Aventuras do PT na China (parte 8)
Dia 13 de abril, a delegação petista partiu de Pequim em direção a outras cidades da China.
Qual o significado político das conversas mantidas até agora?
Cada integrante da delegação certamente tem sua avaliação; o que segue é, portanto, uma opinião pessoal.
Destaco os seguintes diálogos: com um dos 7 principais líderes do PCCh, com o departamento de relações internacionais do Partido, com o ministério de relações exteriores do governo, com a Escola central, com uma grande empresa e com o embaixador brasileiro.
Destes diálogos, extraio as seguintes conclusões:
1/a China tem plena consciência de que estamos em uma década decisiva, basicamente porque os Estados Unidos não vão esperar que a ascensão chinesa atinja um ponto irreversível;
2/por conta disso, China está buscando dar um salto de qualidade em sua capacidade de defesa, em pelo menos cinco planos:
-melhorando a vida do povo;
-ampliando a capacidade tecnológicas;
-reforçando a autoridade do Partido;
-aprimorando o preparo das forças armadas;
-aprofundando as alianças internacionais.
3/socialismo para os chineses é, fundamentalmente, a melhoria contínua da vida material e espiritual do povo. Socialismo com características chinesas é, para eles, essencialmente o mercado submetido e à serviço do plano, plano feito por um Estado à serviço do povo. Neste sentido, eles com razão se afirmam “marxistas”, pois estão desenvolvendo as forças produtivas, forças produtivas cada vez mais sociais, postas sob controle cada vez mais coletivo;
4/entretanto, a opção por usar o mercado, da forma e na escala que eles utilizam, produz pelo menos três efeitos colaterais: a desigualdade social, a corrupção e o individualismo. A combinação dos três tende a enfraquecer e desmoralizar a autoridade do Partido. Sem Partido, o Estado e o plano perdem força e o mercado pode deixar de ser variável subordinada, levando no limite o socialismo a se converter em capitalismo;
5/portanto, a operação que Xi Jinping está liderando desde 2012 visa, no essencial, garantir que a política de reforma e abertura, iniciada em 1978, continue servindo para fortalecer o socialismo. No fundo, trata-se das “persistências” defendidas por Deng: persistir no socialismo, na ditadura do proletariado, no papel dirigente do Partido, no marxismo e no pensamento Mao Zedong;
6/uma novidade está na dimensão cada vez mais internacional da tarefa. Não há como não exportar capitais, não há como evitar o enfrentamento com os EUA e seus aliados. Portanto, é preciso “combinar Go com Xadrez”. Por um lado, rodear os EUA, de tal forma que reduza as chances de um conflito militar global. Por outro lado, se preparar para vencer um eventual conflito militar direto;
7/o projeto Cinturão e Rota é a mais vistosa, embora não a única, expressão da “Opção Go”. A insistência dos chineses na “adesão” do Brasil ao Cinturão e Rota tem, no fundamental, uma motivação geopolítica. Assim como tem motivações geopolíticas a resistência exibida por aqueles setores da elite política e econômica do Brasil que são contrários à adesão. Dito de outra forma: há espaço para vários tipos de arranjo econômico, pelo simples fato de que a adesão do Brasil não tem preço!
8/no governo FHC firmamos uma parceria estratégica com a China. No governo Lula firmamos uma parceria estratégica global. Os chineses acenaram, agora, para o que eles chamam de “futuro compartilhado”. O nome é auto-explicativo. A questão, no fundo, é essa: com quem queremos compartilhar a construção do futuro. Com os chineses há e haverá contradições. Mas com os EUA houve, há e seguirão existindo antagonismos imensos e insolúveis. O resto é detalhe, que uma boa negociação pode resolver.
Outra dimensão da relação com a China é o que nós, como Partido, devemos aprender com a experiência deles, particularmente com a experiência centenária do PCCh.
Num resumo: aprender muito, copiar nada.
Aprender exige estudar. A verdade é que conhecemos muito pouco acerca da realidades atual e da história chinesa.
Aprender exige, também, conhecimento direto: troca de delegações, contatos bilaterais, intercâmbios em múltiplos terrenos (governos, parlamentos, academia, cultura, turismo etc.).
Mas aprender não é copiar.
Se quisermos contribuir para que exista um “socialismo com características brasileiras”, um Estado dirigido pela classe trabalhadora, um Partido à altura das tarefas históricas e uma grande revolução política e social, então precisamos nos dedicar a estudar mais e a transformar mais a realidade brasileira, a começar pelo nosso próprio Partido.
Por último, o Brasil tem imensas possibilidades. E pode – se operar certo e rápido – utilizar a difícil situação que vive o mundo, em alavanca para darmos um salto imenso. Mas para isso é preciso superar inúmeros problemas, a começar pela mediocridade que predomina em nossa área econômica. O “austericidio”, termo utilizado por uma resolução do Diretório Nacional do PT, nos mantém prisioneiros do agronegócio e da especulação financeira. Nosso ministro da Fazenda bem que poderia dar um rolé pela China. Sem copiar nada, mas teria muito o que aprender!
ps1/a delegação foi à Cidade Proibida e a Muralha da China. No mesmo dia fiz uma segunda visita ao Museu da história do Partido. Por isso, não tenho como relatar nada, exceto constatar o exemplar estado físico que a delegação exibia ao regressar de horas de caminhada!
ps2/a delegação visitou a empresa Huawei. A impressão é que, bem mais cedo ou um pouco mais tarde, romperão os anos de atraso que a China ainda exibe no terreno dos chips;
ps3/a delegação manifestou inúmeras vezes a importância da China contribuir mais para que Cuba supere sua crítica situação atual. Cabe-nos fazer gestão ainda maior junto ao governo brasileiro. Afinal, se os chineses tem motivos para ajudar Cuba, nós temos muito mais!
ps4/numa delegação composta por 28 pessoas, não há como evitar aqueles “momentos excursão”, alguns engraçados, outros nem tanto. Mas estes serão transmitidos oralmente, o que é muito mais divertido, além de mais saudável!
ps5/as próximas partes das “Aventuras do PT na China” sairão em data incerta.