Via portal ocafezinho.com


Um repórter do jornal Gazeta do Povo, publicação altamente reacionária, que virou uma espécie de abrigo último de golpistas pró-Bolsonaro, mandou-me pergunta sobre um relatório publicado, há alguns dias,  pelo Atlantic Council sobre a influência da Rússia na mídia brasileira.

O Atlantic Council é um dos principais think tanks do establishment de guerra dos Estados Unidos. É financiado pelo governo americano, petroleiras americanas, corporações americanas, e empresas que desejam fazer negócios nos EUA. Uma doação generosa, seguramente, dá acesso a encontros, coqueteis, reuniões com membros graduados da Casa Branca e do mundo corporativo norte-americano.

Aqui um print dos principais contribuidores, com destaque para órgãos do governo americano (ou de governos sócios da Otan, como a Inglaterra), petroleiras e corporações que mantém contratos bélicos com o governo.

Lá pelas tantas do relatório, nos deparamos com um gráfico que lista as principais “fontes editoriais” do Brasil na “promoção de narrativas pró-Kremlin”.

É uma lista engraçada, pelo ecletismo. Lá estão o 247, o Cafezinho e o Brasil de Fato, portais de esquerda, que de fato veiculam “narrativas pró-Kremlin”, pelo simples fato de serem portais com viés anti-imperialista, e portanto com uma audiência que pede um conteúdo alternativo à xaropada pró-americana com que a mídia tradicional sufoca, há décadas, sem contraponto, a opinião pública brasileira.

Mas também podemos ver MSM Brasil (?), Istoé, CNN Brasil, G1 e Folha. Ou seja, é uma lista sem pé nem cabeça, improvisada apenas para mostrar serviço aos patrocinadores.

A pergunta do jornalista da Gazeta do Povo foi a seguinte:

“Caro(a),

o think tank americano Atlantic Council publicou um relatório em que lista o seu veículo de comunicação entre os que reproduziriam “narrativas pró-Kremlin” no Brasil ou daria um espaço desproporcional para o embaixador russo no Brasil.

Poderia contar com a sua reação para minha reportagem? Se possível, até o fim do dia.

O relatório do A.C. se encontra neste link: https://www.atlanticcouncil.org/in-depth-research-reports/issue-brief/in-latin-america-russias-ambassadors-and-state-media-tailor-anti-ukraine-content-to-the-local-context/ “

***

Irei responder por aqui:

minha reação é uma risada, por ver uma think tank tão oneroso aos contribuintes americanos, e pretensamente tão influente no famigerado “deep state” da América, produzindo um relatório tão profundamente desorientado.

Talvez os estrategistas do Atlantic Council não tenham se apercebido, mas o Cafezinho também tem veiculado, de maneira bastante intensa nos últimos tempos, “narrativas” de intelectuais norte-americanos extremamente respeitados, como o professor da Universidade de Chicago, John Mearsheimer, autor de vários livros sobre geopolítica, e que tem sido amplamente entrevistado por veículos norte-americanos e internacionais.

O professor John Mearsheimer afirma, categoricamente, que os responsáveis pela guerra na Ucrânia são os americanos, e seu braço imperial na Europa, a Otan, que foram rompendo, sistematicamente, acordos propostos pelos próprios EUA, e seus vassalos, com a Rússia, e estendendo bases militares em áreas cada vez mais próximas à fronteira com a pátria de Tolstói. Isso sem falar na promoção, pelos serviços de inteligência dos EUA, de golpes de Estado, mudanças de regime e revoluções coloridas, nos países fronteiriços com a Rússia, sendo o caso mais emblemático a própria Ucrânia, vítima de um golpe de Estado em 2014, que marca, de fato, o início da guerra atual.

Também fomos influenciados, mais recentemente, pelo livro de um dos mais importantes intelectuais da França, Emmanuel Todd, La Defaite de l’Occident (A derrota do Ocidente), obra que prevê uma vitória da Rússia na guerra da Ucrânia, e reestabelecimento das relações diplomáticas, comerciais e políticas entre a Rússia e o resto da Europa.

Enquanto a mídia ocidental fanatizada (ou escravizada) pela propaganda da Casa Branca tenta descrever Putin como uma espécie de caricatura de um facínora ditador, Todd traz dados objetivos, que mostram a imensa recuperação econômica e social da Rússia nos últimos anos, o que explicaria o prestígio de Putin junto à população do país.

Enfim, minha resposta é que o Cafezinho publica o que lhe parece útil e importante, para o internauta construir uma visão de mundo pluralista, realista e, sobretudo pacífica. Nossa principal bandeira é a paz mundial, e acreditamos que esse objetivo apenas será alcançado pela humanidade se os organismos internacionais, como a ONU e seu Conselho de Segurança forem fortalecidos, democratizados, e respeitados.

Talvez tão importante quanto isso, todavia, é que os povos aprendam a respeitar autonomia e a soberania de outros povos, e isso implica em parar de promover golpes de Estado em outros países, estabelecer sanções econômicas unilaterais, e construir e manter bases militares em quase todo o planeta.

Os EUA precisam puxar o freio. Precisam, em primeiro lugar, pôr fim à Otan, que é uma organização voltada exclusivamente a enriquecer ainda mais algumas indústrias militares privadas dos EUA, e que, portanto, tem como objetivo final promover uma III Guerra Mundial que reestabeleça a hegemonia única dos EUA.

Ao Brasil, sobretudo, interessa a paz, porque temos negócios com EUA, Europa, China, Rússia, Europa, o mundo todo. A cada vez que explode uma guerra em alguma parte do mundo, perdemos parceiros comerciais. A cada vez que os EUA e Europa aprovam algumas de suas sanções absurdas, isso cria constrangimentos para nossos negócios, sem que isso contribua em nada para o objetivo proposto, de promover a democracia e a paz.

Por fim, o Cafezinho não tem afinidade ideológica nenhuma com o regime russo, que, ao que nos consta, tende mais para a direita, inclusive no campo dos costumes. Somos um portal progressista, de esquerda, que defende valores democráticos e humanistas. Entre esses mesmos valores democráticos, todavia, está o de respeitar a soberania de outra nação, de maneira que a Rússia, a Venezuela, a China, a Arábia Saudita, os EUA, a França, podem ter o regime que lhes for mais apropriado, e não seremos nós que iremos alimentar conspirações malandras que, em nome de uma defesa absolutamente cínica e hipócrita de democracia, tem como objetivos “mudanças de regime” que, invariavelmente, resultam em instabilidade política, miséria, guerra civil e violências. O melhor a fazer, sempre, em matéria de política internacional, é deixar outros povos em paz.

Neste link, você pode ler a tradução do “relatório” do Atlantic Council.