Quando da crise de 1929, os defensores do desenvolvimento planejado soviético apresentavam-no como alternativa ao modelo liberal capitalista.

Depois da crise de 2007- 2008, alguns defensores do chamado socialismo de mercado chinês ensaiaram o mesmo tipo de raciocínio.
Ao mesmo tempo, tanto na mídia quanto nos centros de formulação estratégica, há quem enxergue os conflitos presentes e futuros entre China e EUA com base num padrão de reflexão similar aos da bipolaridade que marcou a Guerra Fria.

O modelo chinês se propõe ou pode ser considerado como uma alternativa ao capitalismo anglo-saxão ou ao capitalismo em geral?

O Estado chinês enxerga seu “desenvolvimento pacífico” nesta perspectiva?
Nestes marcos, qual papel jogam os BRICS, bem como qual papel jogam as relações entre China e América Latina?

A seguir abordaremos estes temas, citando extensamente o artigo “China e Brasil num mundo de crise & transição” (POMAR, 2014).

Subsídios sobre Partido Comunista da China

Corre uma boutade, atribuída a um estadista chinês, segundo o qual ainda seria muito cedo para formar uma opinião histórica acerca da Revolução Francesa de 1789. Algo assim poderia ser dito a respeito da fundação do Partido Comunista da China, ocorrida em 1921. Mas a título provisório, algo pode ser dito.

Entre 1848 e 1949, a China correu o risco da fragmentação nacional, da submissão colonial ou semicolonial. As escolhas feitas pelo Partido Comunista foram fundamentais para que isto não ocorresse, para que a China continuasse existindo como nação soberana, independente e no fundamental com continuidade territorial (exceto, à época, por Macau, Hong Kong; e, ainda hoje, por Taiwan). Um feito similar ao que os bolcheviques obtiveram, quanto conseguiram que a URSS ocupasse espaço similar ao do antigo Império czarista.

Destino diferente tiveram outros impérios.

Entre 1911 e 1949, a China estabeleceu a república, superou o feudalismo, representado principalmente pelos senhores de guerra, derrotou a invasão imperialista japonesa, realizou uma revolução e implantou uma república democrático-popular, mudando as condições de vida de mais de um bilhão de pessoas. Deste ponto de vista, realizou a maior revolução da história.

O grande protagonista deste processo de libertação foram as massas camponesas; e as grandes beneficiárias foram as mulheres e a juventude. As escolhas feitas pelo Partido Comunista Chinês foram fundamentais para destruir o poder milenário do latifúndio feudal e semifeudal.

Entre 1949 e 1978, a China viveu sob tripla pressão: dos Estados Unidos, da União Soviética e da própria revolução interior.

Os Estados Unidos acompanharam e buscaram influir desde o início nos rumos da revolução chinesa, as vezes apoiando (como fizeram no caso do Kuomitang e da luta contra o Japão), seja guerreando (como na Guerra da Coreia e na subversão no Tibete).

A União Soviética também foi um protagonista ativo da revolução chinesa, como exemplo, como retaguarda, como apoio ativo, mas também buscando que a China fosse uma aliada subalterna e uma replicadora do “modelo” soviético de socialismo.

Entretanto, as pressões dos EUA e da URSS foram suplantadas pelo impulso interno da revolução chinesa, seja no sentido do “comunismo imediato” buscado pela Grande Revolução Cultural Proletária, seja no sentido das Grandes Modernizações que buscavam superar o atraso e impedir a recolonização.

E, a partir de 1978 e até hoje, sem interrupção, a China adotou um caminho de desenvolvimento baseado na combinação entre Estado e mercado, entre mercado interno e mercado externo, o chamado socialismo com características chinesas, também classificado como socialismo de mercado.

O resultado disto foi que, enquanto a URSS se dissolveu em 1991, a China em 2020 superou os Estados Unidos em grande número de indicadores econômicos, em especial no produto interno bruto. Novamente, as escolhas feitas pelo Partido Comunista chinês foram fundamentais para este desfecho.

Foi especialmente a partir de 2008, que a crise mundial colocou a China diante de uma situação de novo tipo: não só a de suplantar os Estados Unidos, mas também a necessidade de combinar duas outras variáveis: “exportar capitais” e reduzir as desigualdades internas.

