Em um país com pouca tradição na música erudita, o fato de um dos maiores pianistas do mundo ser brasileiro não deixa de ser notável. Nelson Freire, mineiro de Boa Esperança, que morreu em 1º de novembro, aos 77 anos, era um virtuoso no instrumento, reconhecido internacionalmente como um grande e original intérprete. Desde 2019, quando sofreu uma queda e machucou o ombro e o braço direito, o pianista vinha enfrentando dificuldades e esperava o fim da pandemia para voltar a se apresentar.

Recluso e introspectivo, Freire era avesso a entrevistas, não gostava de longas turnês e gravava exclusivamente o que queria. Apesar do temperamento tímido, fez uma sólida carreira internacional, apresentando-se em mais de 70 países.

Nelson José Pinto Freire nasceu em 18 de outubro de 1944. Começou a tocar piano de ouvido, reproduzindo  as lições da irmã mais velha, Nelma. Deu seu primeiro recital aos 5 anos, em sua cidade natal e chamou a atenção de músicos locais. A família, então, mudou-se para o Rio de Janeiro para que Nelson, então com 6 anos, estudasse.

Aos 12 anos, foi finalista do 1º Concurso Internacional de Piano do Rio de Janeiro e chamou a atenção do então presidente Juscelino Kubitschek, que lhe ofereceu uma bolsa de estudos. Ele foi para Viena, onde estudou com Bruno Seidlhofer, na mesma classe da argentina Martha Argerich, de quem se tornaria amigo.

Freire deslanchou para a carreira internacional ainda no final dos anos 1950, dando recitais e concertos nas maiores cidades da Europa, Estados Unidos, América Central e do América do Sul, Japão e Israel. Trabalhou com regentes como  Pierre Boulez, Kurt Masur, André Previn e Rudolf Kempe e apresentou-se entre as mais prestigiosas orquestras do mundo, como a Filarmônica de Berlim, a Orquestra Sinfônica de Londres e a Orquestra de Paris, além de várias participações em concertos nos EUA.

Em 1999, foi o único brasileiro incluído na coleção de 200 CDS gravados por 72 artistas — Great Pianists of the XXth Century, da Phillips. A partir de 2003, realizou uma série de gravações para o selo Decca, com repertório de sua escolha. O primeiro álbum foi dedicado às obras de Chopin, que ganhou aclamação unânime da crítica musical internacional. Ele seguiu gravando obras de de Schumman, Lizst, Brahms, Bach e Mozart, Debussy, bem como do brasileiro Heitor Villa-Lobos. 

Também em 2003, o cineasta João Moreira Salles realizou o documentário “Nelson Freire”, que permitiu a um público maior conhecer o músico que já foi chamado de “o segredo mais bem guardado do piano”.

O francês Libération destacou a importância do legado de Freire, afirmando que o músico “sabia criar, longe do tumulto do mundo, o espaço necessário para que o discurso dos compositores que interpretava se desenrolasse. (…) Sua performance inspirando imaginação e grandeza, seu eterno olhar de criança sobre o mundo, sua maneira de fazer borbulhar uma melancólica sonata como o mais eufórico dos champanhes, jamais serão substituídos”.

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