Por Dandara Tonantzin Silva Castro

A lei 12.711, que cria a Lei de Cotas, previa que depois de dez anos se faça uma avaliação. Então, setores conservadores aproveitaram que completava dez anos em 2022 para dizer que as cotas acabariam. Nós nos organizamos na sociedade civil, eu ainda não era deputada, para não deixar os conservadores de extrema direita pegarem a relatoria do projeto. Então, o deputado Bira do Pindaré (PSB-MA) cumpriu um papel muito importante, inclusive para não deixar piorar o projeto de lei. Neste ano, assim que eu fui eleita e tomamos posse, o movimento negro brasileiro nos chamou à responsabilidade de assumir essa relatoria, porque eu sou uma deputada negra do movimento negro. Foi muito duro fazer os debates avançarem, mas conseguimos, porque criamos uma pressão e uma legitimidade de fora para dentro. Os primeiros quatro meses do meu mandato foram dedicados a construir o melhor texto possível para chegar ao Congresso em um outro patamar de negociação. Estive em 15 universidades federais, 12 institutos, nos reunimos na Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior), com o Fórum de Pró-Reitores de Assuntos Estudantis, de Extensão, estive na UNE, me encontrei com secundaristas e com o conjunto das diversidades dos movimentos brasileiros: Coalizão Negra, Convergência Negra, Frente Favela Brasil. Até conseguirmos chegar a dez pontos fundamentais para corrigir algumas distorções da Lei de Cotas. E, ao apresentar esses dez pontos em uma grande audiência pública, percebi que a Lei de Cotas ganhou muita legitimidade, porque tem um legado importante. Passamos dez anos disputando os rumos da universidade, entrando e permanecendo. Isso não é pouca coisa. Então eu fiquei muito feliz de ver a força e que a gente conseguiu logo que apresentou esse texto.

Também foram muito intensas as rodadas de diálogo e negociação com os deputados. Falei com todos os líderes de bancadas, de blocos da Câmara, porque eu queria muito que a gente conseguisse sair do discurso senso comum. Não dava para debater as cotas sobre aquele plano de dez anos atrás. Tivemos de debater as cotas a partir dos resultados das cotas e dos cotistas. Chegamos à negociação com dez pontos, achando que sairíamos com cinco ou seis, mas saímos com nove. O único ponto que caiu nas negociações foram as bancas de aferição estarem dentro da lei, o que, em nosso entendimento, não prejudica, já que as universidades têm autonomia para continuar implementando algo que elas já fazem, as bancas de heteroidentificação.

Conseguimos avançar em nove pontos. Colocamos que, primeiro, todo candidato concorrerá pela nota da ampla concorrência. Se ele não atingir a nota de corte da ampla concorrência, passa a concorrer na vaga da cota. O MEC nos mostrou que se estivesse valendo esse critério no Enem passado, isso significaria 9 mil pessoas cotistas a mais entrando nas universidades. Segundo, garantimos a prioridade dos cotistas receberem bolsa permanência e fizemos uma revisão de renda, trazendo a cota de renda para um salário mínimo. Também tornamos obrigatória a cota quilombola. E a obrigatoriedade de ações afirmativas no âmbito da pós-graduação, o que é fundamental para enegrecer também o mestrado e o doutorado. E instituímos que a vaga remanescente, ociosa, será destinada a suprir cotas de pessoas com deficiência, pessoas pretas, indígenas, quilombolas. Ela retorna a essas subcotas para justamente fortalecer a proporção de cotistas nas universidades.

Pensando nos próximos desafios, nós precisamos investir no tripé universitário, que é o ensino, a pesquisa e a extensão. Mas eu ouso dizer no quadripé universitário, porque sem alinhar tudo isso à assistência estudantil, essa mesa não se sustenta. Precisamos garantir bolsas para que o estudante viva a universidade em sua integralidade, uma experiência de fato completa. Que possa pesquisar, fazer extensão, ir para a base, que desde a graduação possa romper com aquela dimensão de objeto de pesquisa e passe a ser sujeito de pesquisa, participar de grupos de estudo. E também disputar a validação de saber, de conhecimento no interior da academia, já que ainda vivemos hoje um epistemicídio: matam as nossas referências, as nossas produções epistemológicas. E precisamos ainda garantir condições de entrada e de permanência. Então, a bolsa alimentação, bolsa estudantil, bolsa moradia, transporte, o auxílio creche não é pouca coisa. Por isso também nós lutamos tanto para que o Pnaes, que é o Plano Nacional de Assistência Estudantil, pudesse se tornar lei. Foi aprovado com a relatoria da deputada Alice Portugal (PCdoB-BA) na Câmara e passa agora para o Senado. Nós queremos avançar, inclusive, na destinação de Orçamento da União para a assistência permanente estudantil.

Dandara Tonantzin Silva Castro, deputada federal (PT-MG), relatora da Lei de Cotas e professora, em depoimento a Rose Silva

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