Será possível exportar capitais, sem converter a China em um imperialismo de novo tipo? Será possível suplantar os Estados Unidos, sem que o mundo seja empurrado para conflitos militares de escala ciclópica? Será possível reduzir a desigualdade, na escala e velocidade exigidas por uma sociedade transformada por apenas 40 anos de socialismo de mercado?

Este é o tríplice desafio posto, hoje e nas próximas décadas, ao Partido Comunista da China. Não há como prever se terá ou não êxito. Até porque a natureza do desafio pode converter em antagônicas as três variáveis que até o momento se compuseram de maneira contraditória, mas não antagônica: a defesa dos interesses da Nação chinesa, a defesa do socialismo (compreendido aqui em duplo sentido: na elevação da qualidade de vida das massas e no controle imposto ao capitalismo) e a defesa de uma nova ordem internacional.

Os comunistas chineses, que algum dia já levantaram o dedo acusador contra o social-imperialismo soviético, são as vezes acusados de estarem construindo um imperialismo de novo tipo, com características chinesas.

Seja qual for o desfecho desta situação, uma coisa é certa: o Partido Comunista Chinês, as decisões que já adotou e que vier a adotar, serão decisivas na definição dos rumos da nação chinesa e do mundo como um todo.

Visto o século em conjunto, o Partido Comunista chinês foi e continua sendo o principal instrumento de uma transição, não apenas de modo de produção, mas também de natureza geopolítica, entre o que se convencionou chamar de Oriente e de Ocidente. É um grande feito, para uma organização que nos seus começos reunia algumas poucas dezenas de militantes, perseguidos e atacados. Mas que contava a seu favor com a retaguarda de uma civilização milenar, com o impulso de uma revolução em marcha, com o estímulo da experiência soviética e com a percepção de que o marxismo era um genial guia para a ação.

Para nós, que buscamos representar os interesses das classes trabalhadoras de outro continente, é cada vez mais claro a importância de estudar a experiência chinesa. Estudar, sem querer copiar.

Aprender, para construir um programa e uma estratégia que nos permita construir um socialismo com características próprias. E, acima de tudo, lembrar que o PC chinês só triunfou porque soube, ao mesmo tempo, ligar-se com as massas e libertar suas mentes.

A seguir, algumas reflexões sobre a estratégia do PCCh

O movimento socialista, assim como o capitalismo, é historicamente uma criação ocidental.

Não é de se admirar que no século XIX a social-democracia esperasse vencer primeiro onde o capitalismo estivesse mais desenvolvido, notadamente a Alemanha.

Mas a primeira revolução socialista vitoriosa foi ocorrer numa região de fronteira entre Europa e Ásia, entre Ocidente e Oriente.

O fato não surpreendeu Lênin, para quem a Rússia constituiria o elo mais fraco da cadeia imperialista.

Admitindo ser mais fácil tomar o poder ali do que na Alemanha, Lênin reconhecia, entretanto, que na Rússia seria mais difícil construir o socialismo, devido ao atraso político, social e econômico.

A solução para o paradoxo viria, supostamente, da solidariedade da posterior e subseqüente revolução socialista nos países europeus mais avançados, estimulada exatamente pelo exemplo do proletariado russo.

Entretanto, ainda que de lá tenha vindo alguma solidariedade, não houve nenhuma revolução socialista vitoriosa nas potências ocidentais.

Bloqueada a Oeste, a revolução expandiu-se em direção Leste. Já em 1918, Stalin diria que “o grande significado mundial da Revolução de Outubro consiste principalmente no fato de ter lançado uma ponte entre o Ocidente socialista e o Oriente oprimido, constituindo uma nova frente da revolução que, dos proletários do Ocidente, através da revolução da Rússia, chega até os povos oprimidos do Oriente, contra o imperialismo mundial”.

A “ponte” foi lançada sobre uma região já em ebulição, causada em grande medida pela penetração do capitalismo.
Muitos fatos evidenciam isto, entre os quais a vitória do Japão na guerra contra o Império Russo e a revolução de 1911 na China.

Ao projetar o socialismo no Oriente, o governo soviético e o Partido Comunista Russo provocaram mutações no projeto e na estratégia originárias de Marx.

Para este, o socialismo seria uma etapa de transição entre o capitalismo e o comunismo.

Levado ao Oriente, pouco a pouco o socialismo passou a ser apresentado (e vivido) como uma etapa de transição entre o précapitalismo e o comunismo.

