Gigantes do petróleo: sai o dólar, entram as moedas locais do BRICS
Com a adesão dos principais exportadores de petróleo ao BRICS, as liquidações em moeda local, em vez do dólar americano, podem vir a se consolidar e marcar a ascensão do Sul Global. Assistimos ao redesenho da ordem mundial
Com a adesão do Irã, da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos aos BRICS — o grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul —, o mecanismo multilateral inclui agora os principais produtores e importadores globais de petróleo do planeta. Analistas chineses apontam que a adoção mais ampla de moedas locais para o comércio entre os países BRICS, em vez de utilizar o dólar americano, parece ser uma solução natural, porque está baseada em recursos reais e concretos.
É como se fosse a volta do padrão ouro para a emissão de moeda. A mudança antecipa o fim do mundo desenhado após o fim da Segunda Guerra Mundial, com o acordo de Bretton Woods. Há quem diga que assistimos ao crepúsculo do fim do petrodólar e a ascensão do petroyuan. Isso sem falar na possibilidade do nascimento de uma moeda-BRICS.
Tudo porque a família BRICS está crescendo. Seis candidatos ao grupo criado há 15 anos – Argentina, Egito, Etiópia, Irã, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos – serão admitidos como membros do grupo em 1º de Janeiro de 2024. O anúncio foi feito pelo presidente sul-africano Cyril Ramaphosa, na quinta-feira, 24, na cúpula realizada em Joanesburgo, ao lado do presidente do Brasil, Lula da Silva.
De acordo com o Global Times, um membro da indústria petrolífera com sede em Xangai avalia que ter produtores e consumidores de petróleo como membros estabelecerá uma base para os membros do BRICS usarem moedas locais na liquidação de operações comerciais, o que pode definitivamente reduzir os custos de transação. Isso é que parece marcar começo do ocaso do crepúsculo do dólar.
Em agosto, os países que manifestaram interesse em aderir aos BRICS representavam 60% das reservas mundiais conhecidas de petróleo e gás. “Se levarmos em conta os outros blocos comerciais dos quais cada um dos atuais cinco países do BRICS é membro, bem como os países que estão dispostos a aderir ao BRICS, é suficiente construir um sistema monetário transnacional independente. O comércio de petróleo pode quebrar o domínio do petrodólar usando a liquidação em moeda local”, avalia.
Os líderes do BRICS enfatizaram a importância de incentivar o uso de moedas locais no comércio internacional e nas transações financeiras entre os países do BRICS, bem como seus parceiros comerciais. A ideia é incentivar o fortalecimento das redes de correspondentes bancários entre os países do BRICS e de permitir liquidações em moedas locais, de acordo com a declaração de Joanesburgo, divulgada durante a 15ª Cúpula, encerrada na quinta-feira, 24.
Até agora, o volume de transações dentro dos BRICS utilizando dólares americanos e euros continuam a diminuir, mostram dados abertos. A partir do momento em que o petróleo e outras mercadorias são negociadas diretamente em moedas diferentes do dólar, a função dos títulos do Tesouro dos EUA como reservas cambiais será irreversivelmente enfraquecida, uma vez que o petróleo, a mercadoria energética mais importante comercializada, sempre esteve ligado ao estatuto da moeda de reserva global.
“A venda de dólares americanos e títulos do Tesouro dos EUA será acelerada”, disse o analista de mercado baseado em Xangai. Na verdade, emergiu gradualmente uma tendência de redução das participações em títulos do Tesouro dos EUA.
As participações da Arábia Saudita em títulos do Tesouro dos EUA caíram para o mínimo de seis anos, para US$ 108,1 bilhões em junho. A venda líquida acumulada de dívida dos EUA é de quase US$ 80 bilhõees. Os Emirados Árabes Unidos também venderam quase US$ 4 bilhões em dívida dos EUA no total, de acordo com dados do Departamento do Tesouro, em Washington.
