Em guinada extremista no Parlamento Europeu, partidos que se identificam de direita e centro-direita terão 395 das 402 cadeiras eleitas, uma derrota política expressiva em especial para França e Alemanha, com avanço de forças políticas nacionalistas: o maior desde 1950

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No último domingo (9), a comunidade internacional foi pega de surpresa, após acompanhar com aflição os resultados parciais das eleições para o Parlamento Europeu. O presidente da França, Emmanuel Macron, tomou conta das manchetes antes mesmo de resultados ganharem força de manchete: anunciou que iria dissolver a Assembleia Nacional do país e convocar novas eleições. 

O motivo é o mesmo que preocupava parte do mundo: o avanço da extrema-direita no território europeu vaticinado pelas eleições para o Parlamento. Além da reação de Macron, na Bélgica, Alexander de Croo, primeiro-ministro do país, anunciou renúncia após os resultados apurados nas prévias.

Especialistas e jornalistas ao redor do mundo e nomes de forças democráticas apontam o resultado como a maior guinada da Europa à extrema-direita desde os anos 1950. Houve um avanço significativo de siglas consideradas ultraconservadores, populistas, xenófobos e de extrema direita, principalmente na Alemanha, Holanda, Áustria, Itália e França. 

A composição das cadeiras resulta em um desenho, em princípio, trágico para as forças progressistas e, apesar de, mais que acender o alerta, mas sim as máquinas para frear o extremismo, mostra também que há resistência de forças progressistas e resiliência de forças democráticas. 

Gráficos de análise de jornais como The Guardian e Le Monde ajudam, no entanto, a compreender o resultado além da grita e reforça a tendência de crescimento da ultradireita, mas aponta o que seria um crescimento moderado. O grupo político da extremista Giorgia Meloni (Grupo Conservadores e Reformistas da Europa), primeira-ministra da Itália, conquistou quatro vagas no Parlamento, um crescimento de 5,8%, um total de 73 cadeiras, ou seja, cerca de 10% das 720 vagas. A sigla Identidade e Democracia, chefiada por outra extremista, o apavoro de Macron, a francesa Marine Le Pen, cresceu 18,3% e agora ocupa 58 cadeiras. No tabuleiro atual, seriam estes o cenário menos pior possível? Talvez sim. Escanteados até mesmo pelas duas supracitadas, os “ultradireitistas rejeitados” pelas duas siglas por terem expressiva identidade neonazista somam-se a eles na constituição nova do Parlamento, chamando atenção especial a  Alternativa para a Alemanha (AfD) elegeu 15 eurodeputados, perdendo quatro cadeiras.

Por outro lado, a política neoliberalista europeia, esta sim preocupadíssima com o avanço do filhote das guerras, o extremismo nacionalista, foi quem mais saiu perdendo. O bloco neoliberal Renovação, de Macron, recuou em 22,5% na composição da bancada, restando somente 79 eurodeputados. 

Na Alemanha, o cenário não é muito distante deste viés de análise. O bloco dos Verdes, do qual faz parte a ministra das Relações Exteriores da Alemanha, Anna Lena Bareback, o recuo foi maior, de quase 30%, chegando a 27,8% de redução de cadeiras. Essas foram as duas grandes derrotas, a princípio, e que de fato mexem no colorido da composição do Parlamento (ver gráfico). 

O que podemos considerar como a centro-direita dos blocos, assim como o restante, em análise superficial, manteve-se igual. O Partido Popular Europeu (EEP) segue como o maior detentor de cadeiras no Parlamento, com 185 cadeiras, o que representa, inclusive, um salto de 19 cadeiras em relação a 2019. Já os blocos considerados social-democratas perderam duas cadeiras, ainda assim, como no caso do EEP, permanece como segundo maior grupo no Parlamento, com 137 cadeiras. 

