Entrevista Gleisi Hoffmann – “A luta do PT é pela vida do povo brasileiro”
Presidenta do PT está à frente das negociações para a formação de uma aliança política que permita apoiar a candidatura de Lula e sustentar um eventual novo governo do petista. Ela sabe que a luta eleitoral será dura, mas está determinada. “Temos de organizar o povo. Os Comitês Populares de Luta são um embrião de organização e conscientização popular”, explica
Nos 42 anos do Partido dos Trabalhadores, o propósito que move a legenda é muito semelhante ao da sua fundação. A presidenta Gleisi Hoffmann lembra que após o Golpe de 2016 os retrocessos impostos ao país fizeram com que o Brasil voltasse a conviver com problemas antigos. A fome, a miséria, a supressão de direitos e a concentração da riqueza são as mazelas a serem combatidas, novamente. “Vencer 500 anos não é uma coisa simples”, afirma.
No momento em que se discutem novas alianças políticas, Gleisi coloca o diálogo com o povo como a prioridade do PT. A deputada diz que trabalha pela formação da federação partidária com PCdoB, PSB e PV, mas a decisão é complexa e ainda precisa passar pelas direções dos partidos. Também incerta é a posição de vice na chapa de Luiz Inácio Lula da Silva. Gleisi reconhece a possibilidade de ser Geraldo Alckmin, mas garante que a escolha está longe de ser concluída.
Os últimos anos foram conturbados demais para o partido. O PT foi alvo de campanhas de difamação, de um Golpe de Estado, que arrancou Dilma Rousseff da Presidência da República, e em seguida aconteceu a condenação e prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Nada disso, contudo, parece ter provocado abalos na relação do partido com a sua base.
De acordo com pesquisa do Datafolha, o PT é a agremiação política preferida entre os brasileiros. O partido tem 28% da preferência nacional, muito acima dos segundos colocados, PSDB e MDB, que têm apenas 2%. No entanto, o caminho é desafiador. A eleição de Lula não é a única batalha a ser enfrentada. É preciso formar uma base sólida no Congresso, algo que ainda parece ser difícil de acordo com Gleisi. Muito trabalho de conscientização será necessário, aponta. Uma novidade é a criação pelo PT dos Comitês Populares de Luta. Os detalhes estão na entrevista concedida à Focus Brasil a seguir.
Focus Brasil — O país viveu e ainda vive um período de muitos conflitos e divisões sociais. Agora, estamos passando por um momento de negociação de alianças. Quais são os setores com os quais o PT está buscando dialogar e o que a legenda está defendendo nessas conversas?
Gleisi Hoffmann — Em primeiro lugar, dialogar com o povo que é o objetivo maior do partido, que leva no seu nome a sua causa: trabalhadores e trabalhadoras. É por isso que o PT nasceu, por isso que o PT se construiu e é disso que vem a força do PT e a nossa resiliência, apesar de termos passado por tudo o que passamos. É exatamente pela relação com o povo e por defender uma pauta colocando o povo como centralidade do governo e das nossas políticas que a estamos aqui. Óbvio que nesse processo, além de defender as pautas do povo, como combate ao desemprego, criação de empregos, distribuição de renda, condições de vida dignas e combate à carestia, também precisamos defender a democracia, que conseguimos construir com a Constituição de 1988.
E isso vai exigir que a gente converse com amplos setores da sociedade para fazer uma frente política. Não sei se, necessariamente, uma frente eleitoral porque isso é decorrência de um processo de conversação. Mas uma frente política para que o processo eleitoral de 2022 ocorra nos marcos da democracia, do reconhecimento da vontade popular, de todos os candidatos que quiserem poderem participar com legitimidade assegurada. E que o resultado das urnas seja o que todos vão defender.
Acho que isso é muito importante. Então, conversar com todos aqueles setores, ainda que tenhamos posições diferentes ou contrárias às nossas, para que o processo se realize é fundamental. Mas eu não tenho dúvidas de que a aliança principal que temos que fazer é com o povo, com os trabalhadores e trabalhadoras que estão sofrendo muito com tudo o que está acontecendo.
