Cai a máscara do juiz parcial
O Supremo Tribunal Federal anula as provas ilegais da Lava Jato e confirma que a prisão de Lula foi uma armação grotesca. Decisão do ministro Dias Tofolli aponta que conduta do juiz Sergio Moro, do procurador Deltan Dallagnol e outros da ‘República de Curitiba’ precisa ser investigada em profundidade
Demorou, mas finalmente a Justiça começa a reparar os graves ilícitos cometidos pela chamada República de Curitiba que incorreu em ilegalidades ao conduzir a Operação Lava Jato, a partir de 2014, culminando na prisão e condenação irregulares do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na quarta-feira, 6, o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, anulou todas as provas do acordo de leniência da Odebrecht fechados pela Lava Jato.
Segundo o ministro, os métodos utilizados pela 13ª Vara Federal de Curitiba, conduzido pelo hoje senador Sergio Moro (União Brasil-PR) e pelo então coordenador da força-tarefa da Lava Jato, o ex-procurador e ex-deputado federal Deltan Dallagnol (Podemos-PR), foram ilegais. Ele determinou a abertura de uma investigação a ser levada adiante pela Procuradoria Geral da República e a Polícia Federal.
A Suprema Corte já vinha invalidando evidências e provas em casos concretos, inclusive aqueles envolvendo diretamente o presidente Lula, mas agora a decisão vale para todos os processos. O ministro Dias Toffoli disse que a prisão de Lula foi uma “armação fruto de um projeto de poder de determinados agentes públicos em seu objetivo de conquista do Estado”. A República de Curitiba agora amarga ser desmascarada e colocada em seu devido lugar: a lata do lixo da história.
“A prisão do reclamante, Luiz Inácio Lula da Silva, até poder-se-ia chamar de um dos maiores erros judiciários da história do país. Mas, na verdade, foi muito pior. Tratou-se de uma armação fruto de um projeto de poder de determinados agentes públicos em seu objetivo de conquista do Estado por meios aparentemente legais, mas com métodos e ações contra legem [a lei]”, destacou.
Dias Toffoli proferiu um voto histórico, ao apontar que o caso Lula foi o “verdadeiro ovo da serpente dos ataques à democracia e às instituições que já se prenunciavam em ações e vozes desses agentes contra as instituições e o próprio STF”. E ressaltou a gravidade dos atos cometidos. “Sob objetivos aparentemente corretos e necessários, mas sem respeito à verdade factual, esses agentes desrespeitaram o devido processo legal, descumpriram decisões judiciais superiores, subverteram provas, agiram com parcialidade e fora de sua esfera de competência”, aponta.
“Em última análise, não distinguiram, propositadamente, inocentes de criminosos. Valeram-se, como já disse em julgamento da Segunda Turma, de uma verdadeira tortura psicológica, um pau de arara do século 21 para obter ‘provas’ contra inocentes”, escreveu o ministro em sua decisão de 135 páginas.
Ele lembra que os repetidos pedidos de acesso aos autos pela defesa de Lula foram solenemente ignorados pelos integrantes da Lava Jato, prejudicando o ex-presidente. Toffoli aponta a evidente má-fé: “O que mais chama a atenção é que, a cada pedido feito pelo reclamante [Lula], no livre e regular exercício das garantias processuais que o texto magno lhe assegura, a acusação, em contrapartida, se insurge contra ‘a insistência da defesa em buscar acesso a documentos que não se relacionam aos fatos está em sintonia com o propósito de procrastinar a tramitação processual’”.
O STF já havia decidido em 2022 que eram nulos os elementos de prova colhidos junto aos sistemas do “departamento de propina” da empreiteira. A conclusão foi de que leniência foi costurada à margem da lei, de maneira informal, prejudicando a cadeia de custódia e a higidez técnica das provas. Toffoli destaca que que os agentes públicos envolvidos na Lava Jato precisam ter sua conduta apurada. Ele ressaltou que há indícios de que eles agiram de forma ilegal, gerando “gravíssimas” consequências “para o Estado brasileiro e para centenas de réus e pessoas jurídicas”.
Segundo o ministro, está claro que a Lava Jato perseguiu Lula de maneira injusta e criminosa. Toffoli escreve que, embora a operação tenha sido iniciada com a investigação de crimes reais, logo se tornou um disfarce de combate à corrupção “com o intuito de levar um líder político às grades, com parcialidade e, em conluio, forjando-se ‘provas’”. Sem citar nominalmente Sergio Moro, ele acentua: “a parcialidade do juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba extrapolou todos os limites”. Segundo Toffoli, a atuação de Moro e Dallagnol permitiu a tomada de poder por setores antidemocráticos.
“Digo sem medo de errar, foi o verdadeiro ovo da serpente dos ataques à democracia e às instituições que já se prenunciavam em ações e vozes desses agentes contra as instituições e ao próprio STF. Ovo esse chocado por autoridades que fizeram desvio de função, agindo em conluio para atingir instituições, autoridades, empresas e alvos específicos”, apontou o magistrado.
A presidenta do PT, a deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), elogiou a posição do juiz da Suprema Corte. “Decisão exemplar do ministro Toffoli confirma o que sempre dissemos sobre a farsa da Lava Jato. Cedo ou tarde a verdade sempre vence”, disse. “Os que mentiram, falsificaram provas, arrancaram depoimentos à força terão, agora, de responder por seus crimes. A história segue restabelecendo a Justiça sobre a maior armação judicial e midiática que já se fez contra um grande líder”.
A ação julgada por Dias Toffoli foi movida em 2020 pela defesa de Lula, que reclamava contra a dificuldade de ter acesso à íntegra do Acordo de Leniência assinado pela Odebrecht e ao conteúdo completo das mensagens da operação Spoofing — obtidas pelo hacker Walter Delgatti e que deram origem à chamada Vaza Jato, quando o site Intercept Brasil revelou o jogo sujo de Moro e Dallagnol. Inicialmente, a ação tinha como relator o ministro Ricardo Lewandowski, que, ao analisar o caso, considerou que as provas da Odebrecht em imprestáveis para acusar Lula.
Após a aposentadoria de Lewandowski, o caso ficou sob responsabilidade de Toffoli, que, agora, considerou as provas imprestáveis para acusar qualquer outra pessoa. Além disso, o ministro determinou que a 13ª Vara Federal de Curitiba dê à defesa de Lula o acesso aos documentos.
Ainda na quarta-feira, a Advocacia Geral da União anunciou a criação de uma força-tarefa para apurar os desvios desencadeados pela Lava Jato e seus agentes, incluindo Sergio Moro e Deltan Dallagnol. O ministro-chefe da AGU, Jorge Messias, informou que, após as apurações, agentes podem ser alvos de ações regressivas, para que seja cobrado um ressarcimento à União pelos danos causados e pelas indenizações pagas. “Uma vez reconhecido os danos causados, os desvios funcionais serão apurados, tudo nos exatos termos do que foi decidido pelo STF”, disse Messias.
Ainda na quarta, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) atendeu a um pedido da Advocacia Geral da União (AGU) e permitiu a retomada do processo contra Dallagnol, por má administração de recursos públicos da força-tarefa da Lava Jato. O STJ destravou a ação que obrigava o ex-procurador a ressarcir aos cofres públicos o valor de R$ 2,8 milhões por gastos com diárias e passagens de membros da Lava-Jato.
No ano passado, a 6ª Vara Federal de Curitiba determinou a suspensão do acórdão do Tribunal de Contas da União (TCU) que o condenou a pagar o montante. Agora, essa decisão foi revista pelo STJ. O ministro Humberto Martins, relator do caso, afirma que “está caracterizada a lesão à ordem pública”.
Ele diz que o TCU realiza “legitimamente a averiguação de eventual irregularidade na gestão administrativa da Operação Lava Jato, com relação aos custos financeiros de viagens institucionais e diárias dos membros do Ministério Público Federal, integrantes da dita força-tarefa”. “Defiro o pedido de extensão para sustar os efeitos da decisão proferida no processo em trâmite na 6ª Vara Federal de Curitiba”, concluiu o ministro.
Em agosto do ano passado, a 2ª Câmara do TCU condenou Deltan Dallagnol, o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot e o procurador João Vicente Beraldo Romão a pagar R$ 2,8 milhões aos cofres públicos. Mais tarde, a corte afastou a responsabilidade de Romão. O TCU considerou que os membros do Ministério Público não avaliaram alternativas e também não comprovaram tecnicamente que a gestão adotada pela Lava Jato “atendia ao interesse público”. •