A reação dura do Supremo

Empresários que pregavam contra a ordem democrática e não aceitam derrota de Bolsonaro são alvos da Polícia Federal. Presidente fala em liberdade de expressão, mas esconde que executivos financiam fake news contra a democracia

 

A pregação golpista de empresários reunidos em um grupo de WhatsApp desafiando as instituições democráticas e pregando um golpe de Estado caso Jair Bolsonaro seja derrotado levou à uma reação do Supremo Tribunal Federal. Há 40 dias das eleições presidenciais, a Polícia Federal cumpriu na terça-feira, 23, mandados de busca contra vários líderes empresariais, por determinação do ministro Alexandre de Moraes. 

O presidente do TSE resolveu agir contra os apoiadores proeminentes do líder da extrema-direita. Eles são suspeitos de financiar fake news, reforçando inclusive as alegações infundadas de Bolsonaro de que o sistema eleitoral brasileiro é vulnerável a fraudes. No grupo de WhatsApp, os empresários reforçam as suspeitas de que estariam se movimentando bases para uma tomada de poder se a votação levar à vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Os mandados miram oito empresários que estavam reunidos na trampa denunciada pelo jornalista Guilherme Amado, do site de notícias Metrópoles. Os executivos milionários são Afrânio Barreira Filho (Coco Bambu), Ivan Wrobel (W3 Engenharia), José Isaac Peres (Multiplan), José Koury (Barra World Shopping), Luciano Hang (Havan), Luiz André Tissot (Sierra), Marco Aurélio Raymundo,  o Morongo (Mormaii) e Meyer Joseph Nigri (Tecnisa). O ministro  Alexandre de Moraes determinou ainda o bloqueio das contas bancárias dos empresários, dos perfis de cada um nas redes sociais, além da tomada de depoimentos e a quebra de sigilo bancário e telemático.

A reação dura do Supremo

Bolsonaro e apoiadores reagiram. “A escalada contra a liberdade, aquilo que eu sempre tenho falado, tem se avolumado em cima destes empresários”, afirmou. O presidente ameaçou: “Não falta nada mais para que o Brasil tenha um problema grave provocado por uma pessoa”, disse, em referência a Moraes.

O filho deputado macaqueou o pai. “Esta é claramente uma operação para intimidar qualquer figura proeminente de tomar uma posição política a favor de Bolsonaro ou contra a esquerda”, disse o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP). “Trata-se de um ataque à democracia em plena campanha eleitoral. Censura. Não há outra palavra!”, reagiu.

O irmão Flávio Bolsonaro (PL-RJ) foi na mesma linha: “É insano determinar busca e apreensão sobre empresários honestos, que geram milhares de empregos, alguns conhecidos de ministros do STF (que sabidamente jamais tramariam ‘golpe’ nenhum) por dizerem que preferem qualquer coisa ao ex-presidiário, numa conversa privada de WhatsApp”.

No sábado, 27, Bolsonaro voltou à carga contra o Supremo, classificando a decisão de Moraes como “descabida”, “desproporcional” e “ilegal”. “Assim como medidas contra pessoas que têm suas páginas derrubadas, pessoas acusadas de fake news. A liberdade está sendo agredida no nosso país. Não podemos admitir isso aí”, afirmou.

Na reportagem de 17 de agosto, o Metrópoles disse que monitorava o grupo do WhatsApp intitulado “Empresários & Política” há meses. Amado reproduziu mensagens enviadas por donos de uma rede popular de restaurantes, shopping centers e construtoras, entre outros, expressando sua lealdade a Bolsonaro e apoiando as alegações do presidente de que o sistema judicial está trabalhando contra ele. Alguns também destacaram os benefícios dos modelos de governança autoritários.

“Prefiro um golpe à volta do Partido dos Trabalhadores. Um milhão de vezes mais”, disse o empresário José Koury. “E certamente ninguém vai deixar de fazer negócios com o Brasil. Como fazem com várias ditaduras ao redor do mundo”. Um dos alvos da operação da PF, o empresário Luciano Hang, que já está em um inquérito do STF por financiar ações anti-democráticas, disse que Koury foi infeliz ao usar a palavra “golpe”.