— O PT faz 42 anos sob a sua Presidência e você já estava no cargo no momento mais difícil da história do partido. Hoje, a gente vê que os algozes do Lula, aqueles que usaram a máquina do Estado, Sergio Moro e os procuradores de Curitiba, acusando o TCU de perseguição. Como você percebe essa mudança?
— A Terra realmente não é plana, ela é redonda e às vezes não gira, capota. A gente fez toda a nossa luta em defesa do Lula, da Dilma, em defesa daquilo o que acreditávamos porque nós tínhamos uma causa e era a causa do povo. O PT nasceu dessa luta, nasceu com esse objetivo e nós nunca nos distanciamos disso. Podemos ter errado em muitos momentos como qualquer organização humana, mas nunca saímos dessa centralidade e isso nos deu muita força. Inclusive, credibilidade com a base social que nos sustenta e com grande parcela do povo brasileiro que hoje aposta em Lula. Esse mesmo que tentaram destruir e o partido que tentaram destruir. Lula e o PT são a esperança do povo.
Sergio Moro e a sua turma, os procuradores da Lava Jato, estão colhendo o que plantaram. Semearam vento e estão colhendo tempestade. Eles utilizaram a Justiça para fazer perseguição política, utilizaram o poder e o comando que tinham em nome de combater a corrupção para tentar destruir um partido e sua maior liderança. O objetivo nunca foi combater a corrupção nem melhorar o Brasil, era, na verdade, fazer um embate político. E hoje estão nessa situação. Moro deixou a toga. Ele podia fazer e falar o que quisesse, não tinha que responder à opinião pública. Era protegido pelo sistema. Quando deixa a magistratura e vem para a arena política, tem que dar respostas porque, na realidade, o que estamos vivendo no Brasil, desde o preço da gasolina, a destruição da Petrobrás, a crise política e econômica que o país vive, teve início com essa operação que não mediu consequências. Ele quis ser projetado como uma liderança, como alguém que defendia o Brasil, mas sem ter nenhuma preocupação com o devido processo legal, com as provas e sem qualquer preocupação com a decência judicial. Está vendo exatamente as consequências dos seus atos e dos seus erros. Daqui para frente será mais cobrado. Não deveríamos nem ter naturalizado o fato de Moro ser candidato. Infelizmente, o Brasil naturalizou. Mas ele vai ter que responder na política, no campo aberto, sob sol, por todas as suas responsabilidades.
— A grande mídia é outro agente desse processo. A relação de certos veículos de imprensa com o PT vem sendo muito difícil. Parece disposta a qualquer coisa para gerar desconfiança e suspeitas contra o PT e Lula. Qual é a sua perspectiva sobre essa situação?
— Primeiro, a gente sempre respeitou a liberdade de opinião. Por mais que a grande mídia batesse em nós, fizesse oposição e participasse de todo esse processo, nunca tivemos um discurso autoritário nem um discurso que pudesse cercear a mídia, qualquer que fosse. Isso para nós é muito importante porque a democracia é fundamental para a gente construir uma sociedade mais justa. Segundo, a grande mídia sempre teve lado e nunca foi o lado do povo, até pelo financiamento que recebe dos grandes grupos econômicos, dos interesses que tem e defende. Então, ela sempre se posicionou. Entrou nesse barco da Lava Jato de corpo e alma. Basta ver o que o Jornal Nacional fez em relação aos processos contra Lula. Foram horas e horas de denúncias contra o presidente, contra o PT e para nós cabia uma “notinha” de roda pé para dizer que aquilo não era verdade. Nunca nos chamaram para um debate aberto, franco, em qualquer espaço das grandes emissoras de TV. Sempre apareciam os contra nós e os favoráveis à Lava Jato. Era assim que funcionava o processo. E, apesar disso, de toda essa construção midiática e judicial contra o PT, a conseguimos mostrar nossa versão e vencer. Digo isso por conta da relação com o povo.
