A autoria do atentado
O ex-presidente Jair Bolsonaro presta depoimento à Polícia Federal e tenta se eximir de responsabilidades, enquanto o cerco vai se fechando contra ele e seu auxiliares mais próximos. Além disso, a CPI para investigar os ataques de 8 de janeiro é instalada no Congresso, com o governo tendo maioria para conduzir os trabalhos por 180 dias. Agora, generais estão na mira e Ricardo Cappelli faz limpa no GSI
A responsabilidade direta do ex-capitão Jair Bolsonaro e de oficiais de alta patente que serviram no seu governo e estão na mira das investigações sobre os atentados de 8 de Janeiro foram o assunto da semana na política em Brasília. Os ataques ao Estado de Direito, às instituições democráticas e o atentado contra as sedes dos Três Poderes da República estão no centro de investigações conduzidas pela Polícia Federal e estarão sob os holofotes de uma Comissão Mista Parlamentar de Inquérito instalada pelo Congresso Nacional.
O cerco ao bolsonarismo continua se fechando, embora o próprio ex-presidente agora surja manso como um cordeiro em pele de lobo. Na quarta-feira, 26, Bolsonaro prestou depoimento na Polícia Federal em Brasília durante duas horas, dizendo que tudo não passou de engano e que ele estava sob efeito de morfina quando postou nas redes sociais ataques diretos à Justiça Eleitoral. Em seu depoimento, claro, o líder da extrema-direita fez aquilo em que é mestre: mentiu e dissimulou.
Não conseguiu explicar porque compartilhou no Facebook, após os atos golpistas desferidos por seus apoiadores, em 8 de janeiro, um vídeo em que questionava a lisura das eleições presidenciais de 2022. Bolsonaro afirma que publicou o vídeo ‘sem querer’. E jura que a derrota imposta pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, nos dois turnos das eleições presidenciais de outubro, agora é “página virada”.
Lula da Silva enxerga em Bolsonaro o arquiteto da tentativa de golpe em janeiro. E acusou o ex-presidente diretamente pelo esforço de promover um atentado contra a democracia brasileira, abalada desde o golpe de 2016, quando Dilma Rousseff foi afastada da Presidência da República num acordo político entre tucanos e emedebistas. “Não tenho dúvidas de que ele [Bolsonaro] tentou dar um golpe. Isso ia acontecer desde o primeiro dia da minha posse, mas como havia muita gente, ele esperou uma semana”, disse Lula na entrevista concedida ao jornal espanhol El País, publicada na quinta-feira, 27.
“Vi tudo na televisão, agrediram o Palácio do Planalto, houve negligência por parte de quem guardava e entrava no Congresso Nacional, no Supremo Tribunal Federal e no Palácio. Agora há pessoas na cadeia. Procuramos também quem financiou, quem pagou, por exemplo, os veículos que transportaram [os bolsonaristas]. Agora, o secretário de Segurança de Brasília [Anderson Torres] está preso”, ressaltou o presidente.
Na quarta-feira, 26, o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), leu o requerimento para a criação da CPI, já em meio às negociações de bastidor para a definição dos postos de comando da comissão. A CPI, que terá prazo de 180 dias e cuja instalação está prevista para a próxima semana, deve ser presidida por um deputado e relatada por um senador. Serão 16 deputados e 16 senadores. O governo tem maioria.
Mas nem o PT de Lula da Silva nem o PL de Bolsonaro ficarão nesses postos, a serem ocupados por nomes de partidos de centro e de direita hoje alinhados ao Palácio do Planalto. Lula acredita que a CPI no Congresso permitirá apontar o envolvimento direto de Bolsonaro, da família e de seus ex-ministros na Intentona de 8 de Janeiro, quando as sedes dos Três Poderes foram invadidas e vandalizadas em Brasília. Mais de 1,3 mil pessoas foram presas e o Supremo já abriu processo contra 300 envolvidos.
Na última semana, o ministro-chefe interino do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República, Ricardo Capelli, voltou a responsabilizar o governo Bolsonaro pelas falhas de segurança durante a invasão ao Palácio do Planalto em 8 de janeiro. Ele isentou de culpa seu antecessor no cargo, o general Gonçalves Dias, demitido na semana passada, e responsabilizou diretamente o antecessor de ambos general Augusto Heleno. Capelli é o secretário-executivo do Ministério da Justiça e foi o interventor do governo federal na segurança pública de Brasília depois dos atentados.
