Davos em 2024: mais uma vez, uma homenagem à arrogância
Cúpula na cidade suíça mostrou que nunca houve tanta desigualdade social; líderes da comunidade internacional têm ‘mais lealdade’ aos seus chefes bilionários do que à população.
Via portal OperaMundi
Nunca, na história da humanidade, “testemunhamos este nível de ganância, arrogância e irresponsabilidade por parte da classe dominante”. Os multimilionários estão cada vez mais ricos, os pobres ficam mais pobres e numerosos e “vivem nas garras do desespero”. Se o poder corporativo e monopolista permanecer, o ano de 2024 poderá registrar a “normalização” destes extremos insultuosos. (OXFAM, 2024).
Todos os anos, na cidade de Davos (Suíça), reúnem-se líderes mundiais da política e da economia global. Desta vez, realizou-se entre 15 e 19 de janeiro de 2023 e estiveram representados mais de 100 governos, 1.000 empresas multinacionais, todas as organizações internacionais multilaterais e alguns representantes da sociedade civil.
Todos os anos, a OXFAM mostra a estes senhores cenários cada vez mais dramáticos de desigualdade e concentração de riqueza. Mas, “como se ouvissem chover”, diagnósticos e prognósticos passavam pelos seus olhos e ouvidos, sem mais atenção do que aquela ditada pela hipocrisia protocolar: “Exceto a utilidade, tudo é ilusão”, pareciam dizer. Nestas circunstâncias, qualquer propósito de mudança é uma quimera e a humanidade parece estar perante uma encruzilhada: continuar com a supremacia mundial de uma elite bilionária com poder político crescente ou, em vez disso, decidir iniciar a construção de um poder público transformador baseado na igualdade e dignidade.
Como nunca “na história da humanidade houve tanta desigualdade e concentração”, nem existiu um grupo tão pequeno com “tanta riqueza… e tanto poder político” capaz de travar qualquer episódio que questione a ordem estabelecida pelo sistema capitalista.
Aqui estão algumas descobertas da OXFAM que os bilionários e governos relacionados não querem ver ou ouvir:
- Entre 2020 e 2023, a riqueza combinada dos 5 homens mais ricos do mundo passou de 435 bilhões para US$ 869 bilhões, enquanto 5 bilhões de pessoas estão mais pobres do que em 2020.
- A concentração revoga de fato o “mercado livre” e a “concorrência perfeita”. Entre 1995 e 2015: 60 empresas farmacêuticas fundiram-se em 10 gigantes globais (Big Pharma). Duas multinacionais possuem mais de 40% do mercado mundial de sementes. Dez grandes empresas de tecnologia (Big Tech) dominam 70% do mercado.
- O poder corporativo (concentrador e monopolista) agrava a desigualdade ao explorar os trabalhadores, evadir/evitar impostos, privatizar serviços públicos e gerar o colapso climático.
- Está em curso uma mudança no modelo político: a democracia está cedendo à plutocracia. Isto é, com ou sem eleições “democráticas”, os ricos governam.
- O 1% mais rico da população mundial possui 43% dos ativos financeiros globais e, ao mesmo tempo, gera emissões de carbono equivalentes às geradas por 70% da população mundial.
- A desigualdade, além da pobreza, traz racismo e discriminação. Uma família negra média nos EUA tem “riqueza” equivalente a 16% da “riqueza” de uma família branca média. No Brasil, os brancos têm renda até 70% superior à dos afrodescendentes.
Além disso, foram-lhes apresentadas PROPOSTAS de solução. Aqui estão algumas:
- Redistribuir o poder dos bilionários e das grandes empresas. Aumento de salários e vencimentos, melhoria substantiva das condições de trabalho.
- Mudança no papel do Estado: mais regulação e controle sobre o setor privado. Sem mais estruturas monopolistas, especialmente na medicina, na alimentação e na tecnologia.
- Acabar com a comercialização de setores de bens públicos, como a educação e a saúde, bem como a água e o saneamento. O Estado deve assumir a responsabilidade nestas áreas.
- Reduzir radicalmente a influência dos ricos nos governos, nas políticas públicas e na legislação. Eliminar estruturas monopolistas que competem com o poder do Estado.
- Chega de pessoas ricas em cargos públicos por eleição ou nomeação. Isto impedirá que o Estado se torne seu instrumento.
- Aumentar os impostos sobre dividendos e ganhos de capital, estabelecer impostos sobre o patrimônio líquido, tributar lucros extraordinários e reduzir a evasão e a elisão.
- Mudar estruturas corporativas antidemocráticas, promovendo estruturas empresariais com objetivos de sustentabilidade financeira e, ao mesmo tempo, propósito social.
- Sem mais ajudas financeiras para empresas que: não atingem as metas de emissões líquidas zero, não pagam salários justos, utilizam paraísos fiscais e são alheias a um planeamento fiscal robusto.
A proposta vem acompanhada do pedido dos bilionários que, vendo a crise estrutural em curso, solicitam que sejam cobrados MAIS IMPOSTOS. Em Davos-2024, 250 multimilionários “conscientes” de que a desigualdade e a concentração colocam em risco a sustentabilidade do sistema capitalista, pedem que sejam cobrados mais impostos para “combater a pobreza no mundo”. Nem mais nem menos.
Este pedido foi feito pela primeira vez há 10 anos, quando 60 jovens herdeiros de fortunas multimilionárias decidiram fazê-lo. Em 2022, mais de 100 bilionários o fizeram, apontando, com a arrogância que os caracteriza, que “tinham muito dinheiro” e que estavam dispostos a pagar mais impostos. É claro que isto gerou confusão entre os seus pares, surpresa entre aqueles que não esperavam e indignação entre aqueles que acreditam que a propriedade privada é sacrossanta.
Mas a questão é: por que os governos não impõem mais impostos aos mais ricos do planeta? A resposta poderia ser mais complexa, mas, como vimos acima, “nunca os ricos tiveram tanto poder político como agora” com ou sem eleições. Os presidentes e primeiros-ministros de todo o planeta têm muito mais lealdade aos seus chefes bilionários do que à maioria da população. Portanto, os seus receios e a sua atitude servil prevalecerão quando considerarem a possibilidade de impor impostos mesmo a quem os pede. “Eles estão morrendo de medo”, diziam no Peru.
DAVOS e GEOPOLÍTICA
Neste ponto da dinâmica econômica e política global, não nos deveria surpreender que em DAVOS a geopolítica estivesse em todos os cantos dos espaçosos salões destinados ao conclave. Os líderes empresariais e políticos, especialmente os primeiros, decidiram dar muito mais força aos planos que lhes permitam manter as suas taxas de lucro. Ao mesmo tempo, visualizar cenários em circunstâncias que, como as guerras no Oriente Médio e na Ucrânia, os dificultam.
Com planejamento, dizem os donos do mundo, poderíamos “salvaguardar as cadeias de abastecimento” e reduzir os riscos derivados de crises geopolíticas como as que ocorrem no Oriente Médio e na Ucrânia; ou, como aqueles que provocam processos eleitorais com resultados inconvenientes para o neoliberalismo; ou, finalmente, as consequências da intensificação da luta pela hegemonia entre a China e os Estados Unidos.
Nilo Meza Monge. Economista foi Consultor no Ministério de Relações Exteriores do Perú