Analistas notam que a tendência de desdolarização é, na verdade, o fruto amargo da própria criação dos EUA. Nos últimos anos, as sucessivas sanções financeiras unilaterais estadunidenses apontaram cada vez mais a países da necessidade e urgência da desdolarização, que se tornou agora um consenso geral, conforme apontam o Lula e outros líderes dos BRICS.
“Já ultrapassamos o G7 e respondemos por 32% do PIB mundial em paridade do poder de compra. Projeções indicam que os mercados emergentes e em desenvolvimento são aqueles que apresentarão maior índice de crescimento nos próximos anos”, destacou o líder brasileiro durante a reunião de Joanesburgo.
Segundo o FMI, enquanto os países industrializados devem desacelerar o crescimento de 2,7%, em 2022, para 1,4% em 2024, o crescimento previsto para os países em desenvolvimento é de 4% neste ano e no próximo. “Isso mostra que o dinamismo da economia está no Sul Global e o BRICS é sua força motriz”, destacou.
A mesma posição foi compartilhada pelo líder russo, Vladimir Putin. Na sua intervenção, o presidente da Federação Russa disse que é um processo “irreversível” a desdolarização da economia mundial, isto é, que o dólar norte-americano deixe de ser a moeda preferencial nas trocas comerciais.
“Esta cúpula serve para discutir a transição detalhada para as moedas nacionais para as trocas entre os nossos países”, defendeu, dizendo que o Banco dos BRICS — liderado pela ex-presidenta Dilma Rousseff — terá um “papel enorme a desempenhar neste esforço”.
Putin não esqueceu a situação atual, criticando as sanções ocidentais contra o seu país e alegando que “são os países mais vulneráveis que estão a ser atingidos de forma mais dura”. A própria Dilma entrou no assunto. Ela declarou em Joanesburgo que o mundo passa por um momento muito difícil.
“Vivemos a combinação de uma grave crise climática, um aumento brutal da desigualdade, baixo crescimento, protecionismo com fratura das cadeias globais de valor e conflitos geopolíticos de todos os tipos, ademais de protecionismo, sanções e fragmentação geopolítica”, disse. Ela reforçou que o Novo Banco de Desenvolvimento, criado há oito anos em Fortaleza (CE), é uma instituição que vai atuar para reforçar a nova realidade.
“É urgente uma nova arquitetura financeira que canalize os recursos necessários para expandir a infra-estrutura física e digital, viabilize a ampliação da educação e apoie o empreendedorismo. O NDB, o chamado Banco dos BRICS, é parte fundamental desta solução. Nós não estamos sozinhos nessa empreitada”, declarou. “O NBD é o primeiro banco de desenvolvimento criado por e para economias emergentes. Enquanto plataforma multilateral, o NBD tem como principal objetivo promover o crescimento econômico sustentável e inclusivo, financiando projetos de infraestruturas e de desenvolvimento sustentável”.
O dólar americano tem sido sustentado há muito tempo pela confiança global na dívida dos EUA. Mas os EUA prejudicaram o resto da economia mundial através de uma flexibilização quantitativa ilimitada e de aumentos acentuados e massivos das taxas de juro. Deve-se dizer que os EUA estão sacando o crédito do dólar americano, disse um diretor de empresa de valores mobiliários com sede em Pequim ao Global Times.
“No passado, provavelmente não havia alternativa melhor ao dólar americano, e o forte poder econômico dos EUA permitiu que o dólar continuasse a manter a sua hegemonia. Agora as coisas mudaram. Por exemplo, o NDB oferece um ambiente de liquidação em moeda local para reduzir o custo e a complexidade do comércio transfronteiriço”, declarou a fonte ao GT.
Ele também observa que a situação do dólar é afetada pela instabilidade política e econômica nos EUA. O elevado nível da dívida pública norte-americana e a incerteza sobre o crescimento da economia estadunidense levarão a um declínio no valor do dólar. É natural que outros países queiram reduzir a sua dependência do dólar para reduzir esse risco. •