A turnê de Gilberto Gil mostra lá fora o Brasil que deu certo e continua no auge. O artista nominará cátedra no Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP) e ganha cadeira na Academia

 

Artista de múltiplos talentos, o baiano Gilberto Passos Gil Moreira acaba de realizar uma exitosa turnê de 18 espetáculos pela Europa. Com ingressos esgotados em todos os espaços por onde passou — de Dijon, Nantes, Nancy, Turcoing e Paris, na França; passando por Luxemburgo, Alemanha, Hungria, Espanha, Suécia; Viena, Áustria e Portugal, ele marca o passa e transcende línguas e povos para mostrar o Brasil que o mundo aprendeu a amar. Aos 79 anos, Gil curva o espaço-tempo e é reverenciado na Europa.

De volta ao Brasil, o músico participou como palestrante em 10 de novembro do seminário Cultura, Sustentabilidade e Democracia, promovido pela Fundação Perseu Abramo em parceria com o Instituto Cultura e Democracia e pela fundação alemã Friedrich Ebert Brasil, sob a curadoria do ex-ministro Juca Ferreira.

Gil diz que chegou a hora de o Brasil superar o seu histórico de modernização conservadora e seguir um novo rumo, o da modernização progressista. E parafraseando o também poeta e cantor Jorge Mautner disse: “Não há abismo em que o Brasil caiba”. Ele assumirá uma cátedra no Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP) e, na última semana, foi eleito para ocupar a cadeira 20 da Academia Brasileira de Letras. É a coroação de uma carreira que orgulha a si e o país.

A turnê pela Europa foi reingresso aos palcos, dos quais esteve afastado nos últimos anos por conta da pandemia. Acompanhado da cantora e compositora Adriana Calcanhoto e dos músicos Bem Gil, seu filho, e dos netos João Gil e Flor Gil, além do baterista Marcelo Costa Real, o músico baiano brilha intensamente como uma estrela de primeira grandeza do Brasil.

Autor de incontáveis sucessos, Gil encantou as plateias europeias nesse período sombrio em que vivemos. Músicas como “Madalena” — “Entra em beco, sai em beco/Há um refúgio Madalena” —, “Palco” , “Toda Menina baiana” e “Tempo Rei” encantaram as platéias do Velho Mundo.

Gil arrancou aplausos e sorrisos ao tocar clássicos, como “Aquele Abraço” — que afasta os tempos sombrios que se abateram sobre o Brasil no passado, assim como no presente: “O Rio de Janeiro continua lindo/ o Rio de Janeiro continua sendo/ o Rio de Janeiro fevereiro e março/ Alô, alô, Realengo, aquele abraço…”

O artista continua profundamente identificado com o pensamento progressista — no Brasil e no mundo. Ele brinca que todas as apresentações na Europa foram encerradas com o já famoso coro de “Fora, Bolsonaro”, gritado a plenos pulmões por brasileiros e estrangeiros na plateia.

Ao portal de notícias francês Francesinfo Culture, Gil tratou da pandemia da Covid e deu sua opinião sobre a forma desastrosa como o presidente tratou as medidas sanitárias: “Eu estava acompanhando de perto a evolução da situação, do lado da ciência, da medicina, da pesquisa…Tive toda a paciência, esperei, esperei, esperei. Depois, foi algo da ordem de se acostumar com a situação, com as dificuldades do dia a dia”.

Perguntado se sentia raiva do presidente, do governo e da forma como Jair Bolsonaro lidou com a crise sanitária, ele respondeu: “Raiva pessoal, eu não sentia. Porque eu nunca esperei nada deles. Eu já sabia que eles eram loucos. Não sentem um interesse profundo pela Nação, pela sociedade”.

Gil disse ainda que torce pela derrota de Bolsonaro nas eleições de 2022. “Espero que ele perca. Ele perdeu muito de seu apoio eleitoral, daqueles que o apoiavam. Eles perderam a esperança que depositaram nele e espero que isso reflita na votação. Não tenho certeza, mas a possibilidade de uma mudança é muito grande”, declarou o ex-ministro da Cultura entre 2003 a 2008, no governo Lula.

Digno de nota é o fato de que Gil ocupará a cadeira que já teve como ocupante o general Aurélio de Lira Tavares, um de seus algozes. Foi durante a gestão do general como membro da junta provisória que governou o Brasil em 1969, que o cantor e compositor baiano foi preso junto com Caetano Veloso, permanecendo detido durante dois meses nas instalações da Vila Militar, no Rio de Janeiro, antes de embarcar para o exílio em Londres. Como Gil e o país triunfaram sobre a ditadura, vamos virar juntos a página deste governo do retrocesso e da estupidez.