Novo apagão na cidade de São Paulo confirma incompetência da Enel na gestão de energia elétrica e coloca projeto de privatização estadual em xeque; futuro da Sabesp está ameaçado?

Na última sexta-feira, 22, os bairros do centro da capital paulista completavam um ciclo de cinco dias consecutivos de interrupções no fornecimento de energia elétrica pela concessionária Enel. Desde a última segunda-feira, 18, os bairros mais afetados incluem Consolação, Bela Vista, Vila Buarque, Santa Cecília, Higienópolis e Campos Elíseos. 

São Paulo no escuro: um apagão anunciado

O problema vem de longe. No dia 31 de janeiro deste ano, São Paulo ficou no escuro – era só o começo. Embora a justificativa oficial tenha sido os ventos de até 100 quilômetros por hora e a tempestade que atingiu todo o Estado naquela data, o tempo firme não mudou a situação. 

Uma semana depois, parte das 2 milhões de pessoas atingidas ainda permanecia no escuro. O nome do problema era outro: Grupo Enel, a empresa italiana que controla a distribuição de energia elétrica na maior cidade do país desde 2018, quando realizou a compra da Eletropaulo. 

Menos de dois meses depois, em 18 de março, um novo apagão atinge a capital. “Eu desisti de esperar a luz voltar e fui obrigado a me hospedar na casa de um amigo. Não é a primeira vez que isso acontece, mas agora passou de todos os limites”, relatou o designer Marcos Xotoko, que mora no bairro de Santa Cecília.

A indignação do designer é a mesma dos milhares de comerciantes da região, que contabilizam prejuízos incalculáveis e correm riscos de fechar as portas. “O comércio aqui da minha rua mal conseguiu vender durante esta semana inteira. Vi uma padaria jogando caixas e caixas de comida fora. Agora tem que saber quem vai pagar essa conta”, questiona Xotoko. 

A depender da Enel, nenhuma indenização será paga. Mesmo sob a mira do Ministério Público a concessionária tem se recusado a assinar qualquer tipo de acordo para ressarcir as vítimas das constantes falhas operacionais da empresa. A maior parte delas causada pela morosidade em reparar danos na rede de distribuição de energia. 

Segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), de 2021 a fevereiro de 2024, o tempo de atendimento das ocorrências emergenciais passou de cerca de 9h para quase 16h – aumento de impressionantes 81%. 

Não para por aí: mesmo sem luz, o cliente segue literalmente pagando as contas pela incompetência da companhia. Ainda segundo a Aneel, de 2021 a  2023, o valor que a empresa teve que deduzir da fatura dos clientes – por falhas na prestação de serviço – saltou de R$ 60,8 milhões para R$ 105 milhões em 2023. Ou seja, o “chute” no valor da conta ficou 70% maior. 

Nem só em SP; nem só a Enel

Embora tenha apresentado dados que endossem a ineficácia da companhia italiana, a Aneel não tem feito trabalho de fiscalização à altura dos problemas ocorridos recentemente. É o que pensa Jorge Bittar, diretor de Formação da Fundação Perseu Abramo, engenheiro eletrônico e membro do Conselho de Administração da Telebras, empresa da qual já foi presidente. “Os apagões, infelizmente, não são exclusividade de São Paulo. Aqui no Rio de Janeiro, de onde falo, acontecem problemas semelhantes com a Light, uma das concessionárias de energia do Estado. O problema tem se arrastado por anos sem que a Aneel tome medidas consistentes. A fiscalização ainda é bastante frágil”, aponta. 

Para Bittar, as empresas têm totais condições de identificar problemas nas redes de energia e realizar reparos rapidamente. “Mesmo com alto faturamento, empresas como a Enel nunca realizaram investimentos reais na modernização das redes, dos serviços e na contratação de equipes capacitadas para atender uma cidade como São Paulo. Isso faz com que, a cada novo problema, a população tenha enormes prejuízos”. 

A Aneel se defende e tem divulgado diversos balanços para tentar evitar que a pressão sobre ela aumente. Num deles, diz ter recebido mais de R$ 1 bilhão em compensações das distribuidoras por falta de energia.

No caso da Enel, várias são as iniciativas para que a empresa tome providências imediatas. Na terça-feira, 19, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, encaminhou ofício à Agência determinando “célere e rígida apuração dos fatos, bem como responsabilização e punição rigorosa da concessionária”, que tem apresentado problemas constantes. A empresa também foi notificada pelo Procon-SP para que envie informações detalhadas sobre as interrupções no fornecimento de energia elétrica. 

De acordo com a Constituição, o governo federal é o responsável pelo serviço de energia no país e repassa a operação para empresas privadas por meio de concessão. Todas elas prestam conta para a Aneel, que existe para garantir que o serviço seja entregue à população.

Alguns dos principais contratos de concessão do Brasil vencem em 2028 e poderão ser revistos ou até anulados. 

O futuro incerto da Sabesp

São Paulo no escuro: um apagão anunciado

Com previsão para ser entregue à iniciativa privada ainda este ano, a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) registrou aumento líquido de 12,9% nos lucros em 2023. Isso representa R$ 3,5 bilhões e possibilidade de colocar em prática uma série de projeto para beneficiar a população. Com dinheiro de sobra em caixa, a empresa de água e saneamento poderia seguir sob a gerência estatal não fosse o projeto entreguista do governador Tarcísio de Freitas. 

A decisão de entregar a Sabesp ao setor privado contraria também a própria opinião pública. Pesquisa feita pelo Datafolha ano passado mostra que 53% dos paulistas são contrários à privatização da companhia. Enquanto isso, 40% são a favor. 

Contrária à privatização, a bancada do PT na Assembleia Legislativa de São Paulo apresentou diversas ações que caracterizam a venda como inconstitucional. O principal argumento do partido na ação é de que a proposta teria que tramitar em formato de PEC, Proposta de Emenda Constitucional, e não de PL, Projeto de Lei, como foi feita. 

Outro ponto apresentado foi a falta de estudos consistentes para justificar a privatização, além da falta de detalhamento das regras para impedir decisões unilaterais dos futuros acionistas. “O Estado de São Paulo fica com poder de veto apenas sobre questões alheias às decisões estratégicas da companhia na execução do serviço de saneamento”, detalha o documento apresentado pelo partido.