No Novembro Negro, uma lista de dez artistas que precisam ser descobertos e ouvidos urgentemente. São intérpretes, criadoras e criadores de canções da melhor tradição ou renovação da MPB

 

O Novembro Negro, mês de luta antirracista, marcado pelo Dia da Consciência Negra, em 20 de novembro, com manifestações em todo o Brasil, foi incluído no calendário escolar brasileiro em 2003, mas foi só em 2011 que a ex-presidenta Dilma Rousseff instituiu a data como o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra.

A música brasileira tem sido desde sempre uma das expressões mais importantes e vigorosas da virtual impossibilidade de pensar a cultura brasileira sem honrar essa enorme contribuição. Há que se dizer que o que aqui se chama de encontro não quer dizer inexistência de conflitos, antes o contrário. Só para ficar em dois exemplos, o samba, um dos símbolos associados quase que automaticamente ao Brasil era perseguido no início do século 20 como música de malandro, associada à pobreza e à marginalidade, e indutora de danças e comportamentos lascivos. O rap e o funk, músicas contemporâneas das periferias negras das grandes cidades, são consideradas caso de polícia — pela polícia, naturalmente.

Apesar das trevas institucionais do governo federal há muita resistência, luta e beleza para celebrar. Nesses 21 meses de pandemia, com shows e turnês suspensos pelos protocolos sanitários, cantores, compositores, músicos e performers tiveram de lançar mão da criatividade para explorar as plataformas digitais e as redes para sobreviver concreta e artisticamente.

Passados os dias de luta e manifestações, Focus Brasil selecionou dez representantes da música negra e afrodescendente brasileira que devem ser descobertos ou redescobertos. São músicos, cantores e instrumentistas que se viraram nos trinta nesses 20 meses de pandemia para continuar produzindo e fazendo da música brasileira esse festival de diversidade e lindeza.

 

Baco Exu do Blues

Em 2020, Baco Exu do Blues gravou aquela que é provavelmente a melhor letra sobre a pandemia no Brasil, “Amo Cardi B e Odeio o Bozo”: “Trabalhadores na rua/ O papa é pop, quarentena é pop/ Cardi B fez mais que o presidente/ Porra, amo o hip-hop/ É, ‘cê ouviu errado não, falei isso memo”.

Nascido em Salvador, Baco faz um rap dolente, com muita influência de blues e de pontos de candomblé (seu primeiro álbum solo, de 2017, chama-se “Esú”. O último lançamento é “Não Tem Bacanal na Quarentena” (2020), mas em 2021 Baco criou o selo 999, para lançar novos nomes da periferia de Salvador.

 

Drik Barbosa

Com 29 anos, a rapper da Zona Sul de São Paulo começou a se apresentar com 15 anos na Batalha do Santa Cruz, local de encontro de MCs e DJs de onde saíram Emicida, Rashid, entre outros. O primeiro álbum solo veio em 2019, “Drik Barbosa” (Laboratório Fantasma), que teria uma turnê européia cancelada pela pandemia. Seu último single é “Calma, Respira”, em parceria com Péricles, transita pelo samba e pelo rap.

 

Giselle Couto

Mineira, formada em música pela Universidade Federal de Ouro Preto, começou como intérprete de compositores clássicos do samba e do choro, como Pixinguinha, Noel Rosa, Cartola, Paulinho da Viola e Paulo César Pinheiro. De 2016 em diante, arriscou vôo em composições próprias em dois álbuns, “Giselle Couto” (2016) e “Natureza” (2020). Dona de uma voz potente e suingada, Giselle percorre os muitos sotaques dos sambas que habitam o Brasil em canções arrebatadoras como “Paixão É Maré” e “Pede Pra Sair”.

 

Héloa

De Aracaju vem essa artista multiplataforma com uma música que combina as tradições afro-indígenas do Sergipe com uma rigorosa formação em canto lírico. “Opará”, seu último disco, é todo dedicado ao Rio São Francisco (Opará é o nome que a etnia Kariri-Xocó dá ao rio e também de uma orixá associada aos rios e cachoeiras). Com clipes criativos e voz potente, Héloa desponta como uma performer inovadora e original.

