Adaptação para o teatro da obra de Virginie Despentes tem dramaturgia de Márcia Bechara e direção de Yara de Novaes. No elenco, as atrizes Amanda Lyra, Ivy Souza e Verónica Valenttino

No dia 17 de novembro, o Sesc Bom Retiro receberá a “peça furacão” Teoria King Kong, com dramaturgia assinada por Márcia Bechara, tradutora do livro do francês para o português. Esgotada, a obra de Virginie Despentes foi publicada no Brasil em 2017, pela n-1 Edições, uma década depois da publicação original na França. 

A adaptação do livro para o teatro foi um processo coletivo, com participação do elenco, que contribuiu com a dramaturgia. Um período de criação “muito transformador”, define a atriz Amanda Lyra, em conversa com a Focus. “A peça é uma escolha de como contar sobre essa violência. Isso não diminui a densidade, a profundidade e a nossa responsabilidade para com o relato”. 

“Tentamos entender isso a partir da nossa experiência, dos nossos corpos no mundo, e acho que isso dá uma potência para o discurso, somando e validando o que ela diz”, completa a colega Amanda Lyra. 

A adaptação de Bechara coloca no palco um mergulho da própria experiência do encontro com o texto incômodo de Virginie e passeia também pelo processo de tradução para a edição brasileira. 

No texto original, a autora narra em primeira pessoa experiências desconcertantes que apontam o dedo para problemas estruturais de uma sociedade que sufoca, estereotipa e explora a condição feminina – discutindo também questões como “classificações” de gênero e ativismo.  No elenco, um verdadeiro furacão interage com a cenografia de Dina Salém Levy, que hipnotiza o espectador, que não está ali em vão. Os movimentos com a direção de Murillo Basso conduzem as atrizes Amanda Lyra, Ivy Souza e Verónica Valenttino num vórtice narrativo que desconcerta e apresenta vertigens próprias, incorporando o corpo e as palavras da tradutora e narrando experiências e trajetórias próprias. 

Pode-se dizer que o incômodo nada mais é, no entanto, que um chamado ao espectador à parte que lhe cabe diante do que é narrado: estupros, abusos, glórias, rótulos, obstáculos. Tudo se desmancha em fragmentos de pneus reciclados. Quem assiste visita outro planeta, o planeta que não frequenta, que ignora e que prefere não acompanhar. O susto é a responsabilidade colocada em cada um diante da dor do outro. 

Uma construção ‘king kong’

Durante a pandemia da Covid em 2021, a diretora Yara de Novaes foi procurada pelas produtoras de teatro Verônica Prates e Valência Losada, da Quintal Produções. O primeiro ato foi montar a dramaturgia, que ficou a cargo de Márcia Bechara, atriz, escritora e tradutora.

Sem nenhuma demagogia, sem nenhum proselitismo, esse foi um dos melhores encontros da minha vida, teatralmente falando, como criadora, como mulher”, registra Bechara. 

“Eu e Márcia nos conhecemos há muitos anos do teatro, de Belo Horizonte”, relata Yara. “Quando ela teve o primeiro contato com o texto, ela me procurou para dizer que imaginava que eu pudesse fazer, como atriz esse espetáculo, mas não era a hora. Muito mais tarde, durante a pandemia, as meninas da Quintal me ligaram querendo montar esse livro, dessa vez me chamando para ser diretora”. 

Sobre o elenco, Yara de Novaes lembra que o ponto primordial para a escolha das atrizes seria que fossem atrizes criadoras, que se colocassem, inclusive, como dramaturgas ocasionais e pudessem representar os feminismos, como a própria Virginie está e se coloca em relação ao feminismo. 

“Era preciso que a gente tivesse mulheres que, de alguma forma, representassem e pudessem ir além de dialogar, que pudessem colocar em questão o próprio livro”, aponta. Assim nasceu o trio que encena a peça: Amanda Lyra, Ivy Souza e Verónica Valenttino, três atrizes com trajetórias pessoais que, de alguma maneira, dialogam com o texto. 

Com trilha sonora de Natalia Mallo e figurino de Marichilene Artisevskis, o espetáculo fica em cartaz durante um mês, de 17 de novembro a 17 de dezembro, no Sesc Bom Retiro. 

A narrativa transita entre a esfera privada e a pública através do relato pessoal contido no texto. Esse movimento contempla tanto uma introspecção individual quanto uma exposição ao espectador num discurso ativo e dinâmico. 

Yara, Márcia, Ivy e Amanda entendem que a figura de “king kong” indica avanços na discussão feminista, abordando o universo queer como um leque de possibilidades e reflexões sobre temas significativos dentro do feminismo, capitalismo e suas interseções. 

Um outro aspecto do trabalho é a interlocução da ideia do público e do privado que perturba. “O king kong, a king kong e king kong que a Virginie aponta, é essa figura híbrida, é uma figura que está para além da guerra dos gêneros”, explica Amanda Lyra. 

“Quem seríamos nós se não tivéssemos essas amarras? Se não precisássemos ter medo de andar na rua, pensar na roupa que vestimos, se a gente não precisasse conviver com as muitas violências que são naturalizadas, condizentes ou não com a nossa realidade?”, questiona a atriz Ivy Souza. 

Com trilha sonora de Natalia Mallo e figurino de Marichilene Artisevskis, o espetáculo fica em cartaz durante um mês, de 17 de novembro a 17 de dezembro, no Sesc Bom Retiro. 

Sextas e sábados, às 20h. Domingos e segundas, às 18h. Ingressos disponíveis nas bilheterias Sesc ou no site da instituição. No dia 9/12, o espetáculo apresentará acessibilidade de audiodescrição e com tradução simultânea em Libras no dia 10/12.•

`