Qual a responsabilidade de cada jornalista nesse processo?

Qual a responsabilidade de cada jornalista nesse processo?

A Comunicação e a Ética*

Por Perseu Abramo
Outubro de 1990

Uma antiquíssima discussão vem ressurgindo com grande força entre os jornalistas: a da ética. Nos últimos anos, os brasileiros vêm sofrendo, a respeito das eleições mas não só a propósito delas, um bombardeio diário de inverdades, de falsas e meias verdades, de mentiras, calúnias, difamações, injúrias e distorções de toda espécie.

Trata-se já não mais de um ou outro fato isolado de abuso ou desvio eventual, ou de uma exceção à regra. Ao contrário: agora é a regra, é a característica essencial da situação, os exemplos opostos constituindo apenas o excepcional. Qual a responsabilidade de cada jornalista nesse processo?

Uma forma de contornar a resposta a essa questão é dizer que a manipulação que a ordena é do proprietário do meio de comunicação. Isso é verdade. mas é verdade, também, que quem fez, quem executa a manipulação é um jornalista. Não há como fugir disso e é necessário, portanto, examinar em quais circunstâncias têm os jornalistas maior ou menor autonomia para resistir ou opor-se à ordem ou à intenção da manipulação.

Outra resposta é o argumento de que uma coisa é o jornalista enquanto profissional e outra é o jornalista enquanto cidadão. Só que a realidade não é exatamente assim. A distinção entre o “cidadão” e o “profissional” não é tão nítida quanto gostariam que fosse os adeptos dessa justificativa. A postura ética do “cidadão” conforme o desempenho técnico do profissional e os compromissos objetivos e concretos do “profissional” acabam por contaminar a inteireza ética do cidadão. Além disso, é o profissional que é capaz de dar vigência concreta e objetiva às intenções de manipulação do seu empregador permanente ou eventual.

Para lembrar um exemplo: as manipulações perpetradas pelo candidato Collor em 1989, certamente contribuíram para o objetivo – a derrota eleitoral de seu adversário. Mas seguramente passaram a fazer parte inarredável da biografia tanto do candidato vitorioso quanto dos jornalistas e publicitários que o assessoraram e executaram as manipulações. Nesta campanha eleitoral de 1990, o que está acontecendo na Bahia, em Santa Catarina, no Rio Grande do Sul, para citar apenas três em inúmeros exemplos, vai na mesma linha. A obtenção da vitória eleitoral ou do êxito comercial não é o único parâmetro para medir a excelência de uma currículo profissional, jornalista ou não. Existe uma dimensão ética, que não pode ser captada ou medida por pontos e quantidades, mas que permanece imanente à biografia de cada um.

Essa dimensão ética é que parece estar em crise na maior parte das atividades de comunicação no Brasil de hoje. Como entender as acusações recíprocas que se fazem os candidatos através de manchetes e textos dos jornais ou nos programas de rádio e televisão?

Como explicar, por exemplo, essa pérola do new-shit-jornalism, que é o Notícias Populares de São Paulo?

Como justificar a imoralidade que é a concessão de canais de rádio e televisão a parlamentares fisiológicos ou a liberdade concedida aos detentores ou ocupantes de canais de disputarem candidaturas eleitorais?

Como tolerar a impunidade de que gozam os grandes meios de comunicação, quando, sob o injustificável pretexto de uma pretensa “liberdade de imprensa”, se julgam acima das leis e dos homens e sobre ambos tripudiam sem respeito à verdade?

A busca de novas formas de convívio democrático exige também que se descubram formas novas de respeito a princípios éticos, tanto na sociedade política quanto na sociedade civil, e, nesta, não só para os donos dos meios de comunicação, mas também para os seus empregados.

Perseu Abramo é jornalista e membro do Conselho Nacional de Ética da FENAJ


* Publicado no Jornal dos Jornalistas-Ano IV Edição 31
em outubro de 1990.

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