Jô Soares
Por mais que eu fale, tudo que eu diga será sempre menor do que a realidade. Carlito foi, sem favor nenhum, um homem dedicado a tentar melhorar o mundo
Por mais que eu fale, tudo que eu diga será sempre menor do que a realidade. Carlito foi, sem favor nenhum, um homem dedicado a tentar melhorar o mundo
Carlito Maia, meu amigo
Sei que, à primeira vista, deve parecer fácil escrever sobre um amigo, ainda mais quando se trata de um amigo tão querido e talentoso.
Quando digo talentoso, estou sendo modesto. Carlito, meu amigo Carlito, é mais do que isso: Carlito, juntamente com João Carlos Magaldi, foi um marco na história da nossa propaganda – por que não inventores de uma forma mais dinâmica de comunicação? Como se não bastasse, Carlito, mesmo depois de doente, continuou exercendo um papel fundamental como a consciência do espírito de cidadania.
Carlito, meu amigo Carlito, já me fazia rir, ainda na agência da Braulio Gomes, contando histórias sobre os antigos compositores de "jingles" para rádio, que sempre mostravam seus trabalhos batucando, mesmo quando não fumavam, numa enorme caixa de fósforos. Carlito dizia que, pelo tamanho, a caixa devia ser de uso exclusivo dos profissionais.
De todas as pessoas que conheci, Carlito era, sem dúvida, uma das que menos se interessava por coisas materiais. Uma vez perguntei:
– Carlito, se você ganhasse na loteria, ia fazer o quê?
Ele respondeu na hora:
– A mesma coisa que eu faço agora.
Voltando ao princípio: dizia eu que podem pensar que é fácil falar de alguém de quem se gosta e se admira tanto. Engano: a proximidade pode levar a distorções, à parcialidade, ao exagero. Neste caso, porém, garanto que não corro este perigo. Por mais que eu fale, tudo que eu diga será sempre menor do que a realidade. Carlito foi, sem favor nenhum, um homem dedicado a tentar melhorar o mundo. Mesmo quando a terrível e inexplicável doença tomou conta do seu corpo e ele não conseguia mais falar, Carlito continuava a se comunicar furiosamente, primeiro pelo fax, depois pelo computador. Nem
conseguia mais andar, quando fez questão de ir, numa cadeira de rodas, acompanhado por Tereza, companheira inigualável dos anos mais difíceis, à noite de autógrafos dos meus livros. Não conheço nenhum artista que não tenha recebido suas famosas flores numa estréia.
Sei o quanto ele ficaria encabulado se pudesse ler estas linhas. Não faz mal. Anjo também encabula.