Ex-governadora, a deputada federal alerta que a crise social está se agravando e que as condições de vida da maioria da população está piorando de maneira muito rápida. “A sociedade está perplexa. Quanto mais conhecimento você tem, mais esbarra com pessoas que acham que está tudo certo. Uma minoria acha que está tudo certo”, critica. “A maioria, que é a nossa negrada, está em dificuldades. Está no fogão à lenha porque não tem condição. Não bota mais carne na mesa. É omelete, e olhe lá. O filé de pobre hoje é o ovo”

 

 

 

Ela é um símbolo da mulher brasileira. Servidora pública,  professora, assistente social, a deputada federal Benedita da Silva tem uma grande sensibilidade social. Ex-governadora do Rio de Janeiro ex-senadora da República, ela se diz estarrecida com a crise social que a maioria da população está vivendo. As condições de vida pioraram com a queda de Dilma Rousseff em 2016 e as reformas elaboradas por Michel Temer e seu sucessor, o nefasto ex-capitão do Exército Jair Bolsonaro.

“É triste um trabalhador, uma trabalhadora sem emprego, olhar os filhos pequenos e não ter nada, absolutamente nada para comer”, lamenta. A deputada denuncia que a situação em que o povo se encontra é a pior possível desde o fim da ditadura militar e a reconstrução democrática. “Lula incluiu 36 milhões de pessoas, acabou com a miséria no país e hoje estamos vivendo com mais de 20 milhões de pessoas que voltaram para a pobreza, passando as amarguras dessa vida e estão aí batalhando”, denuncia.

Nesta entrevista à revista Focus Brasil, Benedita, que completa 80 anos de vida em 26 de abril, diz que é tempo de mobilização e luta para varrer o atraso nas urnas e assegurar a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições para a Presidência da República em outubro. “O que unifica hoje não é uma questão de se é esquerda ou se é direita, o que unifica para essa nossa nova tarefa é a questão da retirada deste governo que aí está, que eu não fico falando o nome”, aponta.

 

Focus Brasil — A fome voltou e os mecanismos de proteção social foram desmontados. Os pobres estão largados à própria sorte. Como a senhora vê esse momento tão difícil da história?

Benedita da Silva — A situação é muito crítica. Muita miséria, muita gente desempregada. Você encontra famílias inteiras que estão no meio da rua. E as pessoas estão empobrecendo cada vez mais. O gás está caro, a conta de luz muito cara, os preços dos alimentos estão críticos. Não é possível comprar 1kg de tomate por R$ 12 ou R$ 13. Tem outras coisas na cozinha sofrendo aumentos. Isso me faz lembrar do tempo das maquininhas em que vinha alguém atrás da gente aumentando o preço e se você não corresse, pagava o novo preço. Estamos vivendo isso de novo no Brasil. A desigualdade social foi reduzida nos governos Lula e Dilma, mas, infelizmente, o que estamos assistindo hoje é que, além de terem colocado famílias nesse estado de fome e miséria, sem habitação e sem emprego, acabaram com o Brasil. Com o Golpe de 2016, vieram as reformas feitas do [Michel] Temer. Foi muito ruim para os trabalhadores e trabalhadoras. Perdemos muito, os sindicatos perderam muito. Eu estava acompanhando na Comissão do Trabalho. A gente via trabalhadores e trabalhadoras ansiosos porque é governo que não abre a porta para ninguém. Para fazer essa maldade, fecham tudo. Praticamente, acabaram com a carteira de trabalho.

O governo Temer acabou facilitando outras reformas que estão sendo concluídas por Bolsonaro. Essa situação leva a população a entrar em desespero. Estamos vendo a concentração enorme de renda. Mais uma vez, a minoria rica ganha muito com essas políticas e a pobreza tem que esperar o que sobra das mesas dos grandes senhores. É difícil. Eu passei fome na vida, muita fome. Muita fome. Então, sei do que eu estou falando. Quando falo de fome, estou falando de uma coisa real, concreta. E é duro. É triste um trabalhador, uma trabalhadora sem emprego, e olhar os filhos pequenos e não ter nada, absolutamente nada para comer a não ser a água carregada de longe. Lula incluiu 36 milhões de pessoas, acabou com a miséria no país e hoje estamos vivendo com mais de 20 milhões de pessoas que voltaram para a pobreza, passando as amarguras dessa vida e estão aí batalhando. Essa é uma das maldades. Eu insisto nisso porque não tem nada para beneficiar. Se você vai falar de política, não pode falar de política social. Ela inexiste. Praticamente acabaram com os benefícios da população, das viúvas, dos idosos, da juventude e até das crianças.

