Bolsonaro ainda quer privatizar a estatal, mas viu o operador de petroleiras estrangeiras, Adriano Pires, anunciar que não assumiria a direção da empresa, depois do evidente conflito de interesses. O novo indicado é José Mauro Ferreira Coelho

 

 

As relações nada republicanas do governo Bolsonaro entre público e privado ganham novos desdobramentos com a desistência do consultor e lobista Adriano Pires de aceitar o comando da Petrobrás. O anúncio foi feito pelo empresário, na segunda, 4.

O novo indicado pelo governo para comandar a maior empresa do Brasil é José Mauro Ferreira Coelho, ex-secretário do Ministério das Minas e Energia. O Palácio do Planalto também anunciou a indicação de Márcio Andrade Weber para comandar o Conselho de Administração da petroleira. Os dois têm perfil mais técnico.

O governo mantém o desejo de vender a empresa. O ministro Paulo Guedes falou a jornalista que o cenário seria favorável por causa da alta dos combustíveis e do gás de cozinha, da inflação elevada. Guedes quer usar isso como justifica para entregar a empresa, fundada em 1954 no governo Getúlio Vargas, para a iniciativa privada.

O senador Jean Paul Prates (PT-RN) condenou o esforço do governo para o desmanche da Petrobrás, durante votação de indicados ao governo para o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). Ele se recusou a votar o nome dos indicados. Estava indignado na sessão de quinta-feira, na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado.

“O Cade e a Petrobrás, mancomunadamente, transformaram num processo de legitimação a imolação de oito refinarias no ‘altar’ do Cade. E as primeiras consequências desse processo irresponsável estão aí para nós vermos. E o Cade fez esse papel de ajudar a dizer que a Petrobrás é monopolista no refino. Como é que vocês podem embasar um termo de conduta em que a Petrobras, não o Cade, se oferece para vender oito refinarias?”, questionou.

Ele questionou o papel do ex-presidente da Petrobrás Roberto Castelo Branco, responsável pela venda de ativos importantes da Petrobrás, para uma empresa privada e, menos de três meses depois, ele virou presidente da mesma empresa. “O ex-presidente da Petrobrás é hoje o CEO de uma empresa chamada 3R, que foi quem comprou os ativos na mão dele! Não dá para dizer mais nada, não é?”, criticou.

Sobre os novos nomes para a Petrobrás, ainda não pesam acusações. Ferreira Coelho integra o Conselho de Administração da Pré-Sal Petróleo S/A e estava cumprindo quarentena, após ter pedido demissão, em outubro passado, do cargo de secretário de Petróleo, Gás e Biocombustíveis do Ministério das Minas e Energia. Ele foi servidor por 14 anos. Weber faz parte do conselho de administração da própria petroleira.

Mas conflito de interesses não parece ser um problema para os indicados por Bolsonaro para a empresa. Como Roberto Castello Branco, Adriano Pires também não se sente constrangido em pular de um lado para o outro do balcão. Só que dessa vez, o sinal vermelho acendeu na própria Petrobrás. A situação de Adriano Pires ficou insustentável após a divulgacão de um dossiê elaborado pela própria estatal.

O Globo revelou a existência de relatórios da diretoria de governança e conformidade da Petrobrás destacando os problemas evidentes na indicação de Pires e Rodolfo Landim, convidado pelo Palácio do Planalto para assumir a presidência do Conselho de Administração.

Os documentos da estatal são explícitos: “Os dois teriam dificuldades em passar pelos critérios do comitê interno que vai avaliar se eles têm ou não condições de ocupar os postos para os quais foram indicados”. No domingo, 3, Landim já havia se antecipado à decisão de Pires e também recusou o convite para assumir o Conselho de Administração da Petrobrás.

Os relatórios foram encaminhados ao ministro de Minas e Energia, Almirante Bento Albuquerque. Ele é o responsável pela indicação agora de Ferreira Coelho. Mas também havia endossado Adriano Pires e Landim. A Controladoria Geral da União também recebeu os alertas da Petrobrás.

Tanto Albuquerque quanto os técnicos da CGU teriam ficado “assustados” com o histórico do lobista e de Rodolfo Landim. Adriano Pires é conhecido entre executivos do setor de energia por atender grandes empresas de petróleo de outros países, assim como Landim.

O lobista é apontado como consultor de Carlos Suarez, dono de empresas do setor de gás, que também tem negócios e muita proximidade com Landim. Uma das empresas de Suarez é a Companhia de Gás do Amazonas (Cigás), envolvida em uma disputa judicial com a Petrobrás de R$ 600 milhões.

A depender do andar do processo, os valores decorrentes do litígio podem chegar a mais de R$ 8 bilhões. Rodolfo Landim, por sua vez, chegou a ser investigado pelo Ministério Público por transferências para contas pessoas de Carlos Suarez na Suíça.

Em meio às especulações sobre o futuro da companhia, o silêncio de Pires, que se recusava a revelar quais empresas são atendidas por sua empresa consultoria, foi se tornando cada vez mais insustentável. Na sexta-feira, 1º de abril, a bancada do PT na Câmara encaminhou ao Ministério de Minas e Energia pedido para que a pasta detalhasse as atividades do empresário, dublê de lobista.

Na representação protocolada pelo líder do PT, deputado Reginaldo Lopes, com base na Lei de Acesso à Informação (LAI), a bancada do PT questionava quais são as empresas representadas pelo empresário no Centro Brasileiro de Infra-estrutura (CBIE). Apesar do nome pomposo, a CBIE é uma empresa que atua por duas décadas fazendo lobby e a defesa da Petrobrás. Pires não queria se desligar do grupo.

“Fundador e dirigente máximo da consultoria CBIE – Centro Brasileiro de Infraestrutura, há mais de 20 anos [Pires] trabalha ou trabalhou para as principais multinacionais de petróleo, gás e energia — Chevron, Exxon Mobil, Shell etc —, o que pode representar eventual conflito de interesse entre essas atividades privadas que exerce e as atribuições inerentes ao cargo na Petrobras, em prejuízo da estatal e da sociedade brasileira”, alertou o PT, na representação de 12 páginas encaminhado ao MME. 

A falta de compromisso de Bolsonaro com os interesses do povo brasileiro também chamou a atenção do Ministério Público, que acionou o Tribunal de Contas da União (TCU), para impedir a posse de Adriano Pires na Petrobrás. No pedido de liminar, o subprocurador Lucas Furtado identificou as atividades de Pires à frente da CBIE como um fator de impedimento. “Tendo em vista sua atuação na iniciativa privada, a lançar dúvidas sobre a possibilidade ética e legal de vir a assumir a presidência da Petrobras”, ressaltou.

O subprocurador também apontou na liminar a ligação de Pires com empresas internacionais como Chevron, Exxon Mobil e a britânica Shell. “Revelam, a meu ver, um quadro de extrema gravidade para a necessária isenção que se espera de um futuro dirigente da maior empresa brasileira, exigindo que sejam previamente e cabalmente afastados quaisquer riscos de conflito de interesses, que podem ser extremamente perniciosos para a Petrobras e para a própria economia nacional, mediante o possível uso de informações privilegiadas por detentores de altos cargos, de modo a favorecer alguns agentes do mercado, em detrimento de outros”, observa Lucas Furtado. •

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