Foro de São Paulo
Em 1990, entre a queda do Muro de Berlim e a dissolução da União Soviética, o Partido dos Trabalhadores convocou um seminário de partidos e organizações de esquerda da América Latina e do Caribe. Este seminário foi o ponto de partida para a criação do Foro de São Paulo.
De 1998 até hoje, partidos vinculados ao Foro estiveram presentes nos governos da Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Cuba, Equador, El Salvador, Honduras, México, Nicarágua, Paraguai, Peru, República Dominicana, Santa Lúcia, Uruguai e Venezuela.
Em alguns dos países citados, havia partidos do Foro de São Paulo também na oposição. Em outros países da região, partidos vinculados ao Foro nunca chegaram ao governo nacional, mas são importante força oposicionista.
A composição do Foro de São Paulo sempre foi extremamente plural: grandes partidos eleitorais de massa e pequenas organizações militantes; entidades com experiência na luta social e outras com experiência na luta armada; socialdemocratas e comunistas tradicionais, nacionalistas e populistas, além de praticamente todas as variantes das correntes socialistas e revolucionárias regionais.
Observando-se a partir de hoje, pode-se dizer que o Foro de São Paulo foi, num primeiro momento, um grande desaguadouro, um abrigo para diferentes tradições da esquerda regional, que compartilhavam entre si principalmente a oposição ao neoliberalismo e a defesa da integração regional. Mas divergiam entre si em variadas questões, a começar pela do socialismo e da estratégia de luta por ele.
Estas divergências seguiram presentes quando, no decorrer dos anos 2000, ocorreu uma mudança na conjuntura latino-americana e caribenha. Embora todas as organizações integrantes do Foro percebessem as possibilidades abertas pelas vitórias eleitorais e pelo exercício de governos, existiam diferentes maneiras de operar neste cenário. Sabendo disto, a direita regional e o Departamento de Estado dos Estados Unidos passaram a afirmar que existiriam na região duas esquerdas: uma radical e outra moderada, uma carnívora e outra vegetariana. Esta tese era compartilhada, de diferentes maneiras, por muitos setores da esquerda regional. Tanto entre moderados quanto entre radicais, havia quem aceitasse os termos da equação proposta pela secretária de Estado de Bush filho.
Os fatos posteriores confirmaram que, embora fossem muito diferentes, as esquerdas regionais que ascenderam no final dos anos 1990 faziam parte de um mesmo processo histórico. Tanto é assim que o refluxo a partir de 2009 atingiu a todas.
Embora houvesse os que aceitavam a tese das duas esquerdas, a maioria dos integrantes do Foro de São Paulo foi pouco a pouco percebendo que este, bem como o processo histórico em que estava envolvido, era um grande “guarda-chuva” sob o qual as mais variadas políticas podiam ser testadas. A existência do Foro e de uma correlação de forças regional favorável ao “progressismo de esquerda”, permitia que os diferentes setores do Foro pudessem testar suas diferentes políticas.
Obviamente isto não evitou a ocorrência de choques entre partidos e governos de orientação progressista e de esquerda. Mas em geral estes choques se deram nos marcos de um processo comum, que incluía um alto nível de solidariedade entre partidos e governos que respondiam a orientações distintas. Esta dinâmica se traduziu numa postura segundo a qual cada país seguia seu curso, ao tempo que contribuía para o fortalecimento da integração regional. Por exemplo, por intermédio de instituições como a CELAC e a UNASUL.
Curiosamente, mas não surpreendentemente, o Foro de São Paulo se converteu num espaço importante de cooperação e diálogo, mas não conseguiu produzir uma reflexão estratégica de maior fôlego. Simplificada e esquematicamente, podemos dizer que, aceitando cada qual tal como era, buscando os pontos em comum e colocando em segundo plano as diferenças, o resultado foi não investir na reflexão de médio e longo prazo.
Esta atitude certamente ajudou e seguramente não atrapalhou enquanto os tempos foram de “vento a favor”. Mas a partir da crise de 2007-2008, o ambiente internacional alterou-se; e simultaneamente alterou-se também o ambiente nacional de importantes países da região. Como síntese e resultado disto, teve início uma contraofensiva da direita regional. Então, a ausência de uma reflexão coletiva sobre os problemas estratégicos de médio e longo prazo cobrou (e segue cobrando) um alto preço. Embora, como saibamos, isso não tenha impedido que os partidos do Foro de São Paulo seguissem atuando e, inclusive, estejam hoje a frente de inúmeros governos da América Latina e Caribe.
A direita latino-americana atribui ao Foro de São Paulo grande importância e imensa capacidade operacional. Trata-se de um exagero, pois o Foro não possui orçamento próprio, sede nem funcionários. Resume-se a encontros regulares, geralmente anuais, de todos os seus integrantes; além de promover um conjunto de reuniões regionais, seminários, debates e eventos semelhantes. Isto significa que ele não é, nem jamais pretendeu ser, uma organização centralizada como foi a Terceira Internacional. Aliás, caso o Foro tivesse adotado mecanismos organizativos mais centralizados, ele provavelmente não teria sobrevivido, entre outros motivos por causa de sua composição plural acima mencionada.
Por outro lado, a dinâmica “desigual e combinada” do Foro de São Paulo nunca foi corretamente compreendida – com raras exceções – por diversos setores da esquerda mundial (majoritariamente socialdemocratas), conformada a um ambiente de confrontação e baixa cooperação entre as diferentes famílias da esquerda. Enquanto outros setores (Partido de Esquerda Europeu, Grupo A Esquerda no Parlamento Europeu) tinham uma visão mais adequada sobre o fenômeno latino-americano.