E a população, que é majoritariamente negra e parda, está sofrendo a desigualdade. A pobreza tem raça. É negra. Depois que destruíram tudo o que Lula e Dilma fizeram, é preciso transversalidade para que o país se reencontre.

 

— O que a senhora considera mais difícil e crítico?

— Eu, com a idade que tenho, penso que esperava ver um Brasil diferente, com comida na mesa, dignidade, nossa negritude na faculdade… Todas essas coisas eu tinha o desejo de ver e vi no governo de Lula e no de Dilma. É incomparável os governos do PT com os demais. Eu tenho 80 anos. Vi muita coisa e espero que o Brasil tome rumo certo, novamente, com Lula presidente. O que foi feito nesse país em termos de inclusão, de combate à miséria, de milhões de carteiras assinadas… Quase que a gente zera o desemprego e a miséria… Mas agora, não. Agora, o que estamos vivendo é o contrário. Não só o desmonte do Estado e as maldades que vêm fazendo com negros e negras, mulheres, com a população LGBT, com os idosos. Eu sou uma idosa e pago por tratamentos de saúde porque tenho condição. Agora, uma pessoa da minha idade, pobre, não. Não tem mais Farmácia Popular. O pobre idoso não vai comprar remédio mais barato. Ele não tem condição de ter um médico de família que vai na casa, que visita como já tivemos.

Esse é um passado que a gente quer de volta. É o passado do Lula e da Dilma. A gente quer de volta. Dificilmente você quer o passado de volta. A gente costuma querer ir pra frente. Mas não agora. Nós tivemos um retrocesso grande. Se você for olhar cada segmento e conversar com cada pessoa do povo, vai ver que todos vão falar a mesma coisa: não dá mais pra gente ter este governo. O Planalto encheu alguns de armas. Este governo desobrigou o cidadão a estudar, a ser médico, doutor… Tudo o que foi maravilhoso para a população perdemos para essa política. Então, quero o passado de volta. E o meu passado de volta é Lula. Este cara é “o cara” para fazer com que o país retome o seu rumo. É muito triste o que estamos vendo. É muita miséria. Não gosto muito de ficar olhando para as pesquisas, mas você tem que olhar. O desafio é muito grande, mas muito grande. Você vai pegar um número e vai ver que nós estamos na base da pirâmide social. Veja, há quanto tempo que não se falava na pirâmide social. E nós já estávamos fora dessa base com oportunidades para esse país. Vou continuar dizendo que eu quero o passado de volta.

 

— A senhora já apontou que a discriminação é contra os negros, as mulheres. Como a senhora vê a sociedade diante de toda essa destruição no Brasil?

— A sociedade está perplexa. Quanto mais conhecimento você tem, mais você esbarra com pessoas que acham que está tudo certo. Uma minoria que acha que está tudo certo. E uma maioria, como eu disse, que é a nossa negrada, que está lá no fogão à lenha novamente porque não tem condição. Não “bota” mais carne na mesa. É omelete, e olhe lá. O filé de pobre hoje é o ovo. Já aumentou. Estava R$ 7 o preço de 30 ovos. Passou para R$ 9. E agora já está R$ 16, R$ 17. E é oferta. A população negra, nesse contexto, que é a maioria, está sofrendo isso. É a maioria da população quem está sofrendo isso. É a situação de gênero, de classe e de raça. Não podemos abandonar isso. Não podemos achar que apenas estudando é que um negro ou uma negra vai vencer. Não. Tem vários outros mecanismos e infelizmente a sociedade e muitos segmentos estão se mexendo por conta dessa barbárie. Mas não deveria. Deveríamos ter dado força e continuidade ao projeto de Lula votando em Fernando Haddad para presidente. Então, esse voltar que falo, que quero a volta ao passado, tem muita gente também com este sentimento. Desde o intelectual até o mais pobre, existe hoje na população uma recordação. Nessa barbárie que vivemos, muitos têm certeza de que precisam se organizar. Então, negros e negras estão se organizando contra este governo. O atual governo não foi e não é bom para nós, mulheres.