 

Josyara

A potência de Josyara reside no violão percussivo e na pesquisa do samba-de-roda. Natural de Juazeiro, ela envereda pelos caminhos mais experimentais da nova música baiana, juntando a riquíssima tradição do samba do Recôncavo Baiano ao samba-reggae, ao rap e à eletrônica. No álbum “Mansa Fúria” (2018), composições como “Rota de Colisão” evidenciam o violão original de Josyara, mas singles mais recentes, como “Cidade do Amor” e “Afetou-me” (2021), aparece essa sonoridade mais contemporânea e inovadora.

 

Linn da Quebrada

“Bicha, trans, preta e periférica. Nem ator, nem atriz, atroz. Performer e terrorista de gênero”. É assim que se define essa artista de várias linguagens nascida na Zona Leste de São Paulo. Linn circula com desenvoltura na língua franca do rap e do hip hop com letras provocativas e de combate: “A minha pele preta é meu manto de coragem/ Impulsiona o movimento/ Envaidece a viadagem/ Vai desce, desce, desce, desce/ Desce a viadagem!”, em “Bixa Preta”. Em 2021, lançou “Trava Línguas”, com a produtora e DJ BADSISTA e a percussionista Dominique Vieira.

 

Ludmilla

A “Rainha da Favela” que veio da cena do funk da Baixada Fluminense tornou-se a primeira negra latina a atingir 1 bilhão de ouvintes na plataforma de streaming Spotify e foi indicada ao Euripe Music Awards ano passado. De voz potente, a menina que despontou nos bailes se apresentando como MC Beyoncé, inspirada pela cantora norte-americana de R&B, hoje é uma das principais representantes do funk feito por mulheres, do empoderamento feminino e das lutas LGBTQIA+. Em julho deste ano, lançou o EP “Lud Sessions feat Glória Groove”, cuja versão no Youtube ultrapassa os 30 milhões de visualizações.

 

Luedji Luna

A inconfundível voz de Luedji Luna mostra com clareza de onde vem suas principais influências na MPB: Milton Nascimento, Luiz Melodia e Djavan. A baiana Luedji chegou a se formar em Direito, mas abandonou a profissão para estudar canto e se apresentar na cena bares do Rio Vermelho dos início dos anos 2000. Com acento jazzístico, Luedji gravou seus dois álbuns de estúdio já em São Paulo, pela produtora YB!, “Um Corpo no Mundo”(2017) e “Bom Mesmo É Estar Debaixo d’Água” (2020).

 

Mbé

“Rocinha”, o primeiro trabalho de Mbé, nascido Luan Corrêa consiste em 23 minutos de colagens, samples, falas, ruídos e cantos agônicos com influências do free jazz, cantos indígenas do Xingu e tambores do candomblé mineiro, entre outros. Nascido Luan Correa, criado na Rocinha que dá nome ao seu trabalho que é como uma paisagem sonora de uma das maiores favelas do Rio de Janeiro, esse carioca de 25 anos traz uma música radical, ativista (intelectuais feministas negras como Lélia Gonzalez e Maria Beatriz Nascimento comparecem nas faixas de “Rocinha) e cheia de singularidades.

 

Yoún

Também da Baixada Fluminense, Alisson e GP começaram cantando gospel na igreja evangélica, mas iniciaram a dupla se apresentando como artistas de “trem”, entre as linhas Nova Iguaçu e a Central do Brasil, a famosa conexão Japeri. Com som mais intimista, influenciado pelo jazz e pelo soul, a dupla tem uma pegada romântica que, por vezes lembra Claudinho & Buchecha, em clipes bem produzidos e que exploram, inclusive, as diferenças (simbólicas) da música negra americana e da brasileira (como no clipe “Nova York”, de 2019). •

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