Brasil e China: Fundação Perseu Abramo promove debates sobre relações entre os países
Promovido pela Fundação Perseu Abramo, encontro sediado na Universidade Federal do ABC buscou traçar pontos em comum nas políticas construídas pelos dois países membros dos BRICS
Enquanto a China mantém sua grande marcha rumo à liderança econômica do globo, mais encontros, livros, pesquisas e debates procuram desvendar esse quadro. Entre os dias 23 e 26 de outubro, uma série de palestras sediada na Universidade Federal do ABC, organizada pela Rede Brasil-China e com apoio de organizações como a Fundação Perseu Abramo, buscou traçar pontos de contato e oportunidades entre o gigante asiático e o Brasil.
Intitulada VI Encontro Nacional da Rede Brasileira de Estudos da China (VI RBChina), a série de debates incluiu duas mesas organizadas pela Perseu Abramo. A primeira, no dia 25, tratou do combate à fome, prioridades adotadas por Brasil e China nas duas últimas décadas. Com uma diferença nada desprezível entre os dois casos.
Na China, onde a política é comandada por um partido único, essa opção se manteve, a despeito de questões conjunturais. No Brasil, depois do golpe de 2016 contra a presidenta Dilma Rousseff, a ideia foi abandonada, quando não abertamente hostilizada, para ser então retomada a partir de 2023, com o retorno de Lula à Presidência.
Os chineses têm alcançado a meta com grande sucesso. Segundo o pesquisador e professor Fabiano Escher, do programa de pós-graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), a China, entre 2012 e 2022, tirou da linha da fome e da pobreza de 100 milhões de habitantes, tendo o país zerado os índices. Ao mesmo tempo, a dieta chinesa vem se diversificando, com a queda do consumo de grãos e aumento da ingestão de carnes e vegetais, movimento que se observa desde a década de 1980.
Na opinião de Escher, o principal motor chinês na superação da fome e da miséria foi o processo de modernização industrial do país e também a adoção de modelos híbridos no setor agrícola, em que a propriedade estatal da terra e, em menor escala, a propriedade familiar, convivem com concessões de uso para grupos privados, em parceria com o Estado.
No Brasil, segundo a professora Tereza Campello, atual diretora Socioambiental do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e ex-ministra de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (2011 a maio de 2016), o Brasil conquistou uma queda de 73% da pobreza, entre 2003 e 2015, em função de políticas públicas que combinaram o acesso a bens que, ao chegarem aos mais pobres, tornaram-se mais do que simples consumo.
“Pergunte a uma mãe que nunca havia tido uma geladeira e conseguiu comprar uma”, propôs ela. “Não era só um bem, era uma oportunidade de organizar a alimentação de seus filhos”, disse. Outro exemplo dado por Tereza Campello é a chegada de água potável a localidades antes desatendidas: “Dizem que água é um bem de consumo. Mas para a pequena agricultura familiar, é um meio de produção”.
No dia 26, a segunda mesa organizada pela Fundação Perseu Abramo tratou das relações políticas entre partidos brasileiros e o Partido Comunista da China. Natália Sena, integrante da Executiva Nacional do PT, e José Reinaldo, do Comitê Central do PCdoB e do Centro Brasileiro de Solidariedade Aos Povos e Luta Pela Paz (Cebrapaz), traçaram um panorama histórico das relações entre esses dois partidos e o PC chinês. O painel apresentado por Reinaldo teve início nos anos 1950, quando os comunistas brasileiros se dividiram em relação a qual modelo comunista seguir, o soviético ou o chinês. Naquele período histórico, o PCdoB aproximou-se da experiência chinesa.
Natália, por intermédio de um resgate de encontros do PT com lideranças do PC da China desde os anos 1980, e também de resoluções do partido brasileiro, destacou que a relação com o partido chinês é, em suma, o meio de se relacionar com o próprio Estado daquele país. Com a experiência de ter visitado a China, a dirigente petista, que também é mestranda na UFABC, sublinhou que o Partido Comunista tem uma relação com seus filiados diferente daquela que se imagina.
A filiação não é compulsória ou automática. Segundo Natália, os candidatos a filiação passam por um período de aprendizado de dois anos, antes de ser aceitos. “Não basta um clique numa ficha eletrônica”, disse ela. “Eles têm 97 milhões de filiados. O PT, para ter a mesma taxa de filiação na proporção com a população brasileira, teria de crescer 15 vezes”, completou.
Ao final das exposições, abertas as inscrições para perguntas da plateia, composta em grande parte por estudantes, uma dúvida recorrente dizia respeito ao modo como o Brasil deve se relacionar com a China sem que aquele país assuma uma posição imperialista, hoje ocupada pelos Estados Unidos.
Valter Pomar, professor da UFABC, diretor da Fundação Perseu Abramo e mediador da mesa, respondeu: “A gente tem de aprender com a China, que promoveu uma abertura, mantém relações com o mundo, não tem medo de aprender, mas, ao mesmo tempo, conta com as próprias forças. Tem projeto nacional e tem projeto mundial. A gente tem de fazer a mesma coisa. O Brasil pode liderar a conversão da América Latina e do Caribe num dos polos tecnológicos e industriais do mundo”. E curiosamente, dada a situação geopolítica da região, resolvido o ‘pequeno’ problema dos Estados Unidos, a gente tem condições de exercer essa condição de polo em melhores condições geopolíticas que a China. Vamos lembrar o que é o entorno da China, os conflitos brutais que têm lá, e vamos pensar também o quanto a gente tem de potencial. As pessoas gostam de falar no passado milenar da China, mas, isso não é apenas um ponto positivo. É também um peso. Então, nós temos que ter esse horizonte de converter a região e o Brasil em um polo industrial e tecnológico, e para isso temos que resolver os nossos problemas internos”. •