Há uma crescente preocupação de que a crise no Oriente Médio pode descambar para um cenário de caos se Israel invadir Gaza. Mas já há quem tema pela ausência de um plano para lidar com os palestinos no ‘pós-guerra’. O que virá?

Como será o amanhã para os palestinos num pós-guerra?
OUTRO BOMBARDEIO Enquanto ameaça com invasão terrestre em Gaza, Netanyahu ordenou às Forças de
Defesa de Israel que lançasse outro ataque feroz às duas regiões palestinas, ao sul de Israel e à Cisjordânia

Na última semana, em meio às expectativas de um cessar-fogo para permitir novos comboios humanitários em Gaza, o governo de Benjamin Netanyahu pareceu indiferente aos apelos. Na quinta-feira, Israel voltou a bombardear a Faixa de Gaza, enquanto a Rússia alertava que o conflito poderia se espalhar para além do Oriente Médio. Mas o pior é que  o premiê confirmou que que prepara uma invasão. Outro problema: quem faz a negociação sobre os reféns capturados pelo Hamas? A questão mais intrigante, contudo é outra: Israel tem algum plano para lidar com o que sobrar de Gaza passada a tormenta?

Netanyahu anunciou mais uma vez que Israel está “se preparando para uma incursão terrestre” em Gaza, mas disse que “não especificará” quando ou como a incursão aconteceria. “O público não precisa estar ciente de muitos detalhes”, disse. “E é assim que deve ser”. Numa conversa telefônica com Netanyahu, o presidente Joe Biden destacou, ainda na quarta, a importância de “um caminho para uma paz permanente entre israelitas e palestinianos” após a crise. Mas, ao mesmo tempo, reiterou o seu apoio ao direito de Israel de se defender. 

As pistas sobre a ausência de um plano para lidar com a crise depois dos ataques e como lidar com o cenário que surgirá de um eventual ofensiva contra Gaza, estão na mídia internacional. O Financial Times destacou que Israel ainda não concordou com um plano detalhado para Gaza no pós-guerra. E ressaltou que há um crescente temor dentro do governo em Telavive e na Casa Branca de que uma invasão por terra contra o Hamas pode ser iniciada sem sequer uma preparação adequada para administrar as consequências do desastre que resultará disso.

“Não há plano para o ‘day after’. O sistema [israelense] ainda não decidiu”, disse uma pessoa familiarizada com o pensamento israelense. “Os americanos enlouqueceram quando perceberam que não havia plano”.

“Várias pessoas familiarizadas com as deliberações descrevem Israel embarcando em um esforço extenso e contínuo, envolvendo vários órgãos militares israelenses e analistas externos, para desenvolver uma estratégia para Gaza após a esperada ofensiva terrestre de Israel”, escreveram Neri Zilber e Felicia Schwartz, na edição de quarta-feira, 25, do Financial Times.

Então, se não está clara a estratégia de saída de Israel e os objetivos do pós-guerra, como será o amanhã? Os EUA levantaram diretamente suas preocupações com o governo de Bibi, de acordo com fontes próximas ao processo de negociações. Biden esteve em Telavive na primeira semana após o ataque de 7 de outubro. A falta de um plano de saída é um fator nos atrasos na operação terrestre de Gaza que há muito tempo vem sendo repetidas como ameaças pelo governo de direita israelense.

Como será o amanhã para os palestinos num pós-guerra?
TUDO OU NADA Netanyahu voltou a ameaçar com invasão por terra, mas o
pior é a constatação de que Israel ainda não se preparou para o ‘day after’

No que foi descrito como conversas de sondagem com autoridades israelenses, as autoridades dos EUA encorajaram seus colegas a pensar em como alcançar seus objetivos militares caso os planos originais falhem, e a imaginar o dia seguinte. “Estamos interessados em ver ramos e sequências”, disse um funcionário dos EUA, usando a terminologia militar americana referindo-se a diferentes planos de batalha e cenários pós-invasão.

Enquanto isso, crescem as críticas feitas na imprensa internacional, inclusive e sobretudo a israelense, por conta das posições de Netanyahu. Na quarta, o jornalista Uri Misgav, articulista do jornal Haaretz, criticou o premiê e pediu que ele renuncie ao cargo para que outras forças políticas possam operar e construir um ambiente de diálogo. 