Esta novidade não era totalmente estranha à tradição socialista russa: os narodniks se caracterizaram exatamente por tentar construir um caminho que fosse do feudalismo russo ao socialismo, sem passar pelo capitalismo.

Lênin iniciou sua trajetória política combatendo esta teoria, mas o curso dos acontecimentos o levou a capitanear um experimento que poderia ser considerado uma variante do “populismo”, acusação que lhe foi dirigida à época por seus adversários no movimento social-democrata.

Assim como o massacre da Comuna de Paris deslocou o centro do movimento socialista da França para a Alemanha, a derrota do operariado alemão, iniciada nos acontecimentos de 1918-1919 e consagrada com a ascensão do nazismo, consolidou um novo centro: Moscou.

A partir deste centro, se desenvolveu um trabalho sistemático de penetração na Ásia, seja estabelecendo governos soviéticos nas regiões anteriormente dominadas pelo antigo Império Russo; seja através da fundação de partidos comunistas (o PC chinês, por exemplo, será criado em 1921); seja através da difusão da doutrina da “autodeterminação nacional”; seja através do exemplo, fornecido pela URSS, das possibilidades abertas pelo planejamento estatal centralizado.

No curso deste processo, se consolidam três alternativas fundamentais de desenvolvimento para os países da Ásia: 1) a adesão subordinada às metrópoles imperialistas, 2) o nacionalismo “burguês” e 3) o anti-imperialismo de orientação “comunista”.

A guerra de 1939-1945, que começou antes na Ásia, com a ofensiva japonesa de 1937, é o pano de fundo da segunda grande revolução socialista vitoriosa.

Desta vez não mais em território de fronteira, mas totalmente oriental: a revolução chinesa de 1949.

Em se tratando da história da China, há que se considerar o período entre a Guerra do Ópio e a fundação da República Popular como um longo período de transição, que em 1911 obtém uma solução provisória e em 1949 uma solução definitiva para o grande dilema da “autodeterminação” do povo chinês.

O curso da milenar civilização, interrompido de maneira violenta pelo imperialismo europeu e japonês, é desobstruído com a vitória do Exército Popular de Libertação dirigido pelo Partido Comunista da China, vitorioso fundamentalmente devido ao seu apoio nas massas camponesas.

Se o Partido Operário Social-Democrata Russo (apelidado de bolchevique e, em 1918, renomeado Partido Comunista) soube ser heterodoxo frente aos seus congêneres europeus, os comunistas chineses souberam ser heterodoxos diante de muitas das orientações da chamada Terceira Internacional.

Integraram de maneira nova a teoria do imperialismo, a questão colonial, a autodeterminação dos povos e a luta pelo socialismo.

Construíram uma fórmula que fazia do campesinato força principal da revolução, mas preservando o “papel dirigente do proletariado”, na prática encarnado no próprio Partido.

Inviabilizada a cópia da insurreição urbana de tipo russo, aplicaram uma estratégia de “cerco da cidade pelo campo”, apoiada numa “guerra popular prolongada”.

E através da “Nova Democracia”, buscaram construir uma ponte de longo curso entre o atraso econômico chinês e o projeto comunista que animava a direção revolucionária.

Sessenta anos depois, seguem visíveis os três pilares daquela “ponte”: a defesa da soberania nacional, a modernização econômica capitaneada pelo Estado e a consideração pelos interesses do campesinato.

A radicalização dos camponeses pobres (sem os quais a revolução não teria vencido) é uma das principais explicações para os ziguezagues que marcaram os primeiros trinta anos do poder instalado em 1949.

O “grande salto adiante” e a “revolução cultural proletária” expressavam, em essência, a vontade de ultrapassar rapidamente o capitalismo, lançando mão do voluntarismo ideológico e apoiando-se em forças produtivas muito atrasadas.

Este socialismo camponês (ou pequeno-burguês, ou populista) fracassou em grande medida por não ter sido capaz de oferecer senão um igualitarismo na pobreza.

As reformas chinesas iniciadas em 1978 (de maneira similar à Nova Política Econômica soviética implementada nos anos 1920) representaram, por sua vez, a reafirmação de um aspecto central da tradição marxista: a idéia de que um modo de produção só desaparece quando desenvolve todas as forças produtivas capaz de conter.

Noutras palavras: só é possível superar o capitalismo, desenvolvendo-o. O que, aliás, corresponde à acepção hegeliana do termo “superação”.

