História: o nascimento da Constituição democrática em outubro de 1988

Em 5 de outubro de 1988, entra em vigor a Carta da Cidadania, promulgada após intensos debates políticos sobre o novo Brasil, coroando a transição do país que deixava para trás 21 anos de ditadura

Após 20 meses de funcionamento da Assembleia Nacional Constituinte, a nova Constituição Federal é promulgada pelos 559 parlamentares constituintes, sob a presidência do deputado Ulysses Guimarães (PMDB-SP). Ele exaltou os avanços que a nova Carta introduzia na vida social e política brasileira, batizando-a de “Constituição Cidadã”. 

“Hoje, 5 de outubro de 1988, no que tange à Constituição, a nação mudou”, disse Ulysses na sessão solene e histórica do Congresso. “Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca. Traidor da Constituição é traidor da pátria. (…) Temos ódio à ditadura. Ódio e nojo. Amaldiçoamos a tirania onde quer que ela desgrace homens e nações. Principalmente na América Latina”.

O processo constituinte de 1987-1988 foi um dos mais democráticos e abertos já ocorridos no Brasil, guardando diferenças importantes em relação às assembleias constituintes do passado. “Há, portanto, representativo e oxigenado sopro de gente, de rua, de praça, de favela, de fábrica, de trabalhadores, de cozinheiras, de menores carentes, de índios, de posseiros, de empresários, de estudantes, de aposentados, de servidores civis e militares, atestando a contemporaneidade e autenticidade social do texto que ora passa a vigorar”, discursou o presidente.

Os constituintes não se basearam em um anteprojeto previamente apresentado, mas elaboraram o texto a partir dos relatórios de 24 subcomissões, agrupadas em nove grandes comissões temáticas. Os capítulos produzidos por cada comissão foram trabalhados pela Comissão de Sistematização, que fez o aprimoramento metodológico e jurídico e a supressão de contradições, redundâncias e outros vícios.

Outra diferença fundamental foi a participação popular no processo, por meio das emendas populares e da afluência permanente dos mais diferentes grupos sociais, corporações e instituições civis que apresentaram suas propostas e reivindicações diretamente aos líderes partidários e membros das comissões. Os movimentos sociais atuaram intensamente para fazer valer as vontades populares. Foram acolhidas 122 emendas populares e apresentadas mais de 11 mil sugestões às comissões.

A Constituição ficou com 245 artigos divididos em nove títulos e mais 70 artigos do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que não integram seu corpo principal, exatamente por terem natureza transitória. De início, a Carta foi muito criticada por ser detalhista e prolixa, não se limitando a enunciar princípios.

Passados 35 anos da promulgação, a Carta brasileira passou a ser reconhecida como uma das mais modernas do mundo. Destacam-se, entre suas preocupações, o fortalecimento da cidadania individual e coletiva, a busca de um Estado de bem-estar social preservando a livre iniciativa, o combate a todas as formas de discriminação e a garantia dos direitos sociais e políticos, individuais e coletivos.

A Constituição Federal ampliou também os chamados “remédios constitucionais”, as garantias sagradas da observância dos direitos: habeas corpus, habeas data, mandado de segurança, mandado de injunção e ação popular.

A nova Carta deixou para trás os resquícios do Estado de exceção, como disse Ulysses ao promulgá-la: “Quando, após tantos anos de lutas e sacrifícios, promulgamos o estatuto do homem, da liberdade e da democracia, bradamos por imposição de sua honra: temos ódio à ditadura. Ódio e nojo”. •