Como um soco no estômago
Nenhuma relação econômica de dominação se constitui sem a elaboração de uma trama simbólica de ideias e valores que a legitimam e justificam. Nosso objetivo aqui é reconstruir a origem dessas ideias e valores na relação entre Brasil e Estados Unidos e analisar como foram utilizados para interromper, mais uma vez, o processo democrático de soberania brasileira nos anos recentes”.
A afirmação que introduz o mais recente livro do sociólogo e pesquisador Jessé Souza, “A Guerra Contra o Brasil”, 202 páginas, da editora Estação Brasil, abre caminho para que o leitor ou leitora perceba como a chamada guerra híbrida foi fundamental para a derrubada da ex-presidenta Dilma Rousseff, a criminalização do PT e a prisão de Lula.
O autor pontifica as chamadas Jornadas de Junho de 2013 como o início da captura das ruas pelas forças conservadoras e suas pautas “moralizantes”, com o apoio aberto e desavergonhado da chamada mídia empresarial. Jessé Souza a chama de venal.
Ao longo da obra, o autor aponta o conluio entre juízes e procuradores da Operação Lava Jato que, em “parceria” ilegal com o Departamento de Estado dos Estados Unidos, foram treinados e municiados para perpetrar com a cobertura da mídia o maior crime de lesa-pátria da história brasileira. Essa trama, que passaria despercebida, foi fartamente documentada no episódio da Vaza Jato, inicialmente publicada no Intercept Brasil em parceria com variados órgãos de imprensa.
Essa associação criminosa, na visão de Jessé, contribuiu para a destruição de empresas nacionais e a extinção de milhões de empregos, sendo determinante para o impeachment fajuto de Dilma e o lawfare contra Lula, que culminou com seu encarceramento por 580 dias e seu impedimento de disputar, favorito que era, as eleições presidenciais de 2018.
Ao longo do livro, o autor aponta os caminhos que levaram as forças progressistas a sofrer um diuturno processo de desmoralização e que levou de roldão o conjunto das demais forças políticas – inclusive o PSDB e congêneres –, culminando na eleição do principal vassalo de Donald Trump, o protofascista e admirador da tortura, Jair Bolsonaro.
Jessé desnuda ainda o caráter racista e antipovo das elites brasileiras e sua submissão aos modismos estadunidenses. Vistos por esses como modelo de sociedade e de honestidade no trato da coisa pública. Nada mais falso.
Ao apontar para o Brasil suas armas da guerra híbrida, o império decadente mirou desmontar as políticas inclusivas dos governos Lula e Dilma, a construção dos BRICS – união entre Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – como um novo polo de desenvolvimento na comunidade internacional e a derrocada do projeto de construção da soberania nacional.
Crítico acerbo de parte da academia brasileira, o autor desmistifica a tese de que o principal problema da formação histórico-política da Nação seja o chamado patrimonialismo e não as chagas seculares ainda à mostra no país de herança escravocrata.
E por fim, Jessé Souza salienta, com razão, que o tema da corrupção foi e é largamente usado pelo reacionarismo brasileiro quando emparedar as experiências inclusivas do conjunto da população.