Esperançosa, a ministra acredita na força do esporte e no talento do povo brasileiro. Tanto que aposta fichas numa modalidade recente capaz de dar alegrias ao país: o break dance. Ela fala dos planos à frente do Ministério dos Esportes

Bia Abramo e Guto Alves

Não deu para a gente, ministra. A ex-jogadora de voleibol, medalhista olímpica nos jogos de 1996, recebeu a reportagem da Focus poucas horas antes da partida do Brasil contra a Jamaica na Copa do Mundo de Futebol Feminino. Ana Moser tinha chegado dias antes da Austrália. Ela tinha ido acompanhar a delegação brasileira e também conhecer o trabalho de australianos e neozelandeses na base do futebol feminino.

A ministra e ex-atleta estava com grandes esperanças, torcendo de verdade, de que a seleção de Marta, Ary, Debinha, Kerolin passasse pela fase de grupos no dia seguinte e continuasse sonhando com a taça. E com a camiseta amarela. Diz Ana Moser: “Estamos bem próximos de recuperar 100% o orgulho de usar a camiseta, porque vai muito além. Eu acho que até o futebol feminino está nos ajudando a recuperar o gosto de usar a camisa amarela. Eu já usei duas vezes nos jogos do Brasil e vou usar de novo amanhã”.

Ninguém melhor do que uma atleta que já sofreu inúmeras derrotas duras em quadra para se recuperar depois do que aconteceu em campo na última quarta-feira, 2. Superar a decepção e tristeza de uma derrota, afinal, faz parte do cotidiano de qualquer esportista, em qualquer nível e modalidade. E a ministra tem mais do que motivação para seguir em frente.

Em sete meses na pasta, que tinha sido extinta na gestão anterior, o Ministério dos Esportes já conseguiu organizar as bases daquele que é um projeto maior e mais ambicioso, criar um sistema nacional de esporte para garantir a atividade física em todos os níveis e para todas as idades.

Conversamos com a ministra, gestora, ex-voleibolista e atual surfista sobre as entregas já realizadas nestes seis meses de trabalho e os planos para o futuro. E também, é claro, sobre esporte. Ana Moser, por exemplo, aposta que nas Olimpíadas de Paris em 2024, é o break dance que vai dar alegrias ao povo brasileiro. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Focus Brasil — A senhora esteve na Austrália acompanhando esse começo da Copa do Mundo de Futebol feminino, um momento muito interessante do esporte brasileiro. Como está vendo a seleção de futebol que é o esporte, digamos, símbolo do país agora tão fortemente representado pelas mulheres?

Ana Moser — O resultado da seleção feminina em campo é muito importante para o todo. Eu falo muito da experiência que eu tive no voleibol, como foi a construção da minha imagem do voleibol frente ao público de uma maneira geral, que é uma constância de resultado, de desempenho que fomos galgando: campeonato sul-americano primeiro, mundial, depois olímpico, depois bicampeão olímpico. É uma trajetória com muito investimento. Então, olhando para o futebol feminino, penso que terá mais força junto ao público quando também estiver influenciado por um uma constância de resultados internacionais. Mas isso não diz tudo do que é o potencial do futebol feminino para desenvolver o esporte feminino. Muito além disso, há a inserção, a inclusão da mulher dentro da sociedade. Nós sempre tivemos isso na perspectiva. Todo esse governo Lula, a composição dos ministérios, mais mulheres em lugares de poder. E a relação com o futebol feminino é muito simbólica, muito forte. A cultura do futebol é muito forte no Brasil, mas ainda é muito mais masculina, é 100% masculina. Inserir a mulher dentro desse contexto é furar bolha num contexto, socialmente, muito importante. Quando nós fomos à Austrália e à Nova Zelândia, sentimos de forma concreta o que já está avançado lá, esses países estão alguns anos à nossa frente. É um movimento que lá veio anteriormente, com uma visão de legado, que acontece inclusive muito antes do grande evento. A preparação para o evento tem questões de direcionamento de política pública – que tem esse poder de provocar, de induzir o funcionamento da sociedade e implementar várias melhorias para o esporte feminino. Desde melhores horários à facilidade de ter equipamentos ou vestiários próprios para as meninas ocuparem. É esse o contexto do futebol feminino. Vamos torcer para o Brasil contra a Jamaica, mas ganhando ou perdendo, esse processo que se inicia com a candidatura do Brasil para a Copa do Mundo de 2017 traz todas essas questões que vão além do resultado dentro de campo.