Além de chacoalhar as forças progressistas e acender um alerta, o resultado também é preocupante para os capitalistas e neoliberais da Europa, que só sentiu o sabor amargo do avanço da extrema-direita em período de guerras que caminham lado a lado, no Oriente Médio e na Ucrânia, quando o povo europeu começou a perder acesso a direitos sociais diante das políticas econômicas austeras adotadas pelo bloco, o que causou levantes e manifestações em todo o continente, em especial na França e na Alemanha, países que saem desgastados do pleito, com população insatisfeita e futuro político incerto. 

O bloco parlamentar do presidente Macron obteve 44,8% das cadeiras na Assembleia Nacional há menos de dois anos, e agora conquistou somente 16%. Uma derrota acachapante. Em cenário que se repete mundo afora, a ultradireita viu o vácuo da divisão da esquerda e cresceu. Macron amargou a derrota para sua principal adversária, a ultradireitista Marine Le Pen. Seu grupo, a Reunião Nacional, conquistou 31,4% das cadeiras, contra 18,27% do último pleito, em 2022. 

Também vivendo ebulição social em consequência da Guerra na Ucrânia, que tem o apoio da OTAN, a Alemanha teve resposta do povo. Uma resposta inédita desde o movimento nazista alemão, aliás. O governo de coalizão alemão, que tinha mais da metade das “vagas” do país no Parlamento Europeu viu a participação cair de 56,7% para 31%, contra um aumento de 26,7% para 30% da direita alemã, formada por partidos conservadores. A ultradireita nacionalista e neonazista cresceu de 10,5% de participação na composição para 15,9%.

Forças progressistas avançam com mulheres na liderança

MULHERES NA DIANTEIRA – Sahra Wagenknecht, Líder do novo partido alemão BSW, ganha espaço na esquerda europeia e estreou no Bloco com vitória

Em leitura imediata, perde muito a esquerda com o avanço da extrema-direita, mas apresenta-se também uma reconfiguração de forças que vai exigir um movimento de união de forças progressistas e recuo da austeridade de partidos neoliberais da direita europeia, que perdeu espaço para o extremismo que chocou. 

O bloco parlamentar A Esquerda, que já reuniu 52 parlamentares no início da última década, se vê hoje reduzido a apenas 36 cadeiras. Em meio ao emparedamento, no entanto, dois resultados animadores podem dar a leitura de novos caminhos e tendências, de duas mulheres

Porém destacam-se, em meio ao estancamento, dois resultados que podem indicar tendências. Na Alemanha, o supracitado BSW, criado recentemente, conquistou 6,2%, uma estreia animadora frente aos resultados de siglas e grupos consistentes que perderam, em vez de crescer. O grupo alemão é liderado pela deputada Sahra Wagenknecht. 

O outro é resultado modulado e liderado por uma força política feminina vem da Itália, o Partido Democratico (PD), que ganhou ares de renovação com a secretária-geral Elly Schlein. O partido conseguiu a marca de 27,6% dos votos nas eleições para o parlamento europeu, perdendo por somente quatro pontos para a ultradireita do país. 

Destacam-se também o resultado de outros partidos europeus alinhados à esquerda, como na Finlândia (Aliança de Esquerda: 17.3%), Grécia (Coalizão de Esquerda Radical: 14,9%), Suécia (Partido de Esquerda: 10,9%) Portugal (Bloco de Esquerda e PC somaram 8,4%) e Bélgica (Partido do Trabalho, com 5,6%). Os nórdicos surpreenderam também e deram resposta ao extremismo: na Suécia, os fascistas autointitulados “Democratas” caíram para 14,3% dos votos, contra 20,6% do resultado em 2022. Na Finlândia, os Verdadeiros Finlandeses, de ultradireita, amargaram uma derrota gorda: reduziram-se a 7,6%. 

Os resultados das eleições do Parlamento Europeu que chegam ao restante do mundo são, de fato, preocupantes para a esquerda e demonstram um alinhamento de forças extremistas em todo o globo, mas também mostram a força de reação de partidos progressistas em frente de resistência ao avanço da ultradireita. 

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