Artigo: o Equador e o Fracasso da “Guerra às Drogas”
Marcelo Zero*
O que acontece agora no Equador é mais uma demonstração do retumbante fracasso da “guerra às drogas”.
Lançada, em 1971, por Richard Nixon, a “guerra às drogas” já teria consumido mais de US$ 1 trilhão, somente do orçamento federal estadunidense, ao longo de 52 anos.
Resultados? Nulos ou praticamente nulos.
Não houve redução do consumo de drogas ilegais. Ao contrário, esse mercado continua bastante aquecido.
Também não houve redução das mortes por overdose. Na realidade, o uso de opioides sintéticos tem aumentado essas mortes, especialmente nos EUA.
Fonte: Stefan Anderson, Health Systems
Contudo, o problema maior não está na inutilidade dessa “guerra”. Está nos seus efeitos nocivos e contraproducentes.
A falta de uma política racional de controle da produção e consumo de drogas e a imposição de uma atitude de “intolerância zero” e simplista em relação a um fenômeno complexo alimentam financeiramente as gangues do narcotráfico e a violência a elas associadas.
Tal como aconteceu com a Lei Seca nos EUA, que “encheu as burras” de gente como Al Capone, aumentou exponencialmente a criminalidade e corrompeu estruturas do Estado, a “guerra às drogas” produz também muitos efeitos semelhantes.
Em primeiro lugar, contribui para injetar dinheiro, muito dinheiro, em atividades ilegais. Como a demanda permanece muito alta, especialmente nos EUA, maior mercado mundial, e na Europa, o tráfico de drogas é extremamente lucrativo, gerando, de acordo com algumas fontes, mais de US$ 700 bilhões por ano.
Esse número, embora impressionante, é bem menos da metade do mercado mundial de bebidas alcoólicas, uma droga legal, estimado em US$ 1,678 trilhão, em 2023.
O problema está, obviamente, no fato que essa soma estratosférica de dinheiro do tráfico de drogas ilegais não vai para empresas que se submetem ao controle de órgãos públicos, como no caso das empresas que produzem bebidas alcoólicas. Ela vai inteiramente para criminosos, estimulando a criação de organizações muito poderosas, que se infiltram em todos os campos, inclusive o financeiro.
Além disso, essa produção e comercialização não paga impostos (somente propinas) e escapa do controle da saúde pública, que tem que arcar com as consequências do consumo, gerando, dessa forma, um duplo custo para o Estado.
Em países em desenvolvimento, com Estados frágeis (normalmente os países produtores e comercializadores), essas organizações acabam se incorporando às estruturas governamentais. Isso cria problemas muito sérios, inclusive de governabilidade.
Em segundo lugar, a inflexível “guerra às drogas” tende a encarcerar em massa, especialmente jovens pobres, negros ou indígenas, tanto em países consumidores, como os EUA, quanto em países produtores. Esse encarceramento massivo, somado a sistemas prisionais medievais, acaba tornando os cárceres centros de recrutamento e gerenciamento do crime organizado, como acontece agora no Equador. Ademais, tal fenômeno gera um problema social gravíssimo.
Do ponto de vista geopolítico, a “guerra às drogas” é, até certo ponto, uma imposição dos EUA a países produtores e comercializadores, especialmente latino-americanos. México, Colômbia e, agora, o Equador, sofrem bastante com as consequências de uma política inútil e contraproducente.
Essa política precisa ser revista.
Não há, é claro, alternativas mágicas e simples. Mas talvez o exemplo de Portugal, que descriminalizou o consumo de todas as drogas ilícitas (não apenas a maconha), em 2001, possa inspirar alternativas racionais e mais eficientes para um problema tão complexo e multifacetado.
Há, de fato, uma ampla literatura científica que mostra como o tipo de política adotado por Portugal reduz a morte por overdose e melhora a saúde dos consumidores. Também aumenta a segurança e diminui a criminalidade. E, ao contrário do que se poderia esperar, o consumo de heroína e de cocaína, duas das drogas mais problemáticas, caiu de 1% da população portuguesa para apenas 0,3%.
Assim, a substituição de uma política inflexível e intolerante, como a da “guerra às drogas”, por uma política mais racional, flexível e humana parece funcionar.
É algo que precisamos estudar e considerar.
Conforme teria dito Albert Einstein, insanidade é continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes.
A “guerra às drogas” é insana.
*Marcelo Zero é sociólogo, especialista em Relações Internacionais e assessor da liderança do PT no Senado.