Do ponto de vista teórico, o conceito de socialismo enquanto transição ao comunismo é totalmente compatível com a existência, mesmo que por um longo período, da propriedade privada, de mercado e de relações capitalistas de produção.

Mas para os marxistas do século XIX, aquela transição era vista como temporalmente curta, uma vez que teria início nos países capitalistas avançados; ou, pelo menos, contaria com o apoio destes.

Tal era, por exemplo, a expectativa dos bolcheviques ao tomar o poder em 1917. A idéia de uma transição “curta” perde sentido, entretanto, quando o ponto de partida é uma sociedade essencialmente pré-capitalista, fazendo com que o Estado produto da revolução seja obrigado não apenas a controlar, mas também estimular a exploração capitalista da força de trabalho, como meio para aumentar a riqueza social e a produtividade média. Processo que para alguns autores deveria ser denominado de acumulação primitiva socialista, termo rejeitado por outros.

Os comunistas chineses consideram respeitar a tradição marxista clássica, quando sustentam que estão ainda na “fase inicial do socialismo”, que esta fase durará muito tempo e que seu objetivo nesta fase é o de construir uma sociedade “modestamente acomodada”. E que devem perseguir este objetivo relacionando-se de forma pacífica com o restante do mundo.

Entretanto, o sucesso (nos seus próprios termos) do “socialismo de mercado” chinês criou um excesso relativo de capitais.

Ao exportar estes capitais, o Estado chinês torna-se participante ativo da disputa global por mercados, matérias-primas, valorização do capital e áreas de influência.

Será possível participar desta disputa, sem adotar os mesmos comportamentos dos países imperialistas?

A política externa da China

Há uma vasta bibliografia acerca do “consenso de Pequim”, de sua doutrina de relações internacionais e da política externa da China.

O Estado chinês considera essencial a preservação da paz, seja por conhecer o custo econômico-social das guerras, seja por perceber os limites que têm — para um projeto de orientação socialista — o tipo de desenvolvimento proporcionado pelo investimento no complexo militar, ou ainda por entender que neste terreno os Estados Unidos dispõe de vantagem.

Em decorrência, a China adota uma política externa que enfatiza a solução pacífica dos conflitos. Ao mesmo tempo, busca a capacidade militar necessária para defender a soberania nacional, proteger o entorno geopolítico e dissuadir ataques.

Estas duas orientações estão, em maio de 2023, sob tensão máxima, devido a guerra e às provocações dos EUA em Taiwan.

Portanto, a China implementa uma política de coexistência e competição pacífica com os demais pólos de poder mundial.

As ideias de coexistência e competição pacíficas estiveram no centro da controvérsia entre os partidos comunistas da China e da URSS, nos anos 1950 e 1960. Mas há duas diferenças fundamentais em relação àquela época.

Internamente, a China fez reformas que mudaram estruturalmente sua relação com o mundo capitalista. Externamente, a China atua num cenário totalmente distinto da Guerra Fria: não mais equilíbrio relativo entre dois campos, mas sim uma defensiva estratégica do movimento socialista.

Nos anos 1970 teve início o refluxo dos processos revolucionários: o Vietnã foi a última grande revolução socialista vitoriosa no século XX.

Caberia pesquisar em que medida esta percepção influenciou a reaproximação com os Estados Unidos e a retirada estratégica praticada desde então. Igualmente caberia analisar o movimento praticado pelos chineses à luz das reflexões de Antonio Gramsci acerca da disputa de hegemonia, formação de blocos históricos, a longa duração dos processos de transformação, a prevalência da guerra de posição.

Aliás, já foi notada certa simetria entre algumas das propostas de Gramsci para o movimento comunista ocidental dos anos 1930 e a política seguida pelos comunistas chineses no mesmo período: o “cerco da cidade pelo campo” e a construção de “áreas libertadas”, por exemplo, constituem exemplos práticos da “guerra de posição”. Hoje, estas afinidades podem ser percebidas com mais nitidez.

Há um vínculo estreito entre as economias da China e dos Estados Unidos. A vinculação entre URSS e EUA era de tipo distinto: a existência da primeira dava ao segundo pretextos para exercer sua hegemonia, ao tempo que estimulava o complexo industrial-militar. Por isto, a vitória obtida pelos EUA na Guerra Fria colaborou – num aparente paradoxo — para enfraquecer, no curto espaço de uma década, a hegemonia dos Estados Unidos.