— A população está abraçando o futebol feminino. Pessoas que nunca comentavam o evento estão acompanhando e compartilhando. Uma usuária do Twitter postou que seu pai a havia lhe telefonado às 6h para ver o jogo, algo antes exclusivo do futebol masculino. É disso que fala quando cita a transformação na dinâmica social?

— É disso que a gente está falando mesmo: são pequenas questões que vão mexendo na dinâmica social com a influência cultural do futebol. Então, esse exemplo que você trouxe de o pai avisar a filha sobre uma partida, por exemplo, não sei se ele falaria com a filha num jogo do masculino, né? São muitas histórias, nas quais essas questões culturais vão ficando muito claras. Isso de [assistir ao jogo] virar um programa de pais e filhas. E tem também agora o pai levar a filha para os jogos. O pai tradicionalmente sempre leva o filho homem. Até na questão do negócio mesmo influencia: o retorno dos investimentos de patrocínio lá na Austrália, o que a gente ouviu durante a visita, é que estava no nível de US$1 para US$7 de retorno de patrocínios para produtos relacionados ao futebol feminino, porque o futebol feminino traz valores de família, valores de congraçamento, de união, de fazer junto, de compartilhar, valores que são atribuídos ao feminino e que chamam atenção. O que temos visto é que a sociedade responde bem a essas a esses estímulos. Foram vendidas mais camisetas da seleção feminina da Austrália no primeiro dia da Copa do Mundo feminina do que no último dia da Copa do  Mundo do Catar. Além de todas as questões sociais, é um mercado muito grande que se abre. É uma relação que eu acho importante para o Brasil, que pode se beneficiar muito do esporte e para a sociedade de uma maneira geral, com um espaço maior de aceitação, de frequência de presença da mulher na nossa sociedade. São questões que até hoje estão aí e que precisam ser quebradas. O Brasil tem dificuldade de quebrar questões de respeito à mulher e o esporte pode ter uma contribuição muito grande.

— Desde que aceitou o convite do presidente Lula para assumir o cargo de ministra, a senhora bate na tecla do direito constitucional à prática do esporte e da descentralização dos investimentos nos vários esportes praticados no Brasil e do abandono dos últimos anos. Como tem sido o trabalho no ministério até agora? É uma reconstrução?

— É uma reconstrução no sentido de que não era mais ministério e voltou a ser. Tivemos de recuperar a estrutura institucional, formar equipe, teve tudo isso. Mas é uma construção também, porque o esporte não é formal. Não existe um sistema. O pessoal mais antigo aqui diz que o [Ministério do] Esporte hoje pode se comparar com a Cultura no primeiro governo do presidente Lula. Hoje, a cultura já têm um sistema. Mesmo tendo sido destruído, inclusive o ministério em si, os fundos se mantiveram. Nós não temos isso aqui ainda. Só para se ter uma ideia, o orçamento do início do ano do ministério era de cerca de R$ 200 milhões, mais as emendas parlamentares. Já estamos em R$ 900 milhões. Tivemos, portanto, aí um aumento de R$ 700 milhões. Isso garante bolsa atleta, manutenção dos parques olímpicos do Rio de Janeiro… Para o Brasil inteiro, para todas as ações. E também para todas as demandas com jogos escolares brasileiros, com outras competições, com programas. O desafio das emendas… Não é que elas sejam criminosas, mas precisamos saber para onde são direcionadas. Para determinadas regiões, conseguimos também ter uma construção de um cardápio que oferecemos para os parlamentares, como  os nossos desenhos de programas para atender crianças e jovens no contraturno, adultos, idosos, competições escolares, essas outras atividades. A gente apresenta, mas mesmo assim, não é ainda uma política, é uma execução de projetos. O ministério tem boa parte da estrutura como executor de projetos e menos de formulação de política pública. Nós aprovamos esse ano a Lei Geral do Esporte, que é a definição do Sistema Nacional do Esporte. E estamos elaborando o plano nacional, que é o sistema em implantação pelos próximos anos, esse desenho de implantação do sistema. Esse foi o grande trabalho do primeiro semestre, articular toda essa rede de membros do sistema. A construção das bases para termos um pacto nacional em torno de metas de desenvolvimento do esporte em todas as suas dimensões e construir as parcerias com as outras pastas. Foi um semestre de muita construção, com muito de pactuação de políticas transversais. Além de retomar diretamente o bolsa atleta, batemos um recorde de beneficiados nesse ano: temos editais de skate, editais de retomada de programas antigos do ministério como o Segundo Tempo, como o programa de esporte e lazer da cidade, Mais Vida Saudável. E colocando aí tudo o que nós temos de recurso e buscando ainda mais recurso para o esporte, como parcerias com CNPQ pra bolsistas e outras parcerias pra buscar recursos com as empresas estatais, buscando exatamente trazer essa convergência. O Ministério do Esporte nunca vai ter o recurso para fazer o atendimento direto a toda a população, para garantir esse direito de todos. É preciso buscar as articulações e as maneiras tanto no nível federal quanto no nível dos estados e dos municípios para que ocorra essa convergência de recursos.

