de esperança para aqueles que perderam a fé, particularmente em cenários onde ocupações há anos carecem de um plano claro de habitação municipal. A concretização dessas propostas, anteriormente cobradas do Executivo Municipal, agora em andamento com apoio do Governo Federal, me enche de satisfação. Com confiança na parceria com o Governo Lula, acredito que poderemos alcançar ainda mais progresso e prosperidade.

– A senhora é muito ativa nas redes sociais, o fato de ser jovem te coloca em vantagem, você mesma lida com suas redes? 

– Eu acho que não é tanto, as pessoas ligam muito à idade, mas eu acho que é uma nova maneira de se comunicar e enxergar as pessoas, e a gente precisa se comunicar e enxergar as pessoas de outras maneiras. Se antes o Lula contava que ia na porta da fábrica entregar panfleto, hoje se a gente vai na porta da fábrica a gente não consegue, porque não tem mais uma entrada única dos trabalhadores, né? Eles entram em turnos separados, e é muita dificuldade de pegar todo mundo, quando com um canal, ou uma live, ou um grupo de WhatsApp, a gente consegue alcançar muito mais pessoas do que se a gente estivesse encontrando essas pessoas presencialmente. Então é uma maneira de nos conectarmos com as pessoas, e as pessoas se sentirem mais próximas da política também.

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