Mortes na terra ianomâmi
A Polícia Federal investiga mais oito mortes na reserva indígena em Roraima, onde garimpeiros continuam atuando fora da lei. Neste ano, já haviam morrido 42 pessoas na reserva federal
A batalha do Brasil para recuperar o seu maior território indígena de dezenas de milhares de garimpeiros ilegais tomou um rumo mortal depois que pelo menos oito pessoas foram mortas durante 36 horas de violência no extenso território indígena a área ianomami da Amazônia. O derramamento de sangue começou na tarde de sábado, 29, quando garimpeiros mascarados supostamente lançaram um ataque a uma aldeia chamada Uxiu.
O líder ianomami Júnior Hekurari disse ter recebido informações de que entre 15 e 20 garimpeiros fortemente armados chegaram de barco e abriram fogo contra os moradores. Três homens ianomami – de 36, 31 e 24 anos – foram baleados. O mais velho, um indígena sanitarista chamado Ilson Xiriana, morreu cedo após ser baleado na cabeça.
“Essa barbaridade não ficará sem resposta”, disse o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, enquanto o governo enviava uma delegação de alto nível de ministros e chefes de polícia à região em resposta. As ministras do Meio Ambiente, Marina Silva; da Saúde, Nísia Trindade; e dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, visitaram a região na segunda-feira, 1º de maio, acompanhadas da presidenta da Fundação Nacional do Índio (Funai), Joênia Wapichana.
No domingo, 30, houve mais violência em outra parte do território ianomami, que tem uma área do tamanho de Portugal. Pelo menos quatro garimpeiros foram mortos por membros das forças do grupo de proteção ambiental Ibama e da Polícia Rodoviária Federal (PRF) – os dois grupos que lideram o ataque contra garimpeiros ilegais – invadiram uma jazida ilegal de cassiterita e ouro chamada “Garimpo do Ouro Mil”. A chegada deles provocou uma série de tiroteios enquanto homens armados — alguns vestindo uniformes camuflados — desafiavam as forças do governo.
Em nota, a PRF disse que agentes foram atacados por pistoleiros fortemente armados quando seus helicópteros tentavam pousar. “A polícia revidou e atingiu os quatro atiradores, que não resistiram aos ferimentos”, acrescentou o comunicado. A polícia recuperou “um arsenal”, incluindo um rifle de assalto, três pistolas, sete espingardas e duas miras a laser.
O Ministério do Meio Ambiente anunciou que havia suspeitas de que a mina era comandada por uma organização criminosa, conhecida como o Primeiro Comando da Capital (PCC) – uma quadrilha carcerária nascida em São Paulo que se tornou uma das organizações criminosas mais poderosas da América do Sul.
As mortes destacam os desafios e perigos envolvidos nos esforços do governo Lula para expulsar milhares de garimpeiros ilegais que devastaram o território ianomami nos últimos anos, causando o que o presidente chamou de “uma tentativa de genocídio” do grupo indígena.
Apenas em 2023, 42 indígenas morreram na terra ianomami, segundo o Ministério da Saúde. Outros seis óbitos estão sob investigação. De acordo com o governo Lula, doenças associadas à fome estão entre as principais causas das mortes. As principais causas dos óbitos foram desnutrição grave, diarreia e pneumonia, doenças associadas à fome.
As operações de desobstrução de terras indígenas começaram ainda em fevereiro, depois que Lula assumiu o governo prometendo enfrentar os criminosos ambientais. Ativistas acusaram o líder da extrema-direita, Jair Bolsonaro, de encorajar a exploração ilegal dos recursos nas terras indígenas.
Centenas de crianças ianomami teriam morrido de doenças curáveis durante o governo Bolsonaro, em parte porque as quadrilhas de garimpeiros trouxeram consigo uma explosão de malária e impossibilitaram o trabalho das equipes de saúde. Durante o governo do líder extremista o desmatamento disparou na Amazônia.
Em entrevista, o chefe do recém-criado departamento da Polícia Federal para o meio ambiente e a Amazônia, Humberto Freire, disse estar “absolutamente confiante” de que a cruzada antimineração terá sucesso. “Estimamos que havia de 15 mil a 20 mil garimpeiros nas terras ianomami”, declarou. Mais de 90% desse contingente de garimpeiros deixou a área.
Segundo o Ibama, 327 garimpos, 18 aviões e dois helicópteros já foram destruídos. Apesar disso, agentes acreditam que um número considerável de garimpeiros continue operando em terras protegidas, usando uma frota ilegal de helicópteros para abastecer suas minas – e contrabandear minerais valiosos.
Freire disse que o fechamento completo do espaço aéreo ianomami a essas aeronaves não é apenas crítico, mas essencial. “A menos que o espaço aéreo [sobre o território] seja totalmente fechado e vejamos ações do Ministério da Defesa que detenham todas as aeronaves não autorizadas sobrevoando as terras indígenas, a operação não terá sucesso”, alertou.
O presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, também voou para a região, dizendo a repórteres que Lula havia dado ordens para acelerar a expulsão dos garimpeiros após o ataque de sábado.
Na terça-feira, 2, durante coletiva de imprensa sobre a retirada de ocupantes ilegais de terras indígenas do Pará, a ministra Sônia Guajajara falou sobre a situação na reserva. “Agora com essas pessoas que estão lá resistentes a permanecer dentro do território, que são mesmo esses garimpeiros criminosos que estão foragidos da Justiça, a maioria que resiste sair está procurando conflitos, estão provocando os indígenas ali dentro. Então é importante que haja uma intensificação da ação ali. E concluir essa operação, essa operação libertação o quanto antes”, disse. •