Donald Trump enfrenta novos problemas na Justiça Federal dos EUA por tentativa de derrubar a eleição de 2020, quando perdeu a disputa presidencial. A dureza das novas denúncias pesam contra o ex-presidente, mas ele está empatado na corrida pela Casa Branca com Biden, de acordo com pesquisas

A política nos Estados Unidos vai se assemelhando aos cenários de crises imundas como aconteciam nas antigas republiquetas da América Latina, com um pretendente a reocupar a Casa Branca enfrentando novas e duras denúncias na Justiça por sua tentativa de promover um golpe eleitoral e afrontar a democracia. O ex-presidente Donald Trump foi indiciado na terça-feira, 1, por seus esforços em evitar derrubar o resultado da eleição de 2020, quando perdeu reeleição para o democrata Joe Biden. É a terceira vez em quatro meses que o empresário e pré-candidato à sucessão presidencial é acusado criminalmente, mesmo enquanto faz campanha para recuperar a cadeira mais poderosa do mundo no próximo ano.

Um grande júri de Washington o indiciou por acusações de conspiração para fraudar os Estados Unidos, conspiração para obstruir um processo oficial, obstrução e tentativa de obstruir um processo oficial e conspiração contra direitos. Trump foi indiciado por seu papel na tentativa de derrubar os resultados das eleições de 2020, um esforço que atingiu um crescendo sangrento em 6 de janeiro de 2021.

No melhor estilo de Jair Bolsonaro, Trump alega que é vítima e está sendo alvo de uma perseguição política numa tentativa de “interferência eleitoral”. A acusação de 45 páginas acusa o republicano de conspirar para fraudar as eleições dos EUA, impedindo o Congresso de certificar a vitória do democrata Joe Biden e de privar os eleitores de seu direito a uma eleição justa. Em 30 de março, em Nova York, Trump foi indiciado por acusações de lavagem de dinheiro. Em junho, em Miami, voltou à condição de réu no caso de documentos confidenciais. Em ambos os casos, Trump encorajou sua base a aparecer no tribunal através de seu aplicativo de redes Truth Social. Dessa vez não houve uma resposta massiva de seus apoiadores.

A nova acusação é um revés para as pretensões do ex-presidente de voltar a ocupar o cadeira central em Washington. Ele está querendo usar as acusações para alavancar a campanha para a Presidência dos EUA. Ainda na terça-feira, uma pesquisa divulgada pelo New York Times, feita pela Siena College, descobriu que Biden está em uma base mais forte do que estava há um ano, mas a situação para o democrata não é confortável. Ele enfrenta o rival cabeça a cabeça para assegurar a reeleição em uma possível revanche contra Trump. Biden e o republicano estão empatados em 43% cada um em uma hipotética revanche em 2024, de acordo com a pesquisa. E o índice de aprovação de Biden é de apenas 39%. A situação parece crítica, mas já foi pior.

De acordo com o New York Times, a pesquisa mostra que o apoio de Biden entre os democratas tem “uma milha de largura e uma polegada de profundidade”. Cerca de 30% dos eleitores que disseram que planejavam votar no presidente em novembro de 2024 disseram que esperavam que os democratas indiquem outro candidato. Apenas 20% dos democratas disseram que ficariam entusiasmados se Biden fosse o candidato presidencial do partido em 2024; enquanto outros 51% disseram que ficariam satisfeitos, mas não entusiasmados. Uma parcela maior de democratas, 26%, expressou entusiasmo pela corrida com a vice-presidente Kamala Harris como indicada em 2024.

De acordo com a pesquisa, 45% dos eleitores democratas apoiam Biden, número que aumentou acentuadamente em relação a julho do ano passado, quando apenas 26% queriam que o presidente buscasse a reeleição. O jornal atribui esse aumento à decisão do STF de eliminar o direito ao aborto, ao bom desempenho dos democratas nas eleições de meio de mandato e à desaceleração da inflação nos últimos meses.

A pesquisa consultou 1.329 pessoas e tem margem de erro de 3,67 pontos. O New York Times publicou o levantamento um dia depois de ter divulgado outra segundo a qual Trump é imbatível contra o resto dos candidatos republicanos nas primárias, apesar de enfrentar inúmeras frentes judiciais. É o grande favorito dos republicanos com 54%, bem à frente do que seria seu grande rival, o governador da Flórida,  Ron DeSantis, que tem 17%. O resto dos candidatos não consegue decolar: o ex-vice-presidente Mike Pence, o senador Tim Scott e a ex-embaixadora da ONU Nikki Haley ficam com 3%.

A mostra indica uma liderança que não é um caso isolado. A vantagem do ex-presidente subiu de 16 pontos para 36 pontos na média das pesquisas RealClearPolitics desde que ele foi indiciado em Manhattan há quatro meses por falsificação de registros comerciais. Durante esse período, um júri em um julgamento civil o considerou culpado de abusar sexualmente de uma jornalista em Nova York. Ele ainda é acusado de 40 outros crimes federais por lidar com documentos ultrassecretos de segurança nacional e também por suposta obstrução da justiça. Ainda assim, ele não está liquidado.

E quem aponta o favoritismo do ex-presidente são analistas democratas. “Trump fez um excelente trabalho não apenas controlando a narrativa, mas ficando por cima dela”, alerta o estrategista eleitoral democrata Amani Wells-Onyioha. “Ele sempre disse a seus apoiadores que está sendo alvo de injustiça e que qualquer acusação é uma tentativa de derrubá-lo. Eles acreditam no que ele diz porque suas acusações apenas alimentam essa narrativa”. Parece loucura, mas os Estados Unidos podem começar a entrar numa espiral de crise e ver esmorecer a democracia, que tanto vem alardeando desde o início do século 20.

O NYT fez questão de alertar para o risco que a América corre, apontando que o caso de Trump tem amplas implicações para a democracia americana. “A terceira acusação do ex-presidente é a primeira a chegar ao cerne da questão: um líder em exercício do país pode espalhar mentiras para se manter no poder mesmo depois que os eleitores o rejeitam?”, questiona o jornal. O repórter Peter Baker, foi ao ponto, em texto publicado na terça: “Nos anais da república, a Casa Branca viu sua parcela de perfídia e escândalo, presidentes que traíram suas esposas e enganaram os contribuintes, que abusaram de seu poder e abusaram da confiança pública”.

“Mas desde que os conspiradores emergiram do Independence Hall naquele dia claro e frio na Filadélfia, 236 anos atrás, nenhum presidente eleito fora do cargo foi acusado de conspirar para manter o poder em um elaborado esquema de engano e intimidação que levaria à violência nos salões do Congresso”, enumera Baker. “O que torna a acusação contra Donald J. Trump na terça-feira tão impressionante não é que seja a primeira vez que um presidente é acusado de um crime ou mesmo a segunda. O Sr. Trump já detém esses recordes. Mas, por mais sério que seja o dinheiro secreto e os documentos classificados, esta terceira acusação em quatro meses chega ao cerne da questão, a questão que definirá o futuro da democracia americana”.  •

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