— E a regulamentação do repasse das loterias. O que está em jogo?

— Primeiro, existe autonomia do sistema esportivo. Os governos não podem influenciar nas regras das competições, na autonomia da gestão, modalidades, seleções, clubes, enfim, uma maneira de se organizar a relação com as federações internacionais e com o Comitê Olímpico Internacional. Essa é a autonomia esportiva que existe e o que se coloca na legislação desde a Lei Pelé. São as regras para utilização dos recursos públicos, ou seja, em resumo, a utilização dos recursos públicos tem que ter finalidade pública. Na Lei Pelé existia a previsão de contratos de desempenho entre o governo e essas instituições pra organizar a utilização do recurso das loterias, que é recurso público disponibilizado mensalmente, que vem da premiação das loterias federais dentro de uma legislação que regula isso. Só que o contrato de desempenho nunca foi executado. E a justificativa dada era a de que precisaria ter um plano nacional que não existia. Não existiam metas acordadas num plano nacional, o que  prejudicaria uma derivação para um contrato de desempenho, que teria essa nivelação pelas metas do plano. Apesar de estar previsto, nunca foi executado. É preciso que se preencham as lacunas do esporte brasileiro, que começam pela forma e estruturação de uma visão de futuro, de um planejamento de uma busca de objetivos comuns e de otimizar os recursos pra alcançar esses objetivos. É preciso, por exemplo, que as instituições do esporte tenham um comprometimento com o desempenho de medalhas, de conquistas internacionais, mas também de número de participantes, de número de atletas que englobam dentro das suas estruturas federativas no nível nacional, no nível estadual. Esse é o compromisso. Todo esse barulho está nesse contexto. Não é nada fora do que do que se tem em todos os países. Na Austrália é assim, na Inglaterra é assim… Nos outros países é assim que se tem uma gestão da política nacional centralizada no ministério. É o que esse governo está propondo.

— Quais são os planos para que a gente seja um país em que o esporte esteja inserido na vida das pessoas cada vez mais, em todos as dimensões e categorias?

— Existe um pressuposto conceitual que dá a base para o novo sistema nacional de esporte, que é uma visão de que toda a população tem que estar inserida, da formação esportiva de crianças e jovens passando pelo esporte que a gente chama de formação esportiva num dimensão mais geral. É o esporte para toda a vida: saindo da fase escolar, tem as outras  atividades físicas, o esporte amador… O esporte competitivo, em termos de volume é coisa de 4% da população no máximo. Eu uso a maior parte do recurso disponível hoje porque o recurso para o esporte é pouco. Trata-se de ampliar o recurso para o esporte. Nessa visão é o esporte para jovens, para adultos, atividade física para a terceira idade. Quando a gente fala em direito de todos, é o direito de todos e também adequado para cada fase da vida. E isso muda, né? É preciso oferecer diferentes possibilidades de acesso. Só que para isso eu preciso de recurso. Nós temos realmente um caminho muito longo a seguir. Ele começa num reconhecimento do que nós temos hoje em dia no Brasil, que é tudo totalmente informal. Nós temos no Brasil um “sem número” de ONG’s, um “sem número” de projetos das mais variadas bases, desde grandes programas a professores que levam a bola no porta-malas do carro e oferecem pra turminhas aqui e ali, projetos em escolas, postos de saúde que têm atividade física, a gente tem atividade física em CRAS, CREAS, em equipamentos da assistência social. Eu vejo atividade física e esporte em vários lugares, só que não alinhados. E quando não há esse alinhamento, isso não se garante. Nossa estratégia começa num olhar para o território. Estamos desenvolvendo projetos-piloto em alguns territórios do Piauí, Ceará, aqui no Distrito Federal, Bahia… Já estamos avançados na articulação de chegar no território, de fazer um diagnóstico e canalizar recursos para fomentar e estabelecer metas de avanço, estabelecer a conexão entre essas instituições. Estabelecer uma corresponsabilidade da Educação com o número de alunos que realmente fazem atividade física… É complexo, por que 70% da nossa população é sedentária. São essas questões que nós temos que desenvolver. Capacitar professores, qualificar uma série de níveis de prática e de gestão do esporte e da educação física, da atividade física para que possa ir construindo. É muito mais uma construção de um sistema que não existe, estabelecer um cadastro nacional de esporte. O cadastro nacional dessas instituições que são invisíveis, que não são reconhecidas.