“Dizem-nos cinicamente: quem falhou fará os reparos. O capitão não deve ser substituído”, escreveu Misgav. “É como dizer que depois do desastre do Titanic em que o capitão sobreviveu, eles deveriam ter lhe dado outro navio. A vida de uma nação não é o curso de sobrevivência pessoal de um primeiro-ministro”.

O ataque do Hamas em 7 de outubro ao sul de Israel matou mais de 1.400 pessoas, a grande maioria civis, de acordo com as autoridades israelenses. E mais de 200 pessoas ainda são reféns dentro de Gaza, incluindo mulheres, crianças e idosos. Israel imediatamente declarou guerra ao Hamas, prometendo “esmagar” o grupo militante islâmico.

Desde que Israel retaliou com ataques aéreos, pelo menos 5.791 pessoas foram mortas em Gaza, de acordo com autoridades de saúde palestinas. ONGs que atuam na região alertaram para o desastre humanitário iminente devido ao bloqueio israelense em andamento que reduziu severamente o fornecimento de alimentos, água, remédios e combustível.

Qualquer plano para o enclave palestino teria como objetivo estabelecer quem deve controlar e sustentar Gaza no “dia seguinte”, se Israel alcançar seu suposto objetivo de guerra de destruir o Hamas como uma força militar e governamental. O grupo governa Gaza desde que expulsou a Autoridade Palestina, em 2007, que era mais moderada e apoiada pelo Ocidente.

Na quinta-feira, 25, o ex-presidente Barack Obama escreveu um artigo na plataforma Medium fazendo algumas considerações sobre a crise. Ele praticamente repetiu os argumentos usados pelo presidente Biden — sobre a necessidade de Israel se defender de ataques, que a América apoia o país desde sua criação. Mas Obama saiu um pouco do discurso de sempre.

“Os palestinos também viveram em territórios disputados por gerações; muitos deles não foram apenas deslocados quando Israel foi formado, mas continuam a ser deslocados à força por um movimento de colonos que muitas vezes recebeu apoio tácito ou explícito do governo israelense”, destacou. E reconheceu: “os líderes palestinos que estavam dispostos a fazer concessões para uma solução de dois Estados muitas vezes tiveram pouco a mostrar por seus esforços”.

Vale lembrar que a oposição a Netanyahu só concordou em integrar o governo de união nacional e emergência se houvesse um plano claro de como os militares de Israel deixarão a Faixa de Gaza. E mais: qual regime governante substituirá o Hamas. A preocupação é legítima, tendo em vista que Israel sempre buscou enfraquecer Autoridade Palestina.

Um tema recorrente nas propostas é evitar uma reocupação israelense aberta de Gaza, uma estreita faixa costeira que abriga 2,2 milhões de pessoas. Israel se retirou do enclave em 2005. Outra preocupação é a necessidade de fortalecer a AP, que pode ser chamada a reafirmar o controle em Gaza, embora seja considerada uma instituição fraca que carece de credibilidade entre os palestinos. Uma posição que Netanyahu fez questão de enfraquecer nos últimos 20 anos.

Qualquer movimento provavelmente vai exigir mudanças no atacado da política de Israel sobre a Cisjordânia ocupada, onde a AP está baseada, incluindo a expansão dos assentamentos, que vêm sendo construídos e incentivados por Israel desde o início dos anos 2000. A coalizão de extrema-direita de Netanyahu tem sido firmemente contra a redução dos assentamentos na Cisjordânia.

Um terceiro elemento no planejamento é o potencial para os estados árabes, incluindo o Egito e a Arábia Saudita, desempenharem um papel direto, incluindo possível apoio financeiro e de manutenção da paz em Gaza. A conta salgada para refazer e reconstruir aquele pedaço de chão transformada em ruas de pedras e destroços terá de ser paga por alguém.

Falando à emissora estadunidense CBS no domingo, o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, disse que Israel tinha o direito de se defender e que o “status quo” em Gaza antes da guerra não poderia retornar. “Existem ideias diferentes por aí sobre o que poderia seguir. É algo que precisa ser trabalhado mesmo quando Israel está lidando com a ameaça atual”, acrescentou Blinken.

