Há 42 anos, os EUA assistiram ao ataque da Casa Branca ao movimento sindical, no início da ascensão dos falcões contra o estado de bem estar social. Reagan derrubou a greve no setor aéreo. Mas o movimento está vivo e forte

Isaías Dalle

No início de agosto de 1981, nos Estados Unidos, uma greve de 48 horas seria usada como exemplo pelos defensores do neoliberalismo desbragado. A categoria de controladores de voo começou no dia 3 uma paralisação que se pretendia total, para reivindicar melhores salários e condições de trabalho. No mesmo dia, a administração de Ronald Reagan interveio, afastou de pronto aproximadamente 13 mil controladores de voo civis em greve e colocou técnicos militares para ocupar suas vagas.

A greve foi esmagada, muitos participantes seriam duramente castigados pelos anos seguintes, o sindicato foi proscrito e a maioria da mídia planetária apresentaria o episódio como ocaso do movimento sindical combativo. Eram os tempos do warfare, termo empregado entusiasticamente como contraponto ao wellfare, o estado de bem-estar social. Mas a turbulência não era o fim da história. Depois de alguns duros anos, a categoria se reorganizou e hoje seu sindicato a representa nas negociações coletivas junto ao poder público.

Aquele movimento tinha os pés no chão, não foi construído no ímpeto. Os controladores de voo negociaram a pauta de reivindicações ao longo de sete meses junto à agência federal de aviação, sem sucesso. Desde alguns anos, o setor vinha passando por um processo de enxugamento. Em 1977, houve uma operação-padrão de advertência, cobrando reajustes salariais aprovados, mas não cumpridos, e reivindicando reestruturação dos processos de trabalho. Ainda naquele mesmo ano, uma greve tentou alertar a sociedade para os riscos da diminuição do número de pilotos – de três para dois – nas cabines dos jatos comerciais.

A greve de 1981, prevista para durar até 5 de agosto, reivindicava aumento salarial de 10 mil dólares por ano, redução da jornada semanal de 40 para 32 horas e aposentadoria aos 20 anos de serviço contínuo. À época, 89% dos controladores de voo abandonavam a carreira antes de se aposentar. Do restante, 40% se aposentavam por causa de doenças do trabalho. A automação e a crescente velocidade das operações de voo, somadas ao aumento do tráfego aéreo, eram um risco para todos, alegava o sindicato.

Houve um erro de cálculo político por parte do sindicato, no entanto. A organização, tradicionalmente próxima ao Partido Democrata, havia apoiado a candidatura do republicano Reagan. O presidente anterior, o democrata Jimmy Carter, era acusado de ter permitido o sucateamento do setor e ainda carregava em sua bagagem o fracasso de uma tentativa de reforma sindical, derrotada no Congresso em 1978.

Já eleito, o ex-ator Reagan chegou a solicitar ao secretário do Trabalho, Roberto Poli, em ofício, que atendesse ao sindicato que o apoiara, no que foi ignorado. A administração republicana foi orientada a sufocar o movimento. A inspiração vinha da Inglaterra, onde a primeira-ministra Margaret Thatcher liderava a radicalização de um programa de Estado mínimo, que incluía a limitação do poder dos sindicatos, por meio de restrições legais.

Dois anos após a greve dos controladores de voo nos Estados Unidos, a Dama de Ferro enfrentou longa greve dos mineiros ingleses, derrotada após 16 meses de luta, diante de uma primeira-ministra inflexível. A dupla Thatcher-Reagan passou para a história como heróis do neoliberalismo e da diminuição do Estado.

Os controladores de voo estadunidenses não recuaram em 1981, mantendo manifestações públicas em diferentes cidades do país. Retomaram sua organização formal apenas em 1987, com a criação de um novo sindicato, o NATCA (National Air Controllers Association). A entidade seria novamente reconhecida para negociar acordos coletivos com a agência nacional de aviação apenas em 1996, após aprovação de lei no Congresso.

Desde então, o sindicato participa das negociações. No país da tão decantada Constituição enxuta, acordos trabalhistas são amplos, detalhados e ocupam centenas de páginas, à disposição para consultas no site do Departamento do Trabalho. O NATCA participa também da elaboração de políticas para o setor, como o plano de promoção de segurança em voos construído em conjunto com o governo, em 2009.

Atualmente com quase 16 mil associados, o sindicato representa a categoria que trabalha no setor público. Controladores aéreos em atividade, segundo dados da entidade, são 10.600. O NATCA afirma serem necessários mais de 14 mil, e demanda novas contratações no setor. Filiado à central AFL-CIO, o sindicato já informou que no ano que vem renovará o apoio à candidatura democrata para as eleições presidenciais. Desta vez os controladores não querem perder a rota. •

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