Entrevista – Adriana Dias: Bolsonaro e o neonazismo. Uma relação comprovada
A ligação de Jair Bolsonaro com grupos neonazistas foi revelada, recentemente, pela pesquisadora Adriana Dias, Doutora em Antropologia pela Unicamp. Há quase vinte anos ela se dedica a pesquisar a história e a movimentação de grupos neonazistas brasileiros. Muito material é encontrado na internet e em três sites de grupos “neonazi” Adriana encontrou publicada uma mensagem enviada pelo então deputado Jair Messias Bolsonaro. O material é revelador e faz crescer o número de elementos que apontam para uma conexão do bolsonarismo com o neonazismo. A pesquisadora revela também que a ascensão de Jair Bolsonaro coincide com o crescimento de grupos neonazistas brasileiros. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
– O que você encontrou em 3 sites neonazistas que tinha relação com o então deputado Jair Bolsonaro?
– Eu encontrei uma correspondência do Bolsonaro publicada por três sites neonazistas brasileiros. Eu não sei se ele mandou isso para “deus e o mundo”. Mas só quem publicou foram os sites neonazistas brasileiros. Agora, além disso tinha nesses sites um banner para o site do Bolsonaro, dando tráfego.
– Esse redirecionamento para a página do Bolsonaro, isso indica algum tipo de relação do presidente com esses grupos ou pode até ser uma mera coincidência?
– A gente não está falando da internet de hoje, estamos falando da internet de 2004, que era completamente diferente da internet de hoje. Em 2004, não tínhamos Google, não tínhamos AdWords [principal ferramenta de publicidade do Google], os vínculos na internet através de banners eram feitos de outras maneiras. Então, quando um site dava tráfego para outro, principalmente aqueles que tinham os aplicativos para saber de onde vêm os visitantes do site, porque era tudo muito rudimentar, ele sabia de onde vinha o tráfego. Veja, porque um deputado federal que recebe 90% do seu tráfego de um site neonazista, não denuncia para a Polícia Federal? Sites esses que tinham 300 mil acessos por dia, você imagina que não era pouco o tráfego que “ía” para o Bolsonaro a partir desses sites.
A segunda pergunta, esse banner foi pago pelo Bolsonaro? A Câmara não sabe me responder porque todos os pagamentos do Bolsonaro de internet dessa época estão sob o mesmo título de telefonia e ninguém acha o que ele pagou, onde… e tudo está sendo tratado pela Câmara como coisa pessoal do Bolsonaro. Para mim, tudo o que ele pagou utilizando a cota de deputado não é pessoal, é público. É o que diz a lei brasileira. E se ele pagou por esse banner a coisa se torna ainda mais grave, de uma gravidade absurda.
Os sites publicaram a carta do Bolsonaro em que ele diz “internautas, vocês são a razão do meu mandato”. Então, eles publicaram se sentindo a razão do mandato dele. Ele sabia que isso foi publicado lá, porque o tráfego vinha de lá. E ele não fez nada, não desmentiu. Depois que nós começamos a procurar o material sobre esse site, o Bolsonaro se desvinculou do Bolsonaro.com.br e pediu o desligamento do registro. Ele está tentando apagar rastro. Eu não tinha nenhuma dúvida, agora tenho menos ainda. E ele ainda usa a bandeira de Israel como álibi.
– Bolsonaro é uma contradição impressionante.
– Não. Isso é estratégia. Ele tem dois níveis de comunicação. Ele comunica superficialmente algo que ele precisa comunicar para manter os vínculos que ele assumiu, digamos, de 2007 para frente, que é depois do casamento dele com a Michele. Ela é evangélica e ele se aproximou de toda uma base do conservadorismo evangélico brasileiro, quem fez o casamento dele foi o Malafaia. Isso foi muito importante para a eleição dele. Para manter essas bases, ele precisava de um discurso pró-Israel. Essas bases evangélicas não acreditam na Israel de hoje. Como diz o Michel Gherman [pesquisador da UFRJ], essas bases conservadoras criam uma Israel imaginária e que é apocalíptica, que vai servir à segunda vinda de Cristo. No limite, é nisso que o Bolsonaro crê. E é nesse tema que ele utiliza essa comunicação superficial. Por isso ele fala que no Brasil todos são cristãos. Eu não acho que ele seja cristão, e os nazistas também eram cristãos.
Agora, no nível profundo de comunicação ele sempre deu mensagens para a base dele que é neonazista. Sempre fez comentários pontuais. No CQC [antigo programa da TV Band], ele citou uma frase de um grande revisionista histórico, ele fala do Hitler. Quando ele vai comentar a morte do Vlado [Vladimir Herzog], ele fala “ah, essas pessoas se suicidam”. Essas pessoas quem? Os judeus? Então, ele está o tempo todo dando mensagens de antissemitismo, pró-hitlerismo para essa base. Teve o [Joseph] Goebbles, né. O Roberto Alvim, da Cultura, fazendo aquele discurso goebbeliano, ridículo, abjeto. E ele tentou fazer de conta que isso não tinha acontecido, porque é para essa base. Foi um laboratório social. Depois da descoberta da carta isso não me soa mais como um fato aleatório. Me soa como projeto. A carta redefine tudo o que aconteceu depois. O banner redefine tudo o que aconteceu depois. Essa é a questão. A releitura que pode ser feita a partir da carta e do banner.
– Quer dizer, a forma de agir do Bolsonaro tem traços neonazistas?
Sem dúvida. Sempre teve. E as instituições no Brasil têm que parar de fazer carta de repúdio. Já tem milhões de cartas de repúdio e ninguém faz absolutamente nada com elas. Acho que nazismo não resolvemos com carta de repúdio. Precisamos fazer algo a mais. A população precisa ser conscientizada. A minha opinião é que a população não está informada sobre os elementos neonazistas do discurso do Bolsonaro. Ele tem um projeto eugenista. Esse mandato tem que ser interrompido. Não tem escolha difícil.
– A senhora pesquisa o tema há mais de uma década, como o neonazismo se propaga pelo Brasil? É possível dizer em quais regiões esse movimento tem mais adeptos e se é um número significativo de pessoas?
– O neonazismo começou no Brasil antes da década de 1980, mas ele começa a ter rastros estatísticos depois da década de 80, com grupos muito pontuais. O neonazismo vai começar a se desenvolver de fato depois dos anos 2000 com grupos revisionistas do Holocausto, principalmente, no Sul e preferencialmente em Santa Catarina. Ele vai se expandindo cerca de 8% ao ano até 2009, quando ocorre uma briga entre dois grandes grupos e a liderança de um desses é assassinada e, por isso, acabam diminuindo. E a cena “nazi” volta a aparecer em público de novo só em 2011, quando os neonazistas de São Paulo chamam um ato pró-Bolsonaro. Mas eles vêm para a superfície de fato quando o Bolsonaro começa a aparecer na TV e tem a fala inflamatória dele – que é uma pessoa que tem capacidade de fazer movimentos de ódio se manifestarem na sociedade – e isso faz com que os grupos venham crescendo e agora é de uma forma absurda. A série histórica é horrorosa a partir daí. Hoje são 530 células que estão ligadas a várias vertentes diferentes que não necessariamente conversam entre si.