Do bilateralismo fomos ao multilateralismo, após um brevíssimo período de suposto unilateralismo.

Já os vínculos entre China e Estados Unidos são de tipo diferente.

Desde a diplomacia do ping-pong, na qual os Estados Unidos embarcou na perspectiva de derrotar a URSS e 11 reorganizar sua presença no sudeste asiático, a China veio assumindo crescente importância econômica, para o capitalismo em geral e para os Estados Unidos em particular.

Embora as razões sejam muitas, destaca-se algo absolutamente incompreensível para os autores que defendem a tese da morte do trabalho: a abundância e o baixo valor relativo da força de trabalho chinesa, proporcionando a um capitalismo ocidental maduro, envolto com o drama dos retornos decrescentes, o frescor de altas taxas de mais-valia, associado a um mercado consumidor reprimido. O diferencial é que a China aproveitou os capitais estrangeiros para dinamizar sua própria economia.

Quase quarenta depois do início das reformas, a China consolidou a condição de principal pólo do desenvolvimento econômico mundial.

Chegou a esta condição exatamente porque no ponto de partida: a) não concentrava o estoque principal de riquezas acumuladas; b) possuia uma renda per capita baixa; c) dispunha de uma composição orgânica do capital diferente da existente nos países de capitalismo maduro.

Há fortes vínculos entre os sucessos do desenvolvimento chinês, a aceleração da expansão capitalista nos anos 1990 e a crise de 20078-2008. Entre outros aspectos, podemos estabelecer a seguinte analogia: um século depois do eixo do movimento socialista ter se deslocado a Leste, o mesmo ocorreu no âmbito do capitalismo.

Desde 1978 até o momento, o Estado chinês conseguiu administrar as tensões decorrentes do crescimento, evitando que os conflitos internos interrompessem a dinâmica atual de desenvolvimento.

Frente à crise internacional de 2007-2008, por exemplo, a China reagiu dobrando a aposta no seu mercado interno, na integração do seu entorno geopolítico e ampliando a exportação de capitais.
Se a ascensão da China já provocava apreensões e tensões – e não apenas para os Estados Unidos e seus aliados diretos –, o que poderá ocorrer nesta nova etapa de ainda mais intensa exportação de capitais chineses?

A América Latina e o “sonho chinês”

A China constitui um importante desafio para os Estados Unidos – mas também para a União Européia e o Japão — nos termos próprios da competição intercapitalista por dinheiro 12 e poder. Por este motivo, os modelos estratégicos herdados da Guerra Fria mais confundem do que esclarecem.

A China constitui, igualmente, um desafio para países como a Índia e a Rússia, assim como para os países do seu entorno direto, inclusive para o Japão. Por razões e de maneiras diversas, estes países são atraídos pela força gravitacional do desenvolvimento chinês.

A China também constitui num desafio importante para os países da África e da América Latina e Caribe. Por um lado, constitui uma possibilidade alternativa à hegemonia dos Estados Unidos e seus aliados. Por outro lado, independente do que pensemos acerca das qualidades do “socialismo de mercado” para a sociedade chinesa, sua projeção externa é extremamente contraditória.

A China é uma grande potência, com interesses a defender, plano em que todos os gatos parecem ser pardos. O que acaba enfatizando mais o “mercado” do que o “socialismo”.

Importa destacar que o “sonho chinês” de Xi Jinping depende muito do êxito da exportação de capitais chineses para a África e para a América Latina e Caribe.

Neste último caso, o “Documento sobre la Política de China hacia América Latina y el Caribe“ (State Council, 2009) explicita que a política chinesa é se tornar “sócia” dos países latinoamericanos e caribenhos.

No dia 8 de janeiro de 2015, em discurso proferido por ocasião do I Foro Ministerial China CELAC, Xi Jinping afirmou1 : “trabajemos juntos por realizar la meta de que en los próximos 10 años el intercambio comercial entre China y la Región Latinoamericana y Caribeña llegue a los 500,000 millones de dólares, y el stock de la Inversión Directa de China en la Región, a los 250,000 millones de dólares”.