Nossos governos, foram os que colocaram o povo na centralidade. Depois de Getúlio [Vargas] que fez a CLT, que deu uma dimensão de Nação ao Brasil, nunca teve um governo que colocasse o povo como centralidade de política pública. Então, o povo experimentou um outro momento na história e viu que tinha um partido e um projeto que colocavam isso. Obviamente, o povo foi muito afetado e envenenado por esse processo midiático que ficou aí mais de cinco anos martelando na cabeça das pessoas coisas contra o PT. Mas isso não foi suficiente para nos destruir. E olha onde estamos hoje. Numa pesquisa do Datafolha, o PT apareceu com 28% de preferência popular e o Lula lidera as pesquisas como o candidato que o povo quer ver à frente da Presidência da República. Então, eu vou sempre defender o direito de todos falarem o que tiverem que falar, a grande mídia, os blogs, quem quer que seja, agora também vou defender sempre a responsabilização sobre as inverdades e sobre crimes que esses órgãos cometam. Acho que isso é o que nós precisamos assegurar.
— O PT é um partido democrático, plural, muita gente fala, muitos dão entrevistas, mas só uma pessoa responde pelo PT e é quem preside o partido. Numa entrevista recente, Lula disse, na sua presença, inclusive, que ele não queria ser candidato apenas do PT, mas de um movimento. Ele delegou que você cuidasse das alianças com os partidos progressistas. Enquanto isso, faria as conversas com o centro para montar o que chama de uma “governabilidade mais tranquila”. Essa junção que você está construindo vai dar na federação partidária?
— Estamos fazendo um esforço porque achamos importante que esses partidos tenham mais nitidez no campo político. As coligações por si só não dão essa nitidez. Você pode fazer coligação para presidente, fazer diferente para os estados, esses partidos serem influenciados por outras forças… A federação, ao centralizar uma posição nacional, estadual e municipal, dá mais nitidez a um campo político e acaba por depurar um pouco quem compõe os partidos desse campo. Isso não é muito um problema do PT, do PCdoB, mas é um pouco o problema do PSB que a gente vê. E está junto com a gente nessa conversa também o PV. É simples? Não, não é simples porque exige articulação local, exige um entendimento programático e também sobre as regras de convivência. E a gente tem um curto espaço de tempo para fechar isso.
Estamos fazendo todos os esforços nessas conversações para que a gente volte cada um aos seus partidos, às suas direções, para mostrar o que está acontecendo e ver se esses as legendas concordam. Eu, particularmente, sou uma defensora da federação. Mas obviamente que quem vai decidir isso é o partido, é a nossa direção, que é coletiva e à base do convencimento, das propostas, do que isso vai resultar. Quero dizer que estamos fazendo muito esforço, eu acho muito importante. Não só para a disputa eleitoral, ter esse campo mais definido, mas para a entrada de um futuro governo para a gente ter uma base mais solidificada ou até para a entrada de uma futura oposição com mais força no Congresso Nacional.
— E a presença do ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, na chapa? É uma figura capaz de colaborar no diálogo com setores que têm mais diferenças do que convergências?
— Quero, primeiro, dizer que isso não está definido. É uma discussão muito pública, pela imprensa, que está sendo feita em razão de uma articulação de São Paulo e que acabou tendo uma conotação nacional. Obviamente, Lula tem tido uma postura muito respeitosa e elegante em relação ao Alckmin e ele também. Mas antes de definir vice, temos que definir aliança com os partidos que vão caminhar conosco. Definir se vamos ter federação ou não e também quais são as coligações que possamos ter, inclusive, no primeiro turno. E, obviamente, uma coesão programática. Pra que a gente está disputando a eleição? Em nome do que e o que nós queremos fazer? A definição de vice vem desse conjunto, ela não precede. É engraçado porque todo mundo quer discutir o vice do Lula. E não vejo ninguém discutindo o vice do Bolsonaro, do Moro, de ninguém… É só o vice do Lula, é muito interessante isso, né? Mas a gente não tem essa definição.
— Neste ano, há duas batalhas importantes. Uma para eleger o Lula e outra para a composição no Congresso. A senhora sente que o eleitorado está consciente sobre a importância disso?
— Ainda não e acho que cabe a nós, não só ao PT, mas aos partidos desse campo, da oposição, da esquerda, da centro-esquerda, falar para as pessoas, conscientizá-las. É muito importante eleger Lula, é claro. Vivemos num sistema presidencialista, o presidente tem muito poder, mas não faz as coisas sozinho. E vamos precisar de uma base de apoio e sustentação no Congresso para que a gente possa fazer as coisas, mudar, consertar e avançar. Então, conscientizar a população de que a gente tem que eleger junto com o Lula uma bancada do Lula, seja deputados e deputadas do PT e dos outros partidos que apoiem o presidente, é fundamental para dizer “olha, é só assim que a gente vai conseguir ter sustentação para mudar”.
