Um dos grandes avanços na política de proteção social durante o período do PT foi a implantação do Sistema Único de Assistência Social (Suas), com a organização de uma rede de serviços socioassistenciais com mais de 11.400 unidades de proteção – Centros de Referência da Assistência Social (Cras), Centros de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), Centros Pop de Rua, além de mais de 6.400 unidades de acolhimento em todo país.

Essa estrutura vem garantindo condições de acesso a 19,2 milhões de benefícios socioassistenciais de renda, além do acompanhamento das famílias com direitos violados, como violências cometidas contra crianças, adolescentes, mulheres, pessoas idosas, entre outros cidadãos de direitos que demandam proteção especial do Estado.

A criação do Suas, e da legislação e normativas que o embasam, foi acompanhada de firme compromisso do governo federal com o financiamento dos serviços. Os recursos federais para assistência social foram multiplicados por quatro em termos reais, entre 2002 e 2015, do final do governo Fernando Henrique Cardoso, passando pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva até a gestão de Dilma Rousseff. A expansão dos equipamentos públicos da assistência social, contando com co-financiamento federal, foi realidade em praticamente todo o país.

O Suas foi construído com o aprofundamento do pacto federativo, da cooperação entre os três níveis de governo, de compromissos comuns com as prioridades e de firme engajamento com o diálogo, a pactuação e a transparência de informações.

Os governos pós-golpe têm atuado para devolver a assistência social para o campo da filantropia, inclusive com a ampliação de isenções tributárias, esvaziando a concepção de direitos e de ampliação de serviços para os vários públicos em vulnerabilidade. Trouxeram de volta a velha política assistencialista, baseada no favor e no “primeiro damismo”. Um caminhar em direção ao passado, mais excludente, menos eficiente na garantia de direitos, menos participativo e menos federativo.

 

O esvaziamento do sistema

Os governos Temer e Bolsonaro romperam com o modelo da assistência social republicano e participativo. A responsabilidade pública com os direitos sociais, que está no cerne do Suas, está sendo esvaziada progressivamente. A redução do gasto federal com serviços deixou os municípios abandonados em face aos compromissos nacionais com a população mais vulnerável, deixando desprotegidas famílias em condições de pobreza, fragilizadas por contextos de violência ou por ausência de proteções e de garantia de vínculos. Ficam desprotegidos os que estão submetidos a situações de abandono, isolamento, trabalho infantil, exploração sexual ou situação de rua.

Alterações em gestão têm sido realizadas sem pactuação e deliberação. Os recursos orçamentários para o cofinanciamento do Sistema Único de Assistência Social sofrem tanto com redução como com descontinuidades nos repasses.

Em 2019, Bolsonaro desobrigou o repasse de valores considerados como déficit de exercícios anteriores (Portaria 2.362/19), devidos pela execução de ações pactuadas nos planos de ações municipais e estaduais. A chamada equalização de recursos comprometeu a sustentabilidade dos serviços, gerou insegurança nos gestores, comprometeu o planejamento orçamentário do ciclo da política pública nas esferas subnacionais, já que os repasses, cada vez mais residuais, não são seguros e estáveis para os parâmetros de manutenção dos serviços já instalados.

A evolução do orçamento mostra que, a partir do Golpe de 2016,  com a saída de Dilma Rousseff da Presidência da República, houve uma redução dos recursos federais para cofinanciamento de serviços, programas e projetos e benefícios, o que compromete a provisão de seguranças socioassistenciais continuadas. Para 2021, a dotação orçamentária é 18% inferior à de 2020. Ademais, frente a uma necessidade de R$ 2,67 bilhões para custeio dos serviços, o orçamento aprovado assegura somente 42% do total necessário.

 

Desmonte do CadÚnico

O Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) é uma plataforma de coleta de dados e informações das famílias de baixa renda. Seu aprimoramento ao longo dos governos do PT o transformou em “porta de entrada” para acesso à rede de proteção e a serviços públicos para os mais pobres, finalmente tornados visíveis ao Estado.

A destruição do CadÚnico avança a passos largos, junto com a fragilização do Suas. Como ambos resultam de pactuações com governos estaduais e municipais realizadas desde 2003 e reafirmadas continuamente, o fim do sistema e do cadastro acabará com o sistema em bases federativas. Comprometerá ainda muitos programas estaduais e municipais que utilizam as bases de dados e critérios do CadÚnico.

Os passos nesta direção vêm sendo dados. No governo Temer, a Busca Ativa foi interrompida, e se inverteu a lógica de remuneração dos municípios, que passaram a premiar os que excluíssem famílias do CadÚnico e do Bolsa Família.

