Gleide Andrade*

No ano de 1961, três sacerdotes vinculados à Cáritas empreenderam esforços a fim de assistir a população socialmente vulnerável, projeto que recebeu o nome de Campanha da Fraternidade (CF). Na Quaresma do ano seguinte, a CF foi oficialmente realizada no Rio Grande do Norte, na cidade de Natal. A ação em terra potiguar foi tão positiva que, em 1963, dezesseis dioceses nordestinas surgiram na execução dessa iniciativa. Assim, em 1964, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) estendeu a Campanha da Fraternidade em nível nacional com o tema “Igreja em Renovação”.     

A CF é, de fato, uma renovação para toda a Igreja, porque se expressa na partilha, na comunhão e na conversão. Na partilha, porque desperta o espírito comunitário e solícito do povo de Deus, comprometendo na busca do bem comum; na comunhão, por revelar a busca pela elaboração da fraternidade, que se traduz no princípio da solidariedade; e, na conversão, na tentativa de deixar-se transformar pela mensagem fecunda advinda da Boa Nova. 

É no contexto do Concílio Vaticano II (1962-1965) que a Igreja inicia um horizonte de renovação pastoral. A Campanha da Fraternidade, então, se erige e constitui. E é justamente por ser um convite à conversão pautada na justiça social, na destinação universal dos bens, dignidade da pessoa humana e no bem comum, que ela ocorre no período quaresmal, época de nos convertermos aos preceitos do Evangelho, orientados pelos princípios da Doutrina Social da Igreja (DSI).

A cada ano, a CF apresenta uma temática que é objeto de reflexões que impulsionam ações substanciadas na solidariedade. A prática lactada na esperança ativa, edificada no verbo esperançar, transforma realidades de povos nas periferias existenciais marcados pela exclusão, pobreza, forme e discriminação, aqueles pelos quais devemos ter a opção preferencial. A CF é, em sua essência, o diálogo da Igreja com a sociedade, é o caminho para os cristãos se fazerem sal da terra e luz do mundo, é a tradução daqueles que acolhem as palavras do Evangelho e as põem em prática. 

Neste ano de 2024, com inspiração na Encíclica Fratelli Tutti, do Papa Francisco, a CF porta como tema “Fraternidade e Amizade Social”, cujo lema está contido na passagem bíblica: “Vós sois todos irmãos e irmãs” (Mt 23:8). A palavra “fraternidade” significa frater, irmão; e, no seu derivado fraternitas, confere a ideia de irmandade, de afeição entre irmãos. O termo “amizade” tem origem em amicus, que significa amigo, uma relação que se constitui na afetividade entre pessoas, que, em comunhão, se envolvem mutuamente na lealdade e no altruísmo. Já o vocábulo “social” diz respeito àquilo que pertence ou que é relativo à sociedade, que se entende pelo conjunto de indivíduos que interagem entre si, o que forma uma comunidade. 

Ao observarmos a etimologia das palavras que compõem o tema da Campanha da Fraternidade, verifica-se que são todas de origem latina. Elas se complementam de maneira recíproca e se potencializam no sentido do afeto ao próximo, que é o fundamento da vivência cristã. A CF-2024 é um despertar para a magnitude da fraternidade humana, sustentada nos vínculos da amizade social, a fim de que a experiência cristã da afeição humana se torne uma realidade para todas as pessoas e todos os povos. A amizade social, nas palavras do Papa Francisco, é a ação que deriva de uma união que se propaga cada vez mais para o outro, considerando-o precioso, digno, aprazível e bom. Esse referencial de amizade supera as dicotomias que separam irmãos, geram polarizações e comprometem o futuro da humanidade.

A fraternidade e a amizade social são conceitos interligados que realçam a importância de construir relações e de promover um sentido de comunidade e solidariedade entre indivíduos e grupos. A fraternidade refere-se tipicamente a um vínculo ou relação de irmandade, unidade e apoio mútuo. Enfatiza a ideia de tratar os outros com bondade, respeito e compaixão, independentemente das diferenças de origem, crenças ou identidade.

A amizade social alarga esta noção ao realçar a necessidade de interligação e cooperação na sociedade. Encoraja as pessoas a estenderem a mão aos outros, a construírem pontes para além das divisões e a trabalharem em conjunto para o bem comum. A amizade social promove a empatia, a compreensão e um sentido de responsabilidade partilhada para criar um mundo mais justo e inclusivo.

Em termos práticos, a promoção da fraternidade e da amizade social envolve iniciativas e ações que promovem a inclusão, o diálogo e a colaboração. Isso pode incluir programas de sensibilização da comunidade, intercâmbios culturais, defesa dos direitos humanos e da justiça social, e esforços para resolver questões como a pobreza, a discriminação e a desigualdade. Ao abraçar a fraternidade e a amizade social, os indivíduos e as comunidades podem contribuir para a construção de uma sociedade mais harmoniosa e compassiva.
Gleide Andrade é Secretária Nacional de Planejamento e Finanças do Partido dos Trabalhadores. É graduada em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG). É ativista e militante do Partido dos Trabalhadores desde 1986.

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