Ao lado disso, também acho muito importante ter mobilização e organização popular. É por isso que vamos lançar agora no aniversário do PT os Comitês Populares de Luta que já são um embrião de organização e conscientização popular. Estando num governo ou na oposição, temos que ter presença nos territórios, na formação de núcleos e de pessoas que possam dar sustentação às políticas que defendemos. Isso também terá influência grande no Congresso.
— E os 42 anos do PT, o que representam para você? Esse partido enfrentou tudo e continua vivo e mais forte.
— Já tentaram nos enterrar muitas vezes, decretar nossa morte… Olha, o PT é um partido muito singular e muito diferente. Não há uma outra construção partidária que seja igual em todo o mundo. Isso não é arrogância, não. É a realidade, é como o PT se formou. E 42 anos mostra que é um partido jovem do ponto de vista histórico, mas com uma influência política muito grande no Brasil e no mundo. O PT hoje é referência para vários partidos de todos os cantos do planeta. Basta ver como o Lula é recebido fora do Brasil. E aqui mostra resiliência, mostra a força desse partido que nasceu de um movimento de base, do sonho de luta de homens e mulheres do campo, da cidade, trabalhadores e trabalhadoras, intelectuais, juventude… trouxe essa diversidade. Acho que o PT representa a diversidade do povo. Atua no institucional, mas também no popular. Está junto com os movimentos sociais. E tem essa dinâmica de discutir, sabendo que todo mundo pode falar e quando decide, decide e vai todo mundo para um lado. Isso é de uma riqueza imensa e que faz a força e a resiliência do PT.
Eu fico muito, muito honrada de poder presidir o partido. Nunca imaginei que chegaria à Presidência do PT e acho que chego, exatamente, porque dentro do partido a gente sempre discutiu isso, essa diversidade, e sempre primou por lutar para dar oportunidade para as mulheres ou para as chamadas minorias. E isso fez toda a diferença. Com certeza, minha posição no PT é uma das coisas mais importantes no meu currículo político, não tenho dúvida. Tenho uma honra imensa de presidir o partido. E uma alegria ao mesmo tempo porque eu adoro o PT, amo esse partido, que é um instrumento de luta do povo, dos trabalhadores e tem que ser fortalecido a cada dia.
— O que o PT considera como as questões que precisam ser tratadas com urgência no país?
— A vida do povo brasileiro. Não podemos ter um país que é líder em produção de alimentos, que tem um contingente de habitantes que lhe dá um poder de mercado, de consumo, tendo gente com fome, sem renda e desempregada. Não tem país que se construa, Nação que se construa, democracia que se fortaleça se a maioria do seu povo está excluído da dignidade de vida. Então, a prioridade é fazer com que o povo volte a ter dignidade. Conseguimos isso e ficamos só 13 anos no governo. Muito pouco tempo perto de uma história de 500 anos de um país que sempre excluiu os mais pobres e a maioria do povo. Mas conseguimos mostrar ao povo que é possível, é possível fazer um país que tenha desenvolvimento e riqueza para todos, no qual todos possam viver. Isso para nós é fundamental.
Precisamos de uma política forte de geração de emprego, de renda básica para que as pessoas possam sair da miséria. Uma política forte para combate à carestia, para produção de alimentos e de políticas públicas que dêem proteção. É isso que um país tem que fazer e é isso o que o PT está se propondo, sem tergiversar. Sem querer agradar ao mercado ou à elite. Está dizendo o seguinte: olha, o mundo está mudando. O capitalismo precisa, inclusive, se reorganizar porque se não acaba como sistema. Não pode continuar com poucos ganhando tudo e o resto não ganhando nada. Não pode isso. E nós temos essa determinação. É isso o que nos move, é isso o que nos condiciona a fazer essa luta. Se não fosse isso, não teria razão de ser. Aliás, Lula tem dito isso, insistentemente: “Se for para eu entrar, para fazer um governo pior do que fiz ou como fiz, é melhor não entrar. Aí deixa para outro. Se for para eu entrar, é para fazer melhor”. É para gente ter uma mudança histórica. O povo será o centro do governo. •