O Departamento de Estado dos EUA desclassifica mais documentos sobre o golpe de Pinochet em 1973 e mostra que Nixon era informado diariamente sobre os preparativos

50 anos do Golpe de Pinochet: Nixon recebia informes diários, revelam documentos de Estado dos EUA
INSTANTES FINAIS – Salvador Allende, ex-presidente chileno, no Palácio de La Moneda, no dia 11 de setembro, antes de ser morto

O Golpe de Estado no Chile em 1973 completa 50 anos neste 11 de setembro. Tempos sombrios de mortes que culminaram na deposição e morte do presidente socialista Salvador Allende. Coincidentemente, documentos do Departamento de Estado dos EUA relacionados ao golpe de Estado promovido pelo general Augusto Pinochet foram desclassificados.

Sabe-se agora como o então presidente dos Estados Unidos Richard Nixon foi informado sobre a iminente instalação de uma ditadura militar na América do Sul. Mais uma. Nove antes, era o Brasil que sucumbira a um golpe, com a queda de João Goulart, numa ação patrocinada e reforçada pela Casa Branca. Três anos depois, foi a vez da Argentina.

O briefing diário do presidente de 11 de setembro de 1973, na manhã do golpe militar apoiado pelos EUA, informou a Nixon que os oficiais militares chilenos estavam “determinados a restaurar a ordem política e econômica”, mas “também pode não ter um plano efetivamente coordenado que capitalize a oposição civil generalizada”.

Outro relatório diário para Nixon, datado de 8 de setembro de 1973, afirmou que “não havia evidências de um plano coordenado de golpe das três armas” no Chile e se os “oficiais da Marinha” instigassem um golpe, eles “poderiam se encontrar isolados”.

Em última análise, na manhã de 11 de setembro, as forças armadas se uniriam para derrubar o presidente socialista democraticamente eleito Salvador Allende e inaugurar a ditadura de 17 anos de Augusto Pinochet. Durante seu reinado sangrento, 40.175 pessoas foram registradas como vítimas de execuções, tortura ou prisão política. Ou foram “desaparecidas”.

Durante décadas, a Casa Branca alegava que intervieram no país sul-americano não com a intenção de desestabilizar a Unidade Popular de Allende, mas apoiar os partidos de oposição como vistas a uma eleição que seria realizada em 1976. Em suma, para “preservar” a democracia e suas instituições. Assessor de Segurança Nacional dos EUA, Henry Kissinger declarou que a Casa Branca não sabia do golpe de Estado de 1973, que acabou com os mil dias da via chilena para o socialismo e levou o presidente Salvador Allende à morte.

Em 2020, o Departamento de Estado divulgou diálogos comprometedores entre Kissinger e Nixon feitos ainda em novembro de 1970. “Se [Allende] puder demonstrar que pode estabelecer uma política marxista antiamericana, outros farão o mesmo”, afirmou o presidente americano. Kissinger concordou: “Terá efeito inclusive na Europa. Não só na América Latina”. E foi mais adiante: “O Chile pode acabar sendo o pior fracasso de nossa administração: ‘nossa Cuba’ em 1972”.

Graças ao apoio da Casa Branca a Pinochet, o Chile só retornou à democracia em 1990 e começou um período de transição que continuou a dividir o país. Pinochet foi preso em Londres em 1998, mas nunca cumpriu pena de prisão por seus supostos crimes antes de morrer em prisão domiciliar em 2006.

Um comunicado de imprensa do Departamento de Estado dos EUA na sexta-feira, 25 de agosto, apontou que a desclassificação dos briefings diários do presidente “demonstra nosso compromisso duradouro com a parceria EUA-Chile e é consistente com nossos esforços conjuntos para promover a democracia e os direitos humanos em nossos próprios países e em todo o mundo”.

Como nenhum dos briefings diários representa qualquer ameaça óbvia à segurança nacional dos EUA, não está claro por que eles foram mantidos quase inteiramente classificados por quase 50 anos. Não há nada que justifique a manutenção do sigilo, a não ser pela percepção generalizada que a Casa Branca nunca teve receio em moldar sua política externa ao gosto do presidente de plantão.

A subsecretária de relações exteriores do Chile, Gloria de la Fuente, agradeceu ao governo do presidente Joe Biden por “sua vontade de responder ao pedido de desclassificar documentos relacionados ao nosso país”. “A desclassificação de documentos promove a busca pela verdade e reforça o compromisso de nossos países com os valores democráticos”, disse.

Houve um fluxo constante de documentos divulgados enquanto o Chile se prepara para marcar meio século desde o golpe de Estado em 11 de setembro de 1973. Em 1º de agosto, o governo do presidente do Chile, Gabriel Boric, 37 anos, apresentou um pedido ao governo Biden para que documentos relacionados ao golpe militar no país fossem liberados.

O embaixador do Chile nos EUA, Juan Gabriel Valdés, que fez a petição oficial, disse: “Ainda não sabemos o que [o presidente Nixon] viu em sua mesa na manhã de 11 de setembro de 1973”.

No início de agosto, documentos que anteriormente haviam sido fortemente editados foram divulgados detalhando as reuniões que Nixon realizou com Agustín Edwards, o proprietário do conservador grupo de mídia El Mercurio, em 1970, nas quais o magnata compartilhou suas observações sobre figuras militares-chave e potenciais aliados para ajudar a derrubar Allende.

À medida que o 50º aniversário do golpe se aproxima, o legado da ditadura de Pinochet continua a dividir os políticos e alguns entre a população. Há duas semanas, políticos de direita no congresso do Chile leram uma declaração de 22 de agosto de 1973 alertando Allende para respeitar a Constituição, frequentemente usada por Pinochet como justificativa para o golpe de Estado. O presidente Boric respondeu pedindo ao Chile que “proteja a democracia”.  •