No dia 22 de maio de 2015, Li Keqiang — primeiro ministro do conselho de Estado — num discurso intitulado “Forjar la “versión actualizada” de la cooperación práctica entre China y América Latina y el Caribe mediante el nuevo modelo 3×3” 2 , explicou que este modelo diz respeito a “la construcción cooperativa en América Latina y el Caribe en tres grandes vías, la logística, la electricidad y la informática”, a “interacción virtuosa entre las empresas, la sociedad y el Gobierno” e a “ampliación de los tres canales de financiamiento que son los fondos, los créditos y los seguros”.

No citado discurso, Li Keqiang explica como o Estado chinês vê o contexto: En la actualidad, la recuperación de la economía global se encuentra todavía en un proceso tortuoso, las naciones emergentes, con China y la región incluidas, encaran en general presiones de un crecimiento descendente de la economía. El comercio bilateral también presenta una tendencia a la relentización tras registrar un alto crecimiento en los últimos diez y tantos años a raíz del nuevo siglo. Frente a las nuevas circunstancias y retos, debemos tomar a la cooperación en capacidad productiva y fabricación de equipos como punto rompedor, fusionando el reajuste de nuestras respectivas estructuras económicas y estrategias de desarrollo, para fomentar activamente el desarrollo sobre un nivel más elevado de la cooperación económico-comercial bilateral, ofreciendo un mejor servicio a las necesidades de nuestro sendo desarrollo. Tenemos razones para quedarnos a la expectativa de que, la “versión actualizada” de la cooperación práctica entre China y la región, forjada con el nuevo modelo 3×3, traerá una gran fuerza motriz al desarrollo de los lazos sino-latinoamericano y caribeños, elevará la confianza de los países emergentes y de los en vías de desarrollo y favorecerá también al proceso de la recuperación de la economía mundial.

O grupo dirigente encabeçado por Xi Jinping e Li Keqiang está diante de desafios equiparáveis aos que foram postos frente a Mao ou a Deng.

A saber: manter o sucesso do “socialismo de mercado” num ambiente de crise do capitalismo e declínio da potência hegemônica, administrando a crescente tensão entre o “desenvolvimento pacífico” e a exportação de capitais, dosando as quantidades relativas de socialismo e de mercado.

Como os países da América Latina e Caribe, particularmente o Brasil, vão se comportar neste contexto? Isto dependerá de vários fatores, entre os quais a interpretação que se faça da oferta chinesa de uma “sociedade”.

Alguns podem tomar a oferta chinesa como mera retórica, para encobrir um neoimperalismo. Mas o oferta de sociedade pode decorrer da diferença entre necessidade e meios. A China necessita muito da América Latina e Caribe. E não tem outros meios para atuar na região, que não oferecendo benefícios mútuos. O que abre um enorme espaço de cooperação estratégica, em bases distintas daquelas oferecidas pelos Estados Unidos e Europa, desde que os Estados de nossa região estejam à altura do desafio. O que inclui compreender o contexto global em que atuamos, tema do próximo e último item deste texto.

O contexto geral

A situação internacional é marcada, em primeiro lugar, por um extenso predomínio das relações capitalistas de produção e circulação.

Comparado com outros períodos da história, vivemos naquele onde o capitalismo é mais predominante.

A situação internacional é marcada, em segundo lugar, por uma crise do capitalismo. Em comparação com outras crises, a iniciada em 2007-2008 tem as seguintes características: a) é uma crise clássica de acumulação, ou seja, revela impasses estruturais no processo de valorização do capital; b) é uma crise de múltiplas dimensões: militar, política, social, ideológica, financeira, comercial, ambiental; c) atinge de maneira diferenciada os setores, regiões e países; d) tem como epicentro os Estados Unidos, a Europa e o Japão.

A situação internacional é marcada, em terceiro lugar, pela intensificação dos conflitos intercapitalistas. No plano interno aos países ou no plano internacional, isto pode implicar em redistribuição do poder entre os diferentes Estados e setores sociais.

A situação internacional é marcada, em quarto lugar, pelo declínio da hegemonia dos Estados Unidos (e, de maneira geral, pelo esgotamento da “capacidade de governança” das chamadas instituições de Bretton Woods), bem como pelas tentativas que os EUA fazem para tentar reverter este declínio.

Uma quinta característica da situação internacional é a busca que outros Estados fazem para estabelecer uma nova hegemonia, de tipo análogo ou diverso.

Uma sexta característica, resultante das anteriores, é a formação de blocos e instituições com finalidades essencialmente defensivas.
Este conjunto de características (ou variáveis) aponta para um período mais ou menos prolongado de instabilidade internacional, bem como para o surgimento de “soluções” intermediárias, temporárias e ineficazes.

