O povo no Orçamento
Por ampla maioria de 64 votos, Senado aprova a PEC do Bolsa Família, que permitirá recompor os programas sociais e recolocar os interesses da maioria da população no centro do governo Lula
O Senado aprovou na quarta-feira, 7, a proposta de emenda à Constituição que representa o primeiro passo para a reconstrução do Brasil depois de quatro anos de descontrole e retrocessos impostos pelo governo Jair Bolsonaro. A PEC do Bolsa Família combina instrumentos para tirar o país do atoleiro: dinheiro para os programas essenciais de combate à fome e garantia de equilíbrio fiscal nas contas públicas ao estabelecer prazo para a definição de uma nova âncora em substituição ao fracassado teto de gastos.
A proposta de emenda foi o primeiro teste político de Lula no Congresso, desde o segundo turno da eleição, em 30 de outubro. O PT e a coalizão de esquerda tem minoria. A aprovação foi uma vitória política importante que pode assegurar ao novo governo espaço para gastos do governo pelos próximos dois anos.
As emendas constitucionais precisam da aprovação de pelo menos três quintos dos 81 membros do Senado em cada um dos dois turnos de votação. O projeto também precisará do apoio de três quintos dos 513 membros da Câmara dos Deputados, onde deve ser votado nesta semana. O futuro governo precisava de, no mínimo, 49 votos, e calculava ter entre 54 a 60 apoios no Senado.
“Essa é a PEC da conciliação”, sintetizou o líder da Minoria no Senado, Jean Paul Prates (PT-RN). “A medida conciliando promessas de campanha, coloca dinheiro nos orçamentos de 2022 e de 2023, e retoma os programas sociais que tantas pessoas necessitam. E, por fim, viabiliza a transição de um sistema caótico para um sistema fiscal realista, confiável e factível para o Brasil”.
O texto foi aprovado em dois turnos de votação por ampla margem de votos — 64 votos a favor no primeiro e no segundo turnos. O projeto segue agora para a Câmara dos Deputados. A expectativa é que seja votado ainda nesta semana para que seja promulgado antes do recesso parlamentar.
Na sexta-feira, 9, Lula disse que vai negociar com os líderes na Câmara para garantir a aprovação da PEC antes do Natal. “Não acredito em dificuldade na Câmara. Terei as conversas necessárias para aprovar, como no Senado. Essa PEC é para fazer reparo no governo Bolsonaro e trazer o mínimo necessário para pessoas necessitadas, saúde, farmácia popular e começar a cuidar do povo brasileiro”, explicou o presidente eleito.
A proposta foi apresentada pelo relator do Orçamento 2023, senador Marcelo Castro (MDB-PI), por sugestão do gabinete de transição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. A ideia é garantir o pagamento de R$ 600 aos beneficiários do novo Bolsa Família, mais R$ 150 por criança menor de 6 anos, além de reajustar o salário mínimo acima da inflação e recompor orçamentos destruídos pelo governo, como dos programas Farmácia Popular, merenda escolar, além da compra de vacinas, e a própria manutenção das universidades.
O relatório do senador Alexandre Silveira (PSD-MG) amplia o teto de gastos em R$ 145 bilhões em 2023 e 2024 e permite o uso, para investimentos, de R$ 23 bilhões oriundos do excesso de arrecadação do governo. O valor reservado pela equipe de Paulo Guedes para o programa sem a PEC encaminhado ao Congresso é suficiente apenas para o pagamento de R$ 405.
Além disso, o governo Lula fica obrigado a enviar ao Congresso até agosto do próximo ano um projeto de lei complementar para estabelecer um regime fiscal sustentável que substitua o atual teto de gastos — aprovado pelo Congresso após o Golpe de 2016 que destituiu Dilma Rousseff da Presidência da República e que se mostrou um fracasso.
Nos últimos três anos e meio, o próprio governo Bolsonaro furou o teto de gastos em mais de R$ 700 bilhões. A base bolsonarista ligada diretamente ao presidente votou contra a proposta. O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e outros radicais aliados do Palácio do Planalto ficaram reduzidos a 16 votos no primeiro turno e a 13 no segundo — três simplesmente se ausentaram na segunda etapa de votação da PEC.
O senador Jaques Wagner (PT-BA) ressaltou a boa receptividade que a PEC teve junto aos setores econômicos do país. “Não estamos chegando para brincar de PEC. Não nos interessa ficar dependendo de PEC. Queremos dar um arcabouço fiscal definitivo para o Brasil, em respeito ao mercado que reagiu bem ontem [após a aprovação da emenda na CCJ], a bolsa subiu e o dólar caiu”, comentou.
“Sabemos que a proposta não é a solução para todos os males do país”, afirmou o senador Paulo Paim (PT-RS). “Mas ela é fundamental para a reconstrução nacional pós-pandemia”. O parlamentar gaúcho citou dados oficiais para demonstrar por que considera “dramática” a crise social brasileira.
“O povo brasileiro precisa de condições mínimas para viver e a responsabilidade é nossa nesse momento da história. Mais de 62 milhões estão em situação de pobreza. Desses, quase 18 milhões de pessoas estão em situação de extrema pobreza”, destacou Paim. “O percentual de crianças de até 14 anos abaixo da linha da pobreza é de 46,2%. Direta ou indiretamente, cerca de 100 milhões dependem do salário mínimo, que é um farol para os mais pobres. Cabe a nós pensar na grandeza do coletivo”.
O relator da PEC reforçou o compromisso do governo eleito com o envio de um novo arcabouço fiscal até agosto do ano que vem, além de uma reforma tributária. “Nós tivemos uma tranquilidade nessas 24 horas porque o Brasil entendeu a necessidade da ampliação desses recursos como o mínimo necessário pelo futuro governo para atender as pessoas que mais precisam neste país”, disse após a votação no plenário. •
Os principais pontos da PEC
• Eleva o teto de gastos em R$ 145 bi em 2023 e 2024 para bancar o Bolsa Família
• Permite o uso de R$ 23,9 bilhões para investimentos fora do teto
• Abre brecha para a liberação de emendas pelo governo atual ainda em 2022
• Executivo terá de enviar nova proposta de regra fiscal até 31 de agosto de 2023. Quando aprovada a nova regra por projeto de lei complementar, fica revogado da Constituição o teto atual. A aprovação precisa de maioria simples.
• Permite ao governo o uso de recursos esquecidos do PIS/Pasep para investimentos públicos.