— O trabalho parece ser de uma revolução futura…

— Uma revolução. E não é um trabalho para quatro anos. Mas a base que a legislação do Sistema Nacional e do Plano Nacional proporcionam, pode fazer essa construção. Ao mesmo tempo, você tem que buscar canalizar recursos para ter entregas. E é isso que a gente vem buscando e brigando, por recurso dentro do próprio governo.

— Qual o desafio para transformar essas políticas que a senhora está correndo atrás em políticas de Estado, não só de governo?

— Assim que os municípios entrarem no sistema, aderirem ao sistema, eles têm que construir o seu plano municipal, o seu conselho municipal e o seu fundo municipal. Fundo é uma questão que nós ainda não resolvemos no nível federal porque na nossa Lei Geral não deu pra incluir o fundo. O fundo tem que ser construído. A cultura tem vários, o esporte não tem fundo nenhum. Um fundo nacional para que possa ter essa política de financiamento nos outros estados e municípios, em todos os níveis federativos em suma, para poder viabilizar.  Não existe política sem financiamento. Não existe sistema sem fundo, então é esse trabalho dos municípios estarem aderindo ao sistema ao passo que estão se estruturando também e formalizando as suas estruturas do esporte em nível municipal e federal.

— A senhora pertence a uma geração de esportistas que, quando deixaram de ser atletas de alto desempenho e pararam de competir, começaram a se preocupar com o esporte fora da competição. Aqui penso no Raí, na Paula do basquete etc. O que moveu essa geração de vocês?

— Eu não sei dizer, mas aconteceu mesmo isso. Tem também o Lars Grael… A família Grael toda era o Rumo Náutico, criaram lá em Niterói, o Raí fez o Gol de Letra, a Paula fez o Passe de Mágica, além da vivência dela na gestão pública, a Fernanda Keller, também tinha  um projeto lá em Niterói… Penso em algumas hipóteses aqui. Acho que primeiro teve uma consciência, nós todas viemos do esporte amador e viramos profissionais. Eu fui isso, a Paula também provavelmente, somos da mesma geração. A relação que a gente tem com o esporte e pelo esporte é muito grande.

— Como é que foi para a senhora parar de ser atleta, começar a se envolver com uma organização de incentivo ao esporte e até virar ministra? Como é que foi esse percurso?

— Eu criei o Instituto Escola de Educação em 2001. Eu parei e já tinha um projeto que tinha o nome que estava relacionado ao voleibol, e aí apareceu uma empresa querendo fazer esporte para todos, em comunidades, isso em 2000. E aí demorei um tempo para organizar uma instituição e até para me preparar para poder trabalhar de acordo com todos os desafios. Comecei a ONG, a me formar na área e brincar de fazer política pública dentro da ONG. Dentro do instituto, nós atendemos mais de 20% dos municípios brasileiros em 20 anos.

— A senhora comparou em algum momento o aporte, os aportes da cultura com os do esporte. A senhora avalia que a organização que há nos trabalhadores da cultura, falta nos atletas e trabalhadores do esporte?

— Sempre ouvi isso. Eternamente ouvindo que atleta é desunido e que o esporte é desunido e que a cultura vem com uma força de mobilização, a vida inteira realmente ouvindo isso.  E é verdade, realmente acontece. E até a organização dos atletas e do esporte que existe hoje mira muito o exemplo dado pela cultura, no sentido de se estruturar, de ter discurso alinhado, de defender as causas próprias. Tudo isso eu acho que é um processo. Se você olhar dez anos atrás, nós não tínhamos comissões de atletas nas confederações. Agora, atleta é realmente é diferente de artista. Atleta tem prazo de validade e nesse tempo ele treina, joga, descansa, faz fisioterapia. A vida dele é muito voltada para isso, é muita dedicação, muito desgaste físico, muita viagem. Artista, quanto mais experiente, quanto mais velho, mais condição tem inclusive de argumentar e participar de debates da vida política como cidadão, como sociedade civil organizada. Então tem essas diferenças de características, mas tem sim uma organização mais recente no esporte, que vem do seu jeito se organizando.