“Se o GSI não funcionou adequadamente em 8 de janeiro, a culpa é de quem o dirigiu por quatro anos, e não por seis dias”, disse. “O general Heleno ‘pilotou o carro’ por 4 anos e entregou o ‘veículo’ avariado e contaminado para o general G.Dias, que pilotou por apenas seis dias. No 7° dia o carro pifou. De quem é a culpa? Não é possível falsificar a história. Conspiração não passa recibo”.
Na Câmara Distrital de Brasília, a CPI que apura os crimes ocorridos em 8 de janeiro abriu uma linha de investigação na última semana para apurar a responsabilidade dos militares. A CPI Distrital aprovou os requerimentos de convocação dos generais Gonçalves Dias e Augusto Heleno, que estiveram à frente do GSI. Dias deverá prestar esclarecimentos sobre sua ação durante o ataque dos extremistas ao Palácio do Planalto.
O militar foi demitido do comando do GSI após a divulgação de imagens gravadas pelas câmeras de segurança mostrarem ele circulando entre os extremistas. Já a convocação de Heleno visa apurar a participação dele na mobilização do acampamento bolsonarista montado em frente ao Quartel General do Exército, em Brasília, de onde a maioria dos envolvidos nos ataques à Praça dos Três Poderes partiu para promover a arruaça. Heleno deveria depor à CPI na semana passada, mas não compareceu. Ele foi visto no acampamento inúmeras vezes em novembro e dezembro do ano passado.
Na quarta-feira, 26, Cappelli oficializou a demissão de 29 agentes do GSI que estavam ocupando postos no Palácio do Planalto após a crise da divulgação das imagens que resultou na queda do ministro Gonçalves Dias. Dos 29 agentes que deixaram o Executivo, 24 pertencem às Forças Armadas. A maioria é de oficiais de alta patente.
Foram demitidos três dos quatro secretários nacionais do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência: os secretários de Assuntos de Defesa e Segurança Nacional, brigadeiro Max Moreira; de Segurança e Coordenação Presidencial, general Marcius Netto; e de Coordenação de Sistemas, contra-almirante Marcelo Gomes. Também deixaram o GSI o diretor do Departamento de Assuntos de Defesa e Segurança Nacional, coronel Ivan Karpischin, cinco supervisores e outros cinco assistentes.
As frentes de investigações na Polícia Federal e nas duas CPIs, da Câmara Distrital e do Congresso Nacional, têm tudo para gerar fortes dores de cabeça no ex-presidente e seus asseclas. A PF parece mais adiantada e o próprio depoimento do ex-presidente não o ajuda no inquérito aberto pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para apurar os atos golpistas promovidos por bolsonaristas e radicais de extrema-direita em 8 de janeiro.
A PF tomou as declarações de Bolsonaro após determinação do ministro do STF, Alexandre de Moraes, relator do inquérito policial. Na avaliação de investigadores, uma postagem feita no dia 10 de janeiro pelo ex-presidente o ligaria aos atos golpistas do dia 8 de janeiro. Ele apagou a publicação em seguida.
No depoimento na semana passada, o ex-presidente afirmou que em 9 de janeiro – ou seja, entre o dia dos atos golpistas e a postagem com informações falsas em rede social –, teve uma crise de obstrução intestinal e foi internado em um hospital na Flórida, nos Estados Unidos. Ele teria recebido morfina como analgésico.
O procurador-geral da República, Augusto Aras, disse no início de abril que Bolsonaro “supostamente incentivou a perpetração de crimes” contra o Estado de Direito. O ex-presidente havia deixado o país após a derrota e estava hospedado em Orlando, na Flórida, durante os ataques. Bolsonaro nunca admitiu abertamente a derrota na corrida presidencial. Ele também repetidamente fez alegações infundadas que semearam dúvidas sobre a confiabilidade do sistema de votação eletrônica do Brasil, adotada pelo Tribunal Superior Eleitoral, presidido por Alexandre de Moraes. Muitos de seus partidários obstinados ainda acreditam que a eleição foi fraudulenta, embora não haja quaisquer evidências ou provas que apontem para tal hipótese. Agora, a luz de duas CPIs e de um inquérito vão mostrar qual foi o papel desempenhado por Bolsonaro, Heleno e outros radicais da extrema-direita.