O negacionismo levanta voz contra as vacinas mais uma vez. Fraco no passado, movimento anti-vax tem ganhado cada vez mais destaque com apoio de disparos de notícias falsas

Isaías Dalle

O Ministério da Saúde anunciou que vai incluir no calendário permanente de vacinação o antígeno contra a Covid-19 em 2024. Crianças de seis meses a cinco anos de idade, pessoas portadoras de comorbidades e idosos vão receber essa vacina como parte do Programa Nacional de Imunização (PNI), entre outras 48 vacinas do programa. 

Bastou a ministra Nísia Andrade anunciar que a vacina contra a Covid vai entrar no calendário oficial para que parlamentares da oposição protocolassem um requerimento para que ela vá ao Congresso se explicar. A audiência tem data prevista para o próximo dia 28

A grita de parlamentares e bolsonaristas inclui desde uma suposta arbitrariedade do governo em relação à obrigatoriedade da vacina bem como a disseminação de fake news contra “terríveis males” que vacinas poderiam causar às crianças. Enquanto não se descobre uma vacina de efeito rápido contra o negacionismo e a ignorância, o ministério vai atuar em outra frente. Com a criação do programa Saúde com Ciência, iniciado em outubro, uma campanha de combate a desinformação e mentiras vai tentar aplacar o movimento antivacina, com a ajuda de peças publicitárias e um site dedicado a desmascarar fake news.

O movimento antivacina parece incansável. Pesquisa divulgada pelo Ministério da Saúde, também em outubro, mostra a intensa atividade dos negacionistas nas redes sociais. Entre os meses de julho e setembro deste ano, mapeamento diário das mídias sociais e plataformas digitais identificou mais de 6,8 mil conteúdos com desinformação sobre vacinas, impactando mais de 23,3 milhões de pessoas. Esse monitoramento das redes, feito com o apoio da Fiocruz, apontou também quais as mentiras mais frequentes:

– vacinas contra Covid-19 são experimentos e não têm comprovação científica;

– vacinas causam doenças, como câncer, Aids ou diabetes;

– vacinas de Covid-19 causam modificações na corrente sanguínea ou no DNA;

– após aplicação das vacinas, a população passa a ter um chip no corpo;

– número de mortes por Covid-19 foi falsificado para assustar a população e aplicar vacina experimental;

– Bill Gates participou da criação do vírus em laboratório, com a intenção de espalhar a vacina, cujo objetivo final é exterminar os mais pobres.

O maior dano causado por tais boatos sem nenhuma referência em dados ou evidências se dá no mundo real. A taxa de vacinação no Brasil continua bastante baixa. Até o mês de julho, segundo o Ministério, apenas 13% da população havia recebido a chamada vacina bivalente, a quinta dose oferecida. Entre as crianças de seis meses a cinco anos, a taxa daquelas que haviam tomado pelo menos duas doses era ainda menor: 11,4%.

No caso das três primeiras doses, a taxa de vacinados era um pouco maior até o final de 2022, tendo chegado a 58,46% da população. Ainda assim, bastante baixa. Presume-se que a menor letalidade da Covid observada a partir daquele ano, embora possa ser creditada justamente à imunização, tenha afastado ainda mais as pessoas das filas para tomar vacina.

Ainda que com taxas abaixo do ideal, é a vacinação que tem garantido o número reduzido de mortes, mesmo quando o número de infectados sobe, como aconteceu recentemente no país. O mais recente boletim Infogripe, da Fiocruz, sobre casos de síndrome respiratória aguda (SRAG), divulgado no dia 9 de novembro, aponta um quadro de aumento de internações semanais associadas à Covid-19 na Bahia, acompanhando o crescimento já verificado nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo. Cerca de 15% desses novos casos de internação referem-se a crianças entre zero e quatro anos de idade. Antes da ampliação das taxas de vacinação da população adulta, crianças nessa faixa etária respondiam por cerca de 1% dos casos, segundo a Fiocruz.

De acordo com o coordenador do Infogripe e pesquisador do Programa de Computação Científica da Fiocruz, Marcelo Gomes, a maior imunização dos adultos torna o público infantil o novo alvo preferencial do vírus mutante. “Por isso, é tão importante vacinarmos nossas crianças pequenas. É algo similar ao que vemos na própria gripe, por exemplo”, disse ele.

Diante das reações ao anúncio de que a vacina vai fazer parte do calendário de vacinações, o Ministério se prepara para ampliar o convencimento de pais e responsáveis. Parte do projeto Saúde com Ciência é resultado de um acordo feito com grandes plataformas digitais, como Google e Meta. Ao digitar a palavra “vacina” nas ferramentas de pesquisa, por exemplo, os internautas vão receber, em primeiro lugar na lista de respostas, material oferecido pelo Ministério da Saúde. A campanha pretende envolver outras pastas do governo, como a Secretaria de Comunicação e o Ministério da Justiça.

`