No governo Bolsonaro, o processo de desmonte se acelerou. Embora tenha ganhado status de secretaria nacional, o Cadastro Único passou a ser comandado por uma agente da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Em 2020, foram cortados 67% dos recursos de serviços socioassistenciais do Suas, reduzindo fortemente os valores repassados aos estados e municípios para a gestão do cadastro.

O aplicativo do auxílio emergencial também se transformou em instrumento para sucatear o CadÚnico e usar um sistema paralelo. A partir da experiência com este aplicativo e sob o argumento de modernizar o cadastro, o plano do governo Bolsonaro é adotar uma plataforma digital com autocadastramento.

Com isso parte da população já seria excluída, pela falta de acesso à internet, à informação e às dificuldades de manejo do sistema. O próprio Bolsa Família fica sob risco, à medida que passa a ser mera transferência de renda numa relação beneficiário e o banco, excluindo as dimensões de acesso a direitos e políticas públicas e inviabilizando as condicionalidades.

Todas essas alterações desconsideram o perfil da população usuária da assistência social, seus vínculos com a rede de serviços, especialmente no âmbito dos Cras. A relação direta com o ambiente virtual sem apoio dos profissionais, deverá resultar em maior exclusão social. São mudanças para excluir a população mais pobre.

A gestão Bolsonaro vem negociando com empresas big techs, como Google e Facebook, a gestão deste novo sistema ou aplicativo desumanizado. Pretendem colocar nas mãos de atores privados, questionados em países como Inglaterra e Estados Unidos por mal uso de informações privadas, as bases de dados de 114 milhões de brasileiros, total de cidadãos cujos dados, em algum momento desde 2003, passaram pelo Cadastro Único.

Com Bolsonaro, o país voltou aos gravíssimos problemas de pobreza e fome do século 20 agravados pelos novos desafios da sociedade de vigilância do século 21.

 

BPC sob ataque

O governo Bolsonaro tentou desconstituir o Benefício de Prestação Continuada (BPC), direito previsto na Constituição, por meio da emenda constitucional da Reforma da Previdência. Entre as mudanças propostas pelo governo estava a ampliação da idade de 65 anos para 70 anos para acesso ao benefício.

Se tal reforma não conseguiu avançar no que se refere ao BPC, medidas administrativas têm dificultado o acesso dos beneficiários, como a exigência de os idosos se inscreverem no Cadastro Único, sem a devida divulgação e apoio; e os impactos da implantação do INSS digital. Com isso, mesmo diante do agravamento da pobreza, houve crescimento pífio do BPC em 2019, tanto para idosos quanto para pessoas com deficiência. Em 2020, houve redução de acesso para pessoas com deficiência, afetando mais de 14 mil beneficiários. •

 

 

Articulação intersetorial abandonada

Nos 13 anos do PT no governo, foi estruturada uma rede ampla e diversificada de políticas de proteção e inclusão social, da qual o Bolsa Família é a face mais conhecida. Uma das mais importantes inovações na estruturação dessa rede foi o esforço de impulsionar a integração de iniciativas setoriais. Sob a diretriz de que os mais complexos problemas sociais demandam ações intersetoriais, foram realizadas iniciativas. Cinco anos após o golpe, a extinção e abandono de programas vem fragmentando esta rede, diminuindo a capacidade de atenção do Estado aos mais pobres e vulneráveis.

 

Combate ao trabalho infantil

A política deixou de ser prioridade das ações de fiscalização e ficou ameaçada com a extinção do Ministério do Trabalho. Foi fragilizada também pela desarticulação das políticas, em especial a de inclusão de crianças trabalhando, e de outras ações que buscavam garantir que ninguém fique fora da escola. O discurso de que todo trabalho enobrece voltou a ser disseminado com intensidade, inclusive por autoridades governamentais. Bolsonaro não previu nenhum recurso para ações estratégicas do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, rompendo com o pacto internacional de proteção aos direitos da infância.

 

Brasil Carinhoso

O programa foi extinto e os recursos antes repassados aos municípios com o objetivo de estimular a inclusão de crianças em creches foram interrompidos. Não há apoio aos municípios ou coordenação nacional dos esforços de atendimento às famílias em situação de vulnerabilidade.

Criado no governo Temer e mantido por Bolsonaro, o Criança Feliz, programa de visitas familiares, passou a usar os recursos para creches e atenção básica do Suas à revelia da rede. No lugar de uma ação de acolhimento em instituições escolares ao longo de todo o dia e atendimento por profissionais preparados, o programa apenas realiza visitas domiciliares eventuais sem nenhum aporte protetivo à criança ou a sua família.

 

Bolsa Verde

Foi extinto, após atender 77 mil famílias beneficiárias do Bolsa Família que vivem em áreas com rico ativo ambiental, como reservas extrativistas ou Florestas Nacionais.

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