Uma segunda pessoa familiarizada com as discussões israelenses observou o quão importante era o curso da guerra para qualquer plano do pós-guerra, e vice-versa. “Há uma conexão direta entre a gestão da guerra e a ‘manhã seguinte’. É para informar a operação militar. No momento, isso tudo está desconectado”. •

“Israel trava guerra de vingança”

Como será o amanhã para os palestinos num pós-guerra?
TRAGÉDIA Já chega a 3 mil o número de crianças mortas na Faixa de Gaza

O ministro das Relações Exteriores da Autoridade Palestina, Riyad al-Maliki, denunciou Israel, acusando o governo de Benjamin Netanyahu de travar uma “guerra de vingança” contra Gaza com o objetivo de sua destruição total. A declaração foi dada em Haia, na quinta-feira, 26, enquanto tropas israelenses bombardeavam o enclave palestino em resposta aos devastadores ataques de 7 de outubro a Israel feitos pelo Hamas.

O Ministério da Saúde da Palestina anunciou que o número de mortos em Gaza subiu para mais de 7 mil pessoas, incluindo quase 3 mil crianças. O exército israelense afirma ter conduzido um ataque terrestre noturno dentro de Gaza visando posições do Hamas usando tanques.

Israel disse que suas forças terrestres invadiram Gaza durante a noite de quinta-feira para atacar alvos do Hamas. O primeiro-ministro israelense disse que estava “se preparando para uma invasão terrestre” que poderia ser a primeira de várias incursões em Gaza, onde vivem aproximadamente 2,2 milhões de pessoas.

O tom do ministro de Relações Exteriores era de indignação.  “Muitas guerras ocorreram (em Gaza), mas isto é diferente. Desta vez é uma guerra de vingança”, disse al-Maliki. “Esta guerra não tem nenhum objetivo real, mas a destruição total de todos os lugares habitáveis em Gaza. Esta guerra não é dirigida por planos militares, não há normas respeitadas. Todas as regras internacionais de guerra estão sendo violadas”.

Gaza não consegue se recuperar de quase três semanas de bombardeamento israelense, desencadeado por uma onda de assassinatos em massa no sul de Israel por militantes do Hamas, que governa Gaza há mais de 15 anos. Cerca de 200 mil habitações foram total ou parcialmente destruídas em Gaza, segundo as autoridades palestinianas.

Os ataques a Gaza ultrapassaram há muito o limiar da auto-defesa e se transformaram em “opressão, brutalidade, massacre e barbárie”, criticou o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdoğan. Centenas de iraquianos que protestam contra os ataques de Israel a Gaza bloquearam a passagem de caminhões-tanques para a Jordânia, afirmando que não permitirão que o petróleo iraquiano seja exportado para países que têm acordos de paz com Israel. •

Protestos pela paz

A crise humanitária em Gaza desencadeou no último final de semana manifestações públicas pró-palestinos em diversas cidades pelo mundo. No Brasil, manifestantes fizeram um ato pró-Palestina e outro ato pró-Israel na Avenida Paulista.

O protesto pró-Palestina ficou concentrado na altura da Praça Oswaldo Cruz, região Centro-Sul de São Paulo. Os participantes do ato muitos deles palestinos ou descendentes, carregavam bandeiras e faixas com os dizeres “Palestina livre”  e “Palestina Resiste”.

O ato pró-Israel se concentrou em frente à Fiesp. “Este é um ato de solidariedade, organizado pelos evangélicos, não só pela solidariedade a todas as vítimas que perderam a vida pelos atos terroristas do Hammas, mas é um ato de apoio a Israel e contra o terrorismo”, disse Daniel Bialski, vice-presidente da Confederação Israelita do Brasil (Conib). “A guerra de Israel não é com o povo palestino, é contra os terroristas não só do Hamas, mas dos demais grupos”.

Uma das maiores manifestações pelo mundo ocorreram em Londres, no Reino Unido, onde cerca de 100 mil pessoas participaram de uma manifestação na região central da cidade.  

A polícia alertou que qualquer manifestação de apoio ao Hamas, uma organização considerada “terrorista” pelo governo britânico será presa. 

Houve também protestos em Chicago e Nova York (EUA). Atos ocorreram ainda em Bucareste (Romênia), Bangkok (Tailândia), Sydney, (Austrália), Christchurch (Nova Zelândia), Carachi (Paquistão), Pristina (Kosovo), Pretória (África do Sul), Jacarta (Indonésia) e Lisboa (Portugal). •