O Golpe de 2016 abriu a porteira para passar a boiada – combinação de discurso e atos infra legais contra as instituições ambientais. Há uma segunda etapa do desmonte, ainda mais profunda, que o governo pretende implementar, que requer mudanças em leis e na Constituição. Afinal, as forças do golpe lutam pelo fim da política ambiental para deixarem a natureza no limbo, sem proteção jurídica e estatal.

Esse objetivo passa e depende do Congresso. Parte da investida já aconteceu, com a desregulamentação dos recursos hídricos e do saneamento. Há mais mudanças no horizonte, a serem combatidas, e que, embora contidas em inúmeros projetos de lei, se dividem em três grandes objetivos: apropriação privada dos bens comuns da natureza e da cultura, como terras públicas, biodiversidade, água e os territórios tradicionais; rebaixamento das normas de proteção ambiental, notadamente o licenciamento ambiental; e abertura de terras indígenas e unidades de conservação para exploração.

Entre os projetos voltados ao primeiro objetivo, o mais impactante é o PL 510/2021, uma versão piorada da MP da Grilagem. Se aprovado, grandes extensões de áreas públicas na Amazônia, de até 2.500 hectares, verdadeiros latifúndios, ocupadas irregularmente, serão regularizadas em nome de invasores.

Além de aumentar a concentração fundiária e legalizar desmatamentos criminosos, a medida irá criar as condições para o desmatamento legal de milhões de hectares, um resultado na contramão de todo e qualquer projeto de desenvolvimento sustentável da Amazônia. Outros projetos com a mesma finalidade tramitam na Câmara e devem ser igualmente rejeitados.

Em relação ao licenciamento ambiental, o substitutivo ao PL 3.729/2004 pretende transformar o licenciamento em exceção e não regra. A eliminação da exigência atual do licenciamento para um amplo conjunto de obras e empreendimentos, a exclusão da análise de risco e de impactos indiretos, adoção do auto licenciamento, rebaixamento da interveniência de órgãos como ICMBio, Funai, Incra e Sepir e esvaziamento dos mecanismos de participação da sociedade, estão entre as exigências do agronegócio, do setor de infraestrutura e logística e outros setores refratários aos princípios da precaução e de respeitos aos direitos socioambientais.

Quanto às iniciativas que ameaçam a integridade das terras indígenas e das unidades de conservação, a tarefa mais urgente é evitar a aprovação do PL 191/2020, proposto por Bolsonaro. O projeto visa regulamentar a exploração de recursos minerais e a geração de energia elétrica em terras indígenas.

Na verdade, autoriza qualquer atividade econômica nas terras indígenas, incluindo agricultura, pecuária e turismo. Se aprovado, o projeto abre caminho para que, mediante parcerias e outros mecanismos jurídicos, grupos econômicos explorem e se apropriem, na prática, das terras e riquezas naturais que são, constitucionalmente, de usufruto exclusivo dos povos indígenas.

Depois do golpe, desde que Michel Temer tentou abrir a Reserva acional de Cobre e Associados (Renca), e principalmente com Bolsonaro, está em curso uma orquestração entre as forças que tomaram de assalto o poder para solapar as conquistas democráticas da sociedade em relação aos direitos ambientais, à proteção da natureza e ao protagonismo dos povos indígenas, das comunidades tradicionais e dos movimentos sociais portadores de alternativas ao processo de exclusão social provocado pelas políticas neoliberais restauradas pelo golpe.

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