“…do ponto de vista das classes dominantes, quanto menos as dominadas sonharem o sonho de que falo e da forma confiante como falo, quanto menos exercitarem a aprendizagem política de comprometer-se com uma utopia, quanto mais se tornarem abertas aos discursos ‘pragmáticos tanto melhor dormirão as classes dominantes”. Paulo Freire, Pedagogia da Esperança – um Reencontro com a Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1993 – 2a edição (p.92)
Paulo Freire não está mais aqui. Depois de inúmeras obras publicadas no Brasil e no Exterior, de contribuir para a alfabetização de milhares de adultos e com a formação de educadores no mundo todo, nosso companheiro/professor foi embora no último dia 2, deixando, para todos aqueles que sonham com uma sociedade mais bonita e justa, a lição de aprender lições na vida e, juntos, construirmos a utopia.
“Seu pensamento caminha para a construção de uma sociedade inclusiva, onde todos podem participar com igualdade e equidade”, afirma Sérgio Haddad, secretário-executivo da Ong Ação Educativa e professor da pós-graduação em História e Filosofia da Educação da PUC/SP.
Para o professor, a pedagogia de Paulo Freire é coerente com essa sua concepção de sociedade e, por isso, une aspectos pedagógicos com políticos. “É a idéia de conhecimento vinculada à transformação a partir do diálogo e, quanto mais se aprende, mais se conhece e mais se compromete com o aprender”, explica Haddad.
A conseqüência dessa pedagogia participativa, conforme Sérgio Haddad, é o de inclusão. “As idéias de Paulo Freire caminham na contramão do que hoje nós verificamos na sociedade, onde apenas uma parcela pode usufruir de seus bens”, finaliza o professor.
Marcas profundas
A passagem de Paulo Freire pela Secretaria Municipal de Educação de São Paulo (SME), de 1989 a 1991, durante a gestão Luiza Erundina, deixou marcas profundas na educação do município. Além das 960 classes de alfabetização de adultos criadas apenas nos seis primeiros meses de sua gestão, dos programas de formação continuada para professores, dos projetos integrados com outras secretarias, da parceria pioneira com universidades, dos investimentos maciços na conservação dos prédios e garantia de material pedagógico, a administração de Paulo Freire “ousou no diálogo”, ao propor o projeto da interdisciplinaridade na escola pública.
O processo ensino-aprendizagem foi totalmente inovado e a construção do saber se fez a partir do diálogo entre os envolvidos. “O professor tornou-se sujeito de seu trabalho e o aluno, sujeito de seu aprendizado”, sintetiza Nídia Pontuschka, professora de Prática de Ensino de Geografia da Faculdade de Educação da USP e assessora para a área de Geografia da SME entre 1989 e 1992, que vê nessa inovação da relação, uma das mais importantes contribuições da passagem de Paulo Freire pela SME.
Com o fim da administração petista, as relações retrocederam, as Delegacias de Ensino, substituídas por Paulo Freire pelos Núcleos de Ação Educativa (NAE), retomaram à sua função meramente burocrática, golpeando o trabalho nas escolas que dependia do apoio pedagógico garantido pelos NAEs. “Hoje não há interesse político para um trabalho que permite a professores e alunos desvelar a realidade”, avalia a professora, que também acredita na resistência de muitos professores em retomar à antiga forma pedagógica. “Num momento político de maior preocupação com a educação, essas experiências vão pipocar, porque as sementes ficaram”, finaliza a professora.
Fonte: PT Notícias, nº 43, ano 2, 12 a 18 de maio de 1997, p. 2. Acervo: Centro Sérgio Buarque de Holanda/Fundação Perseu Abramo.