— Nas últimas Olimpíadas, vimos o skate feminino brasileiro brilhando, ganhando medalhas importantes. Nesse sentido que a senhora menciona aí do futuro, quais são as novas modalidades com as quais podemos ter essa expectativa?

— Olha, no detalhe não sei fazer essa análise, mas no feeling eu diria:  não tem modalidade em que o Brasil não possa se desenvolver, se apresentar e fazer bonito. A última até agora é o break dance. Nesse final de semana, teve o Campeonato Brasileiro de Break Dance e é super legal. Eu já frequentei muito os CEU’s (Centro Educacional Unificado) de São Paulo e vi essa modalidade se desenvolvendo. Os meninos e as meninas já vinham com uma riqueza motora incrível, dançando break, é incrível o que eles fazem. Á época, a gente pensava: se pegar toda aquela riqueza motora e botar para fazer ginástica artística… Eles praticamente já chegam prontos… E hoje, desenvolveram sua própria modalidade, que está reconhecida, e se organizam também de maneira própria em ONGs ou equivalentes… Não é igual clube de futebol ou outros clubes esportivos como em outras modalidades. E isso é um jeito do Brasil, que é capaz de transformar uma cultura motora em modalidade e rapidamente se organizar.  Foi a mesma coisa com o skate, os chamados X Games, todas essas competições fora do circuito olímpico. Já era muito forte no Brasil, sempre muito forte, e agora formalizando, tem como competir e fazer bonito. Voltando à pergunta inicial: no Brasil, tem um pouco de tudo com qualidade. E uma vez que se desenvolveu, a gente pode esperar bons resultados. Por exemplo, a partir dos grandes investimentos que foram feitos antes das Olimpíada de 2016 no Rio, todas as modalidades passaram a ter estrutura, como já se viu na Olimpíada do Rio, depois Olimpíada de Tóquio e agora na próxima, em Paris, o país também deve ter bom resultado. E eu aposto que as pessoas vão ficar encantadas com break dance.

— O esporte, ao lado da música brasileira, é um dos campos simbólicos em que o Brasil se excede e se supera. É possível vestir a camiseta verde-amarela, depois de ela ter sido sequestrada pela extrema-direita?

— É possível. Estamos bem próximos de recuperar 100%. Até o futebol feminino está nos ajudando a recuperar o gosto de usar a camisa amarela. O esporte tem um poder que é único. A cultura também consegue, mas no esporte tem a questão da disputa esportiva que é imprevisível. É uma disputa com o outro, é uma disputa pra ver quem é mais competente:  isso é competição, é provar a competência diante das outras nações. Ou seja, simboliza a competência de todo um povo, não é só do atleta. Esse é o simbólico que, quando você, muito gentilmente coloca sua emoção, quando lembra das conquistas das quais eu participei… Você olha para mim, lembra daquela conquista, lembra daquela emoção. Esse é o poder que o atleta tem, que o esporte tem de marcar as pessoas com emoções  positivas, emoções de construção, de superação, de identidade, de projeção de desejo, desejo no sentido de conquista… De poder dizer: “Puxa vida, nos respeitem, somos bons”.  Esse é um poder muito grande mesmo que o esporte tem – estou falando do meu lado, da minha experiência de vida. Isso me abre muitas portas, me coloca numa posição das pessoas pararem para me ouvir, pelo menos na primeira vez. E depois eu tenho que entregar conteúdo porque só essa imagem, essa lembrança ela não garante longevidade, mas garante um primeiro contato, uma credibilidade. Mas tem que ser um cuidado Peter Parker: você tem que ter responsabilidade sobre tudo isso e um compromisso que tem que ser para o bem de todos. Também tem outras questões, aquelas mensagens, que ficam na nossa cabeça: se não está bom pra ninguém, não vai estar bom para mim se não estiver bom pra todo mundo. São essas questões que vão mantendo viva essa memória. •

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