A política colocada pelo governo Lula em direção a nós [mulheres negras], foi importante. A titulação dos quilombolas foi muito importante. A história do Brasil tem negros e negras. E o Lula botou a cara do Brasil para fora. Há um movimento e é bom que esse movimento está dizendo que quer Lula presidente. Que bom. Que ótimo. Agora estamos falando também para os governantes, para os partidos políticos, principalmente de esquerda. E aí eu estou falando do meu, o PT, que a sociedade, dentro dessa barbárie, conseguiu se organizar em vários grupos com um só pensamento. O que unifica hoje não é uma questão de se é esquerda ou se é direita, o que unifica para essa nossa nova tarefa é a questão da retirada desse governo que aí está, que eu não fico falando o nome dele. Isso é muito importante. Isso vale muito. Nós estamos, a maioria, unificados. Nessa tragédia, estamos unidos. Eu não estou dizendo isso porque estou falando aqui para vocês, mas é porque saio de casa, ando na rua, vou na feira. Hoje, fui numa clínica e quando estava chegando precisei colocar máscara. Achei uma na minha bolsa vermelha e com uma estrela. Coloquei e de canto de olho eu só via os dedinhos pra mim [fazendo L e Lula]. Então, a gente pode colocara estrela no peito e sair porque o povo está a fim.

 

— A senhora é a principal referência do PT e do campo progressista no mundo evangélico, além de ser uma líder do movimento negro e de mulheres. A senhora acha que no mundo evangélico está ocorrendo um despertar?

— É muito interessante essa pergunta porque usaram e alguns continuam usando versículos bíblicos para dizer que estão certíssimos e que a esquerda está errada. Então, tem o “conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”. Os segmentos evangélicos tiveram que assistir dois momentos terríveis: o impeachment da Dilma e a prisão de Lula. Foram momentos que dividiram os debates no mundo evangélico. Uns não falavam, mas ficavam revoltados de que não havia uma manifestação nas igrejas em relação à prisão de Lula. Mas havia [nas igrejas] um palanque para falar do governo. Eu peguei esse versículo “conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” e é com esse versículo que a gente tem conversado. Então, aqueles evangélicos que, em nome da verdade, estavam do outro lado, agora sabem que foram enganados. Sabem que mentiram. Tem muitos evangélicos com Lula e vai ter muito mais evangélicos votando em Lula.

Está havendo um movimento de diferentes denominações e as pessoas ligam. Todo mundo sabe que a gente está coordenando a área e criando os núcleos regionais dos evangélicos do PT. No futuro vai ser evangélicos pró-Lula, quando já puder fazer a campanha. E base da igreja, as pessoas estão se mobilizando. Mulheres, negros, juventude, crianças… São pessoas que trabalham diuturnamente fazendo trabalho social e fazendo oração também dentro dos presídios. Aí ligam pra mim e dizem: “Olha, o Lula tem que ver esse sistema penitenciário. Está uma loucura”.

 

— E a eleição para o Congresso? Será possível eleger um Congresso melhor?

— É o que eu espero. E é uma das coisas que o Lula tem colocado também, que não basta eleger o presidente. Precisamos de uma base de sustentação parlamentar. Na questão da federação, eles se juntaram para que qualquer governo que lá esteja, que eles sejam uma maioria para fazer “negócios”. Aquelas ameaças. E a gente já sabe que com Lula é diferente porque é uma pessoa do diálogo, transparente. Então, quem for com essa má intenção, achando que sou maioria e, portanto, não vou deixar o governo fazer nada, isso não vai acontecer. A gente está fazendo esse chamamento para somar a bancada, que não seja só uma bancada, como digo, de esquerda, mas também daqueles que praticam uma política de defesa do povo, desenvolvimento e inclusão social. Tem pessoas com esse caráter. Nós precisamos fazer essa grande bancada. É por isso que na campanha tiraram tudo o que fosse visual para que a gente não pudesse alcançar todo mundo. Mas está aí a campanha que a gente vai fazer pelas redes. Ela é incentivadora. Estamos pedindo para as pessoas votarem. São diferentes grupos atuando nas redes nessa campanha.

 

— Como vamos avançar para aumentar a bancada das mulheres e dos negros? 

— É preciso fazermos o resgate da democracia. Com liberdade nós teremos certeza de que o projeto que está sendo colocado, de Lula, vai beneficiar cada vez mais a democracia. Hoje, estamos vivendo um processo de autoritarismo, de neofascismo. Mas, mesmo com isso e, até por isso, mulheres negras e brancas também, estamos nos organizando para que a cara do Congresso seja mais feminina e mais preta. É preciso. Estamos fazendo isso. A gente fala: prestem atenção, não podemos deixar de fora as mulheres, os negros e a juventude. Isso vai ser importante. A gente tem que colocar a cara do Brasil no Congresso. E nós, a mulherada, estamos trabalhando para isso.  •

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