A reação dura do Supremo

“Ele [José Koury] poderia ter dito que preferiria um governo militar à volta do governo do PT. E não mudaria nada. Eu preferiria o Brusque campeão do que o Flamengo campeão do Brasil. Cada um tem a sua opinião. Não pode cercear as pessoas de ter opinião e pensamento. Vocês têm que defender isso”, afirmou.

Bolsonaro afirma que as urnas eletrônicas usadas no Brasil desde meados da década de 1990 são propensas a fraudes, sem fornecer nenhuma evidência. Ele também disse que alguns membros do Tribunal Superior Eleitoral estão a favor de Lula da Silva, que lidera todas as pesquisas para retornar à Presidência.

Outros membros do grupo eram mais falantes. “Se o lado que defendemos é vitorioso, o sangue das vítimas se torna o sangue dos heróis!” escreveu um executivo. Outro manifestou interesse nos executivos concedendo bônus a seus funcionários que votam em Bolsonaro, antes que outro membro o informasse que isso provavelmente constituiria compra de votos.

Outros líderes empresariais, mesmo aqueles que apoiam Bolsonaro, têm sido mais cautelosos. Uma reunião em São Paulo na sexta-feira teve dezenas de altos executivos saindo em defesa da democracia, uma característica rara em eleições brasileiras anteriores desde o fim do regime militar em 1985. Alguns dos executivos trabalham para as mesmas empresas de líderes que pedir um golpe.

No grupo de WhatsApp, vários empresários apoiam a promessa de Bolsonaro de um grande desfile militar em 7 de setembro, Dia da Independência do Brasil, ao longo da praia de Copacabana, no Rio de Janeiro. “Quero ver se a Suprema Corte tem coragem de fraudar as eleições depois de um desfile militar… com as tropas aplaudidas pelo público”, escreveu Ivan Wrobel. O desfile “deixará claro de que lado o Exército está”, disse.

A reação dura do Supremo

O empresário José Isaac Peres, acionista majoritário da Multiplan, administradora de shoppings, disse que Bolsonaro pode perder nas urnas. “O TSE é uma costela do Supremo, que tem 10 ministros petistas. Bolsonaro ganha nos votos, mas pode perder nas urnas. Até agora, milhões de votos anulados nas últimas eleições correm em segredo de Justiça. Não houve explicação”, escreveu.

A reação do ministro Alexandre de Moraes surpreendeu o mundo político, mas pode-se esperar mais. O TSE está se preparando para a guerra às fake news. Alexandre de Moraes decidiu ir ao mercado para contratar um perito especializado em auxiliar investigações de crimes virtuais. O escolhido foi Eduardo de Oliveira Tagliaferro, ex-CEO de uma empresa de perícia digital, nomeado há duas semanas como chefe da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação da Corte. Ele substituiu no posto Frederico Alvim, servidor de carreira do TSE que comandava a área. A ideia de Moraes é dar um peso maior para provas relacionadas aos processos que tratam de fake news e fazer com que a Corte tenha uma biblioteca sólida a respeito da propagação de notícias falsas.

Em Brasília, jornalistas apontam que Moraes conseguiu os dois objetivos que tinha com a contra-ofensiva aos empresários golpistas. Primeiro, deixou claro que qualquer atuação em favor de um golpe de Estado não será tolerada. Isso vale, inclusive, como mensagem para os atos do próximo feriado de 7 de Setembro. Segundo, cruzar informações com o inquérito dos atos antidemocráticos, que corre sob sigilo.

No ano passado, Bolsonaro chamou Moraes de “canalha” durante as manifestações de bolsonaristas que pregavam uma “intervenção militar já”: “Sai, Alexandre de Moraes, deixe de ser canalha, deixe de oprimir o povo brasileiro”, disse a uma multidão. O ministro determinou a operação de busca pela PF de olho em alguns dos empresários, já envolvidos em outras ações suspeitas que ainda não vieram a público.  •