Como devolver o dinheiro do fisiologismo para o SUS?
O Congresso deveria determinar o remanejamento imediato dos valores não executados das emendas de relator para o SUS. Os recursos seriam utilizados em vacinação da população e outras despesas de saúde
No governo Bolsonaro sobram recursos para o fisiologismo, ao mesmo tempo que os impactos da Emenda Constitucional 95, que instituiu o teto de gastos, drenam o orçamento do SUS em plena ressaca da pandemia.
Não foi à toa que a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, determinou a suspensão integral da execução das emendas de relator (“RP 9”), até o final do julgamento de mérito da questão. A liminar foi confirmada pela maioria dos ministros.
A decisão é crucial para preservar a transparência e a impessoalidade na utilização do orçamento público, uma vez que sequer é possível conhecer os parlamentares que demandam recursos das emendas de relator.
A decisão sobre a alocação dos valores fica concentrada em lideranças do Congresso, especialmente os presidentes das casas legislativas, que podem utilizá-las, sem quaisquer critérios objetivos, para desequilibrar votações em curso.
O artigo 162 da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2021 é claro ao determinar: “A execução da Lei Orçamentária de 2021 e dos créditos adicionais obedecerá aos princípios constitucionais da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência na administração pública federal, e não poderá ser utilizada para influenciar na apreciação de proposições legislativas em tramitação no Congresso Nacional”.
Entretanto, na votação da PEC 23/2021 — a chamada PEC do Calote, ou PEC dos Precatórios —, houve diversos relatos, expostos pela mídia, de uso do RP 9 para compra de votos. No primeiro turno, a PEC foi aprovada por apenas quatro votos além do mínimo necessário. Vale observar, o empenho de emendas de relator quase triplicou entre setembro e outubro (mês de votação da PEC 23 na Câmara), aproximando-se de R$ 3 bilhões nesse último mês.
Em particular, a combinação entre austeridade fiscal e fisiologismo tornou mais crítica a redução das despesas no SUS, uma vez que as emendas de relator ocupam espaço fiscal dentro do teto de gastos.
Estimamos que a EC 95 retirou R$ 42,5 bilhões do SUS em 2018, 2019 e 2022, neste último ano, considerando o projeto de orçamento. Em 2020 e 2021, na prática, a EC 95 não constituiu uma restrição à execução de recursos, pois foram editados créditos extraordinários fora do teto de gastos.
Além disto, a saúde perdeu este ano R$ 1,6 bilhão em função do cancelamento do empenho relativo ao contrato fraudulento para compra da vacina Covaxin. No projeto de orçamento de saúde para 2022, sequer há recursos para vacinação de toda a população, havendo um déficit de R$ 7 bilhões, segundo o próprio Ministério da Saúde.
Ante o exposto, considerando que, de um lado, há um saldo a empenhar de R$ 7,58 bilhões em emendas de relator no Orçamento de 2021 — sendo R$ 2,87 bilhões na saúde, segundo dados do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (Siop) —, e de outro, conforme previsto na PEC 23, não há clareza sobre a aprovação pelo Senado Federal de recursos adicionais para combate à pandemia este ano, o Congresso deveria determinar o remanejamento imediato dos valores não executados das emendas de relator para o SUS.
Os valores seriam utilizados em vacinação da população e outras despesas de saúde, por exemplo, para atender às demandas reprimidas em função da redução, segundo cálculos da Fiocruz, de 900 milhões de procedimentos durante a pandemia, como cirurgias, transplantes e exames.
Para reverter a captura do orçamento de saúde pela austeridade e o fisiologismo são necessárias mudanças estruturais no arcabouço fiscal brasileiro. Todavia, seria fundamental, em meio ao caos sanitário que resultou em mais de 611 mil óbitos por Covid (Painel Coronavírus), pressionar o Congresso Nacional e destinar R$ 7,58 bilhões para o SUS, remanejando os valores não executados das emendas de relator, de modo a atender à demanda da população por vacinação e serviços de saúde.