No curto e médio prazos, a instabilidade está vinculada à crise do capitalismo e ao declínio da hegemonia estado-unidense. No longo prazo, corresponde à crescente contradição entre a “globalização” da sociedade humana versus o caráter limitado das instituições políticas nacionais e internacionais.

A instabilidade faz com que seja ao mesmo tempo urgente e difícil a construção de alternativas: o velho padrão não funciona adequadamente, mas continua forte; novos padrões estão surgindo, mas não são hegemônicos.

No terreno estrito das políticas econômicas, isto gera uma situação paradoxal: fortes discursos em favor de uma mudança profunda, acompanhadas de terapias minimalistas que fazem correções marginais no modus operandi dos chamados mercados.

Como resultado, a crise adquire um caráter crônico, prolongado e com efeitos degenerativos no terreno ideológico, político e militar.

É neste contexto que ganhou organicidade o grupo de países denominado BRICS; é também neste contexto que ganhou forma o processo de integração latino-americano e caribenho, especialmente entre os países da América do Sul; e é nestes marcos que se desenvolve a relação entre BRICS e América Latina e Caribe.

Assim como é nesse contexto que, especialmente a partir de 2009, as classes dominantes latino-americanas e caribenhas, os Estados Unidos e seus aliados, desencadearam uma ofensiva geral contra o processo de integração regional e contra a influência geopolítica chinesa na região.

Do ponto de vista das forças populares da região, uma das questões postas é como consolidar laços econômicos, sociais, políticos, militares e ideológicos, que possibilitem aos países envolvidos conviver, sem subordinação ou dependência, com o espaço geopolítico e com as dinâmicas hegemonizadas pelos Estados Unidos, União Européia e Japão.

Deste ângulo, uma das perguntas centrais é a seguinte: será possível, mais do que conviver, substituir o arranjo econômico internacional que tem nos Estados Unidos seu elemento organizador (e desorganizador) central, por um novo arranjo? E qual seria a natureza deste novo arranjo?

Estamos diante de disputas de longo curso, que serão travadas num ambiente de acentuada instabilidade, em pelo menos dois planos distintos, porém articulados: a) a disputa no interior de cada país; b) a competição entre os diferentes estados e blocos regionais.

Nesse contexto incide a “questão chinesa”.

Partidos

Sob a liderança do PCCh, a Constituição da RPC estabelece “uma ampla frente patriótica unida” formada por oito partidos políticos menores, conhecidos como partidos democráticos, e pelas organizações populares. Partidos integrantes da Frente Patriótica Unida – Comitê Revolucionário do Kuomintang chinês (estabelecido em 1948 por ex-membros do Komingtang) – Liga Democrática da China (o maior entre eles e fundado em Chongqing em 1941, sendo renomeada em 1944) – Associação da Construção Democrática da China (fundado em Chongqing, em 1945) – Associação Chinesa para a Promoção da Democracia (estabelecido em 1945, em Shanghai) – Partido Democrático dos Camponeses e Trabalhadores da China (estabelecido em 1930 e com o atual nome desde 1947) – Partido Zhigong da China (fundado em 1925, em São Francisco, nos EUA, por chineses que retornaram do exterior) – Sociedade Jiu San (estabelecido no final de 1944 e com o atual nome desde 1945) – Liga Democrática de Autogoverno de Taiwan (fundado em Hong Kong, em 1947, por pessoas que apoiam o socialismo em Taiwan e o processo de reunificação pacífica do país) Estrutura do PCCh – O órgão máximo do PPCh é o Congresso Nacional do Partido realizado de cinco em cinco anos, que, entre outras atribuições, elege o Comitê Central e a Comissão Central de Inspeção Disciplinar . – O plenário do Comitê Central elege: o Bureau Político do Comitê Central do Partido, o Comitê Permanente do Bureau Político do Comitê Central e o Secretário-Geral do Comitê Central. O secretário-geral do Comitê Central deve ser eleito entre os membros do Comitê Permanente do Bureau Político do Comitê Central. – A composição da Comissão Militar Central do partido é determinada pelo Comitê Central. – As organizações do Partido do Exército Popular de Libertação da China conduzem o seu trabalho de acordo com as instruções do Comitê Central.

PCCh (em Chinês):

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Diário do Povo jornal oficial do Comitê Central do PCCh
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