Taxação dos super-ricos: até quando esperar?
Com taxação dos bilionários, Lula busca promover justiça tributária e testa força no Congresso Nacional. Planalto edita medida provisória que prevê a taxação entre 15% a 20% fundos de alta renda e envia projeto para tributar quem investe dinheiro no exterior. Isso era promessa de campanha
Após garantir o aumento real do salário mínimo e a correção da tabela do Imposto de Renda, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reafirma seu compromisso em combater a desigualdade de renda no país. O governo avança na luta histórica para tornar o sistema tributário brasileiro socialmente mais justo. Na segunda-feira, 28, ele assinou medida provisória para taxar entre 15% a 20% os fundos exclusivos de alta renda e enviou ao Congresso um projeto de lei para tributar quem investe dinheiro no exterior.
Parece demagogia, mas a realidade brasileira mostra um fosso abissal em relação à distribuição de renda. No país, os 0,01% mais ricos detém uma riqueza acumulada e livre de dívidas de R$ 151 milhões em média. Os 10% mais ricos obtêm rendimento médio mensal per capita 14,4 vezes maior que os 40% mais pobres, enquanto 7,6 milhões de brasileiros vivem com renda per capita menor do que R$ 150 mensais. Os dados são do Observatório Brasileiro das Desigualdades.
Outros dados são estarrecedores. Os que ganham menos são os que pagam mais impostos: os 10% mais pobres pagam 26,4% da renda em tributos, bem acima dos 19,2% pagos pelos 10% mais ricos. Daí porque Lula está certo ao investir sobre a taxação da classe A nacional. “Essas pessoas ganham muito dinheiro e não pagam nada de Imposto de Renda”, reclamou o presidente, durante o ‘Conversa com o Presidente’, veiculado na terça, 29.
O projeto do governo mira os chamados trusts, as empresas estrangeiras que administram bens familiares, e os fundos offshores, que abrigam empresas de investimento fora do país, nos chamados paraísos fiscais. A MP deve passar por análise no Congresso em até 120 dias para não perder validade. Na campanha eleitoral, no ano passado, Lula prometeu colocar o pobre no orçamento e fazer o rico pagar imposto. E faz bem.
De acordo com dados do Ministério da Fazenda, o país tem hoje cerca de 2,5 mil brasileiros com dinheiro investido nesses fundos de alta renda, que acumulam mais de R$ 800 bilhões em patrimônio. Só a taxa de administração desse tipo de fundo gira em torno de R$ 150 mil anuais. A medida visa alterar a tributação dos moldes atuais, que estabelece uma cobrança apenas no momento do resgate, para duas alíquotas por ano. O governo quer tributar com alíquota de 10% quem optar por iniciar a arrecadação em 2023. Segundo cálculos da Fazenda, com a mudança, o país pode arrecadar R$ 24 bilhões entre 2023 e 2026.
Já o projeto de lei dos offshores prevê a aplicação de alíquotas progressivas até 22,5%. Pessoa física com renda no exterior de até R$ 6 mil por ano não paga imposto. Para renda entre R$ 6 mil e R$ 50 mil por ano, a alíquota é de 15%. E quem tem valores investidos superiores a R$ 50 mil por ano irá contribuir com uma alíquota de 22,5%. O novo sistema passará a valer a partir de fevereiro de 2024, caso seja aprovado no Congresso.
No programa semanal, Lula ressaltou que o sistema tributário brasileiro está completamente defasado em relação aos países desenvolvidos. “É importante que as pessoas compreendam que o Estado de bem-estar social, que existe na Europa, em outros países, é feito porque há uma contribuição equânime, mais justa do pagamento do Imposto de Renda”, justificou. “Não é igual aqui no Brasil em que quem paga mais é o mais pobre, se a gente for comparar proporcionalmente, o mais pobre paga mais Imposto de Renda do que o dono do banco”.
A MP 1.184/2023 foi assinada por Lula na mesma cerimônia em que sancionou a nova política de reajuste do salário mínimo e a nova faixa de isenção do Imposto de Renda, que passou para R$ 2.112, com desconto automático de R$ 528 para que quem recebe até dois salários mínimos (R$ 2.640) seja incluído no grupo isento. A medida muda radicalmente as regras e acaba com os privilégios que os super ricos tinham. “Não há razão pela qual um fundo de pessoa de alta renda tem um benefício que um fundo de baixa renda não tem”, aponta o secretário extraordinário da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy. “A ideia é ter tratamento isonômico entre fundos fechados exclusivos e abertos, e isso está sendo feito nessa MP”, disse.
O PT quer dar prioridade à matéria. A presidenta nacional do PT, Gleisi Hoffmann (PR), defende a iniciativa do Palácio do Planalto. “Na MP dos fundos milionários, o governo fez uma proposta pra quem quiser de imediato regularizar a tributação, pagar alíquota de 10% de IR. Por que tem gente na Câmara querendo baixar para 6%? Vamos lembrar que a alíquota do IR chega 27,5%. Por que os super ricos tem de pagar menos? Que coisa difícil tentar resolver a desigualdade”, lamentou.
“Nós estamos olhando para as boas práticas do mundo inteiro e buscando nos aproximar daquilo que faz sentido do ponto de vista de justiça social”, disse o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, durante a cerimônia em que Lula sancionou a lei de reajuste do salário mínimo. “Aqui não tem nenhum sentimento que não seja o de justiça social. Não tem nenhum outro que norteie a ação do governo”.
“Vamos tributar os bilionários que não pagam imposto, sonegadores quem não produzem nada, que vivem da especulação, dos juros altos, que vivem sangrando a economia brasileira enquanto mantêm verdadeiras fortunas no exterior”, afirmou o líder do PT na Câmara, Zeca Dirceu (PT-PR), após a sanção da lei do salário mínimo. “É um tipo de gente que não está com o povo, aposta no quanto pior melhor, em governos retrógrados que colocaram o país num retrocesso nunca visto”.
As novas regras passam a valer a partir de 2024. A exceção é para os contribuintes que optarem por antecipar para 2023 o recolhimento do tributo, pagando alíquota de 10%. Neste caso, as mudanças produzem efeitos imediatamente. Appy explica que o que existia até hoje é uma situação em que os fundos fechados têm diferimento da tributação até o momento da amortização das cotas, enquanto os fundos abertos estão sujeitos a tributação duas vezes ao ano, no regime de come-cotas.
Apenas com os fundos exclusivos, segundo o Palácio do Planalto, a previsão é arrecadar R$ 24 bilhões entre 2023 e 2026. O Ministério da Fazenda detalhou os números: a estimativa é de arrecadação de R$ 3,21 bilhões em 2023; R$ 13,28 bilhões em 2024; R$ 3,51 bilhões em 2025; e R$ 3,86 bilhões em 2026.
Vale lembrar que, entre os milionários brasileiros que não pagavam imposto por manter dinheiro fora do país estão o ex-ministro da Economia Paulo Guedes e o atual presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Há quase dois anos, Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos revelou ambos eram donos de offshore.
Guedes mantinha até 2021 uma empresa offshore em um paraíso fiscal com US$ 9,55 milhões. Campos Neto era o dono da Cor Assets S.A., uma offshore no Panamá, paraíso fiscal situado na América Central, com capital de US$ 1,09 milhão. Fechou a empresa em outubro de 2020. Em julho do 2020, por exemplo, Campos Neto assinou uma portaria mudando as regras para a declaração de ativos no exterior. Até então, todo brasileiro que tivesse mais de US$ 100 mil fora do país tinha que informar o BC. Isso mudou